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COVID-19 como uma questão de gênero no mercado: uma chamada para ação contra a vulnerabilidade?

Resumo

Em plena situação de pandemia, além do aumento de casos da COVID-19, também houve um crescimento considerável de ocorrências de violência doméstica baseada em gênero no Brasil. Observamos que tal situação alarmante inspirou alguns indivíduos e organizações a criarem iniciativas para lidar com esta realidade, que também afetou o mercado. Assim, o presente artigo busca compreender como as relações entre as práticas de mercado podem gerar discussões sobre questões sociais, tais como, a vulnerabilidade de mulheres frente à violência doméstica. Nosso caminho metodológico começa a partir da iniciativa da Magazine Luiza (que é uma das maiores varejistas brasileiras): o botão de pânico no aplicativo da Magalu. Construímos um corpus a partir de uma notícia que deu visibilidade a essa prática de mercado. Embora as práticas de mercado do Magalu possam ser vistas como influentes na luta contra a violência de gênero, existe um iminente perigo de relegar somente à esfera do mercado a defesa das mulheres, quando a criação da resiliência é, sem sombra de dúvida, resultado da ação conjunta da sociedade como um todo.

Palavras-chave:
COVID-19; Gênero; Marketing; Vulnerabilidade

Abstract

Gender-based domestic violence has increased considerably in Brazil during the COVID-19 pandemic. This alarming situation has affected the market and has inspired individuals and organizations to create initiatives to tackle the issue. This article seeks to understand how the links between market practices prompt discussions on social issues such as women’s vulnerability in the face of domestic violence. The methodological path was built around an initiative by Magazine Luiza (a major Brazilian retailer): the panic button in the Magalu app. A corpus was formed, gathering news about the initiative and analyzed afterward. Although Magalu’s market practices can be seen as influential in the fight against gender violence, there is imminent danger of relegating the defense of women to the market sphere, whereas in contrast, the creation of resilience is, without a doubt, the result of joint action by society as a whole.

Keywords:
COVID-19; Gender; Marketing; Vulnerability

Resumen

En plena situación de pandemia, además del aumento de casos de COVID-19, también hubo un aumento considerable de casos de violencia doméstica de género en Brasil. Observamos que esa situación tan alarmante ha inspirado a algunos individuos y organizaciones a crear iniciativas para enfrentar esta realidad que también ha afectado al mercado. Por lo tanto, este artículo busca comprender cómo las relaciones entre las prácticas del mercado pueden generar discusiones sobre cuestiones sociales como la vulnerabilidad de las mujeres a la violencia doméstica. Nuestro camino metodológico comienza con la iniciativa de Magazine Luiza (que es uno de los mayores minoristas brasileños): el botón de pánico en la aplicación de Magalu. Construimos un corpus basado en noticias que dieron visibilidad a esta práctica de mercado. Si bien las prácticas de mercado de Magalu pueden verse como influyentes en la lucha contra la violencia de género, existe el peligro inminente de relegar la defensa de las mujeres solo al ámbito del mercado, cuando la creación de resiliencia es, sin duda, el resultado de la acción conjunta de la sociedad en su conjunto.

Palabras clave:
COVID-19; Género; Marketing; Vulnerabilidad

INTRODUÇÃO

Neste estudo, assumimos que o marketing vai além de um conjunto de técnicas que ajudam a regular as trocas e constitui um conjunto de práticas que contribui para a construção de mercados e outras ordens econômicas, estando em constante processo de construção (“market-ing”) (Araujo & Kjellberg, 2009Araujo, L., & Kjellberg, H. (2009). Shaping exchanges, performing markets: the study of marketing practices. In P. Maclaran, M. Saren, B. Stern, & M. Tadajewski (Eds.), The SAGE handbook of marketing theory (Chap. 11, pp. 195-218). Thousand Oaks, CA: SAGE Publications.). Além disso, essas práticas estabelecem uma intensa relação com os processos sociais de formação da realidade, os quais são moldados por agentes por meio de uma rede de atores humanos e não humanos (Callon, 1986Callon, M. (1986). Some elements of a sociology of translation: domestication of the scallops and the fishermen of St Brieuc Bay. In J. Law(Ed.), Power, action, and belief: a new sociology of knowledge?(pp. 196-223). London, UK: Routledge.; Latour, 2005Latour, B. (2005). Reassembling the Social: An Introduction to Actor-Network Theory. Oxford, UK: Oxford University Press.). Entendemos que os mercados são construídos, alterados, moldados e remodelados ao longo do tempo. Portanto, os mercados são performados por meio das práticas dos consumidores, das organizações e da sociedade como um todo (Araujo, Finch, & Kjellberg, 2010Araujo, L., Finch, J., & Kjellberg, H. (2010). Reconnecting marketing to markets. Oxford, UK: Oxford University Press.).

Embora as práticas de mercado possam ser vistas em termos de suas consequências positivas, como geração de renda e emprego, os mercados também podem promover exclusão e criar vulnerabilidade (Baker & Mason, 2012Baker, S. M., & Mason, M. (2012). Toward a process theory of consumer vulnerability and resilience: Illuminating its transformative potential. In D. G. Mick, S. Pettigrew, C Pechmann, & J. L. Ozanne(Eds.), Transformative consumer research: For personal and collective wellbeing(pp. 543-564). London, UK: Routledge.; R. O. Silva, Barros, Gouveia, & Merabet, 2021Silva, R. O, Barros, D. F., Gouveia, T. M. A., & Merabet, D. D. O. B. (2021). Uma discussão necessária sobre a vulnerabilidade do consumidor: avanços, lacunas e novas perspectivas. Cadernos EBAPE.BR, 19(1), 83-95.). Ademais, essa vulnerabilidade não se aplica apenas às partes diretamente envolvidas nas transações de mercado, como produtores e consumidores, ela também se aplica aos agentes do mercado em geral, como trabalhadores e sociedade. Assim, decidimos observar como as práticas de mercado podem influenciar aspectos da vida social e, reciprocamente, como os problemas sociais podem interferir na plasticidade do mercado. Mais especificamente, atentamos para como uma determinada prática de mercado pode ser criada a partir de como os agentes interpretam e agem em relação às questões sociais.

Estudos na literatura de prática de mercado geralmente seguem os atores para observar a formação do mercado. Mas, neste estudo, propomos utilizar o modelo sugerido por Kjellberg e Helgesson (2007bKjellberg, H., & Helgesson, C. F. (2007b). On the nature of markets and their practices. Marketing Theory, 7(2), 137-162.), com foco nos vínculos estabelecidos entre as práticas (não as práticas em si) para compreender os problemas sociais. O quadro teórico da vulnerabilidade tem sido especialmente relevante durante o que pode ser visto como uma pandemia que possui gênero, isto é, generificada. Entendemos que isso pode ser considerado uma contribuição, e vamos discutir um dos temas sociais mais prementes do mundo atual: a violência contra a mulher - que no Brasil é ainda mais urgente devido às altas taxas de incidência.

Em situações de crise, espera-se que consequências negativas possam se agravar e afetar todo o âmbito da sociedade A crise econômica que se seguiu à crise epidemiológica causada pela pandemia do novo coronavírus é considerada inédita (Moreira, 2020Moreira, A. (2020, May 13). OCDE estima colapso “sem precedentes”. Valor Econômico. Retrieved from https://valor.globo.com/impresso/noticia/2020/05/13/ocde-estima-colapso-sem-precedentes.ghtml
https://valor.globo.com/impresso/noticia...
) e tem causado diversos problemas em todas as esferas. Alguns grupos foram mais severamente afetados pelo novo coronavírus. Eles não são biologicamente ou fisiologicamente mais suscetíveis, e podem apresentar um histórico de vulnerabilidade social e econômica que é exacerbado por qualquer problema de saúde e/ou desastre. Essa doença pode atacar qualquer pessoa, mas há efeitos sociais, econômicos e psicológicos mais graves e duradouros nas mulheres (Lancet, 2020; Paz, Muller, Boudet, & Gaddis, 2020Paz, C., Muller, M., & Boudet, A. M.; Gaddis, I. (2020). Gender dimensions of the COVID-19 pandemic. Washington, DC: The World Bank.). Embora a pandemia tenha trazido inúmeros problemas de diversos tipos, o que nos interessa aqui é abordar a questão da violência doméstica contra a mulher. Essa forma de violência não é exclusiva de uma determinada classe social ou localização geográfica, encontrando-se em toda a sociedade, inclusive em sua forma mais grave, o feminicídio.

A literatura de marketing em geral não trata de tais tópicos, com algumas exceções pontuais (Ayrosa & Oliveira, 2018Ayrosa, E. A. T., & Oliveira, R. C. D. A. (2018). Marketing and the production of consumers’ objective violence. In M. Tadajewski, M. Higgins, J. Denegri-Knott, & R. Varman (Eds.), The Routledge companion to critical marketing (pp. 482-499). London, UK: Routledge.; Capella, Hill, Rapp, & Kees, 2010Capella, M. L., Hill, R. P., Rapp, J. M., & Kees, J. (2010). The impact of violence against women in advertisements. Journal of Advertising, 39(4), 37-52.; McVey, Gurrieri & Tyler, 2021McVey, L., Gurrieri, L., & Tyler, M. (2021). The structural oppression of women by markets: the continuum of sexual violence and the online pornography market. Journal of Marketing Management, 37(1-2), 40-67.; Varman, Goswami, & Vijay, 2018Varman, R., Goswami, P., & Vijay, D. (2018). The precarity of respectable consumption: normalising sexual violence against women. Journal of Marketing Management, 34(11-12), 932-964.). As expectativas derivadas da performatividade de gênero colocam as mulheres em posições de subordinação, tornando-as mais sujeitas aos efeitos nocivos da violência doméstica, como observam Joy, Belk, e Bhardwaj (2015Joy, A., Belk, R., & Bhardwaj, R. (2015). Judith Butler on performativity and precarity: exploratory thoughts on gender and violence in India. Journal of Marketing Management, 31(15-16), 1739-1745.) no contexto da violência sexual contra a mulher na Índia.

O baixo número de estudos sobre violência contra a mulher pode se dar devido à dificuldade em se encontrar estatísticas abrangentes para esses crimes. Apesar dessa dificuldade em relação a indicadores específicos, a mídia já vem noticiando um aumento da violência contra a mulher no Brasil (Bragon & Mattoso, 2020Bragon, R., & Mattoso, C. (2020, February 22). Feminicídio cresce no Brasil e explode em alguns estados. Folha de S. Paulo. Retrieved from https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/02/feminicidio-cresce-no-brasil-e-explode-em-alguns-estados.shtml
https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/...
). Pesquisas anteriores indicam que a violência contra a mulher é maior nos feriados e finais de semana. Durante os períodos de isolamento forçado, a situação apenas piorou. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública aponta que durante os dois primeiros meses de isolamento social, houve um aumento de 22,2% na violência letal contra a mulher. Por outro lado, o mesmo documento indica uma redução de cerca de 30% nas ocorrências policiais de lesões corporais decorrentes de violência doméstica e denúncias de estupro envolvendo mulheres e pessoas vulneráveis ​​(categoria legal que inclui crianças, adolescentes e/ou pessoas com deficiência). A redução de ocorrências policiais decorre da dificuldade das vítimas em denunciar esses crimes, pois estão confinadas com seus agressores.

Observamos que essa situação alarmante inspirou alguns indivíduos e organizações públicas e privadas a criar iniciativas para lidar com essa realidade sombria. Neste estudo, nosso ponto de partida para seguir a rede começou com uma empresa que é uma das maiores varejistas brasileiras, a Magazine Luiza. Fundada em São Paulo, no ano de 1950, a Magazine Luiza - ou Magalu, como é popularmente chamada - possui uma ampla plataforma digital e 1.113 lojas físicas espalhadas por 819 cidades em 21 estados de todo o Brasil. A receita total da empresa em 2019 ultrapassou 27 bilhões de reais (5,5 bilhões de dólares) (Revista Luiza, 2020Baker, S. M., & Mason, M. (2012). Toward a process theory of consumer vulnerability and resilience: Illuminating its transformative potential. In D. G. Mick, S. Pettigrew, C Pechmann, & J. L. Ozanne(Eds.), Transformative consumer research: For personal and collective wellbeing(pp. 543-564). London, UK: Routledge.).

A iniciativa de Magalu pretende reduzir a vulnerabilidade feminina à violência doméstica, ao incluir um ‘botão de pânico’ em seu aplicativo de celular. Esse recurso consiste em um atalho que liga para o serviço de Atendimento à Mulher em Situação de Violência, também conhecido como “Ligue 180”, que é um serviço público gratuito e sigiloso. Sua divulgação ganhou notoriedade na mídia e inspirou a ação de diversos outros agentes, inclusive políticos. Nesse contexto, buscamos compreender como as articulações entre as práticas de mercado podem suscitar discussões sobre questões sociais, como a vulnerabilidade da mulher diante da violência doméstica. Para tanto, primeiro analisamos a iniciativa do Magalu e suas conexões sob a ótica das práticas de mercado (Araujo & Kjellberg, 2009Araujo, L., & Kjellberg, H. (2009). Shaping exchanges, performing markets: the study of marketing practices. In P. Maclaran, M. Saren, B. Stern, & M. Tadajewski (Eds.), The SAGE handbook of marketing theory (Chap. 11, pp. 195-218). Thousand Oaks, CA: SAGE Publications.; Kjellberg & Helgesson, 2006Kjellberg, H., & Helgesson, C. F. (2006). Multiple versions of markets: Multiplicity and performativity in market practice. Industrial Marketing Management, 35(7), 839-855., 2007bKjellberg, H., & Helgesson, C. F. (2007b). On the nature of markets and their practices. Marketing Theory, 7(2), 137-162.). Utilizamos o imperativo “siga a rede” da TAR (Teoria Ator Rede) e utilizamos como fontes de dados matérias jornalísticas, aplicativo da empresa e legislação pertinente ao assunto.

Este artigo está dividido em cinco seções, incluindo esta introdução. Na segunda seção, apresentamos nossas discussões teóricas, abordando temas referentes à dimensão de gênero da pandemia e, em seguida, práticas de mercado e vulnerabilidade do consumidor. Na terceira seção, descrevemos nossos procedimentos metodológicos e, na quarta seção, desenvolvemos nossa análise de dados. Na quinta e última seção, apresentamos as implicações para a vulnerabilidade e nossas considerações finais.

COVID-19 - Uma pandemia de gênero

Desde o início da pandemia, existe uma preocupação urgente com a integridade física das mulheres e a Organização das Nações Unidas a denominou de uma pandemia invisível (ONU Mulheres Brasil, 2020). Esse fato não pode ser visto como surpreendente, tendo em vista que pesquisadores apontam que em todo o mundo alguns grupos, como as mulheres, são mais severamente afetados pelo novo coronavírus. No Brasil, a primeira vítima fatal da COVID-19 foi uma mulher negra, que era empregada doméstica (Melo, 2020Melo, M. L. (2020, March 19) Primeira vítima era doméstica e pegou coronavírus da patroa no Leblon. Portal UOL. Retrieved from https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2020/03/19/primeira-vitima-do-rj-era-domestica-e-pegou-coronavirus-da-patroa.htm
https://noticias.uol.com.br/saude/ultima...
). Desde então, a imprensa noticia a alta taxa de mortalidade de mulheres, as quais compõem a grande maioria (85%) dos profissionais de enfermagem e cuja atuação na linha de frente tem sido indispensável (Alessi, 2020Alessi, G. (2020, May 06). Brasil já perdeu mais profissionais de enfermagem para o coronavírus do que Itália e Espanha juntas. El País Brasil. Retrieved from https://brasil.elpais.com/brasil/2020-05-06/brasil-ja-perdeu-mais-profissionais-de-enfermagem-para-o-coronavirus-do-que-italia-e-espanha-juntas.html
https://brasil.elpais.com/brasil/2020-05...
). Segundo o Conselho Federal de Enfermagem (COFEN, 2021Conselho Federal de Enfermagem. (2021, January 08). Brasil representa um terço das mortes de profissionais de Enfermagem por covid-19. Retrieved from http://www.cofen.gov.br/brasil-responde-por-um-terco-das-mortes-de-profissionais-de-enfermagem-por-covid-19_84357.html
http://www.cofen.gov.br/brasil-responde-...
), o Brasil já responde por 30% das mortes desses profissionais no mundo. Além da alta taxa de mortalidade, o estresse e o risco de contaminação pesam muito sobre essas mulheres. Tal ônus não é apenas um risco ocupacional. As mulheres são historicamente mais vulneráveis, econômica e socialmente, a crises e desastres naturais (McLaren, Wong, Nguyen, & Mahamadachchi, 2020McLaren, H. J., Wong, K. R., Nguyen, K. N., & Mahamadachchi, K. N. D. (2020). Covid-19 and Women’s Triple Burden: Vignettes from Sri Lanka, Malaysia, Vietnam and Australia. Social Sciences, 9(5), 87.), e agora, durante esta pandemia, um dos periódicos mais prestigiados da medicina diz:

As desigualdades afetam desproporcionalmente seu bem-estar e resiliência econômica durante os lockdowns. As famílias estão sob pressão, mas os cuidados com as crianças e idosos e o trabalho doméstico geralmente recaem sobre as mulheres. As preocupações com o aumento da violência doméstica estão crescendo. Com os serviços de saúde sobrecarregados e as instituições de caridade com poucos recursos, os serviços de saúde sexual e reprodutiva das mulheres e os cuidados pré-natal e pós-natal são interrompidos (Lancet, 2020, p. 1168, tradução nossa).

Chandan et al. (2020Chandan, J. S., Taylor, J., Bradbury-Jones, C., Nirantharakumar, K., Kane, E., & Bandyopadhyay, S. (2020). COVID-19: a public health approach to manage domestic violence is needed. The Lancet Public Health, 5(6), e309.) apontam que epidemias anteriores também registraram aumento da violência contra a mulher. A pandemia teve consequências mais graves para as mulheres em três áreas principais: (1) condições econômicas, (2) saúde e educação e, finalmente, (3) agência (Banco Mundial, 2020World Bank. (2020). Gender dimensions of the Covid-19 pandemic. Retrieved from https://documents.worldbank.org/pt/publication/documents-reports/documentdetail/618731587147227244/gender-dimensions-of-the-covid-19-pandemic
https://documents.worldbank.org/pt/publi...
). A agência - ser capaz de ter voz, tomar decisões e agir de acordo - despencou em gravidade e frequência. O fechamento total ou parcial de instituições de proteção é a principal causa da impunidade dos agressores, seguido pela subnotificação dos casos de violência. O confinamento atua, então, agravando a situação de violência de gênero, especialmente, ao tornar as mulheres mais vulneráveis ​​a ela quando são menos capazes de se proteger de seus efeitos. O mesmo documento aponta que muitos grupos de mulheres são mais vulneráveis porque desconhecem como se proteger da violência doméstica e de gênero. Enfatizar o estigma associado às mulheres que sofrem violência doméstica é outro motivo para que não denunciem (Moreira, Borges, & Venâncio, 2011Moreira, V., Boris, G. D. J. B., & Venâncio, N. (2011). O estigma da violência sofrida por mulheres na relação com seus parceiros íntimos. Psicologia & Sociedade, 23(2), 398-406.).

O fardo do trabalho doméstico e familiar também cobra seu preço em tempos de COVID-19. Pesquisas recentes indicam que mulheres acadêmicas, especialmente mulheres negras, e mães independente de raça, pagam a maior parte da conta pelo impacto da pandemia (Staniscuaski et al., 2020Staniscuaski, F., Reichert, F., Werneck, F. P.,Oliveira, L., Mello-Carpes, P. B., & Soletti, R. C. (2020). Impact of COVID-19 on academic mothers. Science, 368(6492), 724-724.).

Esse cenário indica a necessidade de mudanças na legislação e medidas para reduzir a violência doméstica em geral, e especialmente contra as mulheres e os vulneráveis, como crianças e idosos (cujos cuidados geralmente são de responsabilidade das mulheres). Embora se saiba que a violência contra as mulheres aumentou durante o isolamento, alguns números de violência caíram durante a pandemia.

O Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro tem monitorado a violência doméstica e familiar contra a mulher nesse período de isolamento social. Como resultado, esta instituição registrou redução em diversos tipos de crimes: Violência Física (22%), Violência Sexual (18%), Violência Psicológica (30%), Violência Moral (31,5%) e Violência Patrimonial (29,2%). Entre esses crimes, o número registrado na Lei Maria da Penha1 5 Retrieved from https://www.instagram.com/p/CAqhH_Gg327/?utm_source=ig_embed também diminuiu 21,9% (Instituto de Segurança Pública [ISP], 2021). O Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro atribui esse decréscimo tanto à restrição de locomoção quanto à dificuldade de as pessoas saírem de casa e, principalmente, à dificuldade de mulheres e pessoas vulneráveis saírem do controle de seus agressores nesse período. Com isso, temos agora a Lei Federal nº 14.022, de julho de 2020, que amplia as possibilidades de fazer notificações de violência, o que garante maior proteção e cobertura.

É necessária maior proteção, uma vez que os crimes graves em casa (onde as notificações muitas vezes vêm dos vizinhos) aumentaram significativamente. Por exemplo, a Violência Física, aumentou de 59,8% em 2019 para 64,1% em 2020. A Violência Sexual teve um salto ainda maior: de 57,8% em 2019 para 65,9% em 2020.

PRÁTICAS DE MERCADO

Neste estudo, vemos os mercados como algo em constante processo de formação (“market-ing”), sendo um conjunto de práticas que auxiliam na realização e construção de mercados e outras ordens econômicas (Araujo & Kjellberg, 2009Araujo, L., & Kjellberg, H. (2009). Shaping exchanges, performing markets: the study of marketing practices. In P. Maclaran, M. Saren, B. Stern, & M. Tadajewski (Eds.), The SAGE handbook of marketing theory (Chap. 11, pp. 195-218). Thousand Oaks, CA: SAGE Publications.). Nesse sentido, os mercados não são definidos a priori, mas são construídos, alterados, moldados e remodelados ao longo do tempo, e os mercados são performados por meio das práticas dos consumidores, das organizações e da sociedade como um todo (Araujo et al., 2010). Além disso, esta abordagem não se limita à questão de como os mercados são moldados, mas preocupa-se, de modo mais geral, com a forma como surgem as ordens econômicas, incluindo mercados, empresas e famílias (Kjellberg & Helgesson, 2007a). Assim, pode-se dizer que normalmente a ordem econômica é meramente uma função de seu contexto social (Polanyi, 1962Polanyi, K. (1962). The Great Transformation - The Political and Economic Origins of Our Time(3a ed.). Boston, MA: Beacon Press.). Em outras palavras, um sistema econômico não está separado da sociedade (Polanyi, 1962; Machado, 2011Machado, N. M. C. (2011, October). Karl Polanyi and the new economic sociology: Notes on the concept of (dis) embeddedness. RCCS Annual Review, 3, 119-140.).

Kjellberg e Helgesson (2007aKjellberg, H., & Helgesson, C. F. (2007a). The mode of exchange and shaping of markets: Distributor influence in the Swedish post-war food industry. Industrial Marketing Management, 36(7), 861-878.) apontam que há benefícios metodológicos ao se examinar o ordenamento econômico em formação (como, por exemplo, nos estudos de Callon). Ainda, uma abordagem prática enfatiza que a organização econômica e o surgimento de ordens econômicas estão intimamente ligados à constituição de agências econômicas (Araujo & Kjellberg, 2009Araujo, L., & Kjellberg, H. (2009). Shaping exchanges, performing markets: the study of marketing practices. In P. Maclaran, M. Saren, B. Stern, & M. Tadajewski (Eds.), The SAGE handbook of marketing theory (Chap. 11, pp. 195-218). Thousand Oaks, CA: SAGE Publications.).

As atividades de produção, distribuição, compras e consumo podem ser realizadas por diversos agentes (fabricantes, fornecedores, distribuidores, sindicatos, governos, associações, agências reguladoras, consumidores, vendedores, entre outros). Assim, o próprio mercado resulta das práticas desenvolvidas pelos agentes que nele operam (Hagberg & Kjellberg, 2010Hagberg, J., & Kjellberg, H. (2010). Who performs marketing? Dimensions of agential variation in market practice. Industrial Marketing Management, 39(6), 1028-1037.). Observar como as agências econômicas se configuram na prática e não como elas poderiam ser, em princípio, provoca ideias sobre quem é que atua nos mercados (Araujo & Kjellberg, 2009Araujo, L., & Kjellberg, H. (2009). Shaping exchanges, performing markets: the study of marketing practices. In P. Maclaran, M. Saren, B. Stern, & M. Tadajewski (Eds.), The SAGE handbook of marketing theory (Chap. 11, pp. 195-218). Thousand Oaks, CA: SAGE Publications.). Portanto, várias agências contribuem para moldar uma determinada ordem econômica (Araujo & Kjellberg, 2009Araujo, L., & Kjellberg, H. (2009). Shaping exchanges, performing markets: the study of marketing practices. In P. Maclaran, M. Saren, B. Stern, & M. Tadajewski (Eds.), The SAGE handbook of marketing theory (Chap. 11, pp. 195-218). Thousand Oaks, CA: SAGE Publications.). As ordens econômicas existentes são compostas por muitos investimentos coletivos feitos por diversos agentes, geralmente resistentes a mudanças. Nesse sentido, “a implementação de mudanças pode envolver investimentos complementares em novas ferramentas, métricas de desempenho, formas de coleta e análise de dados, etc.” (Araujo & Kjellberg, 2009Araujo, L., & Kjellberg, H. (2009). Shaping exchanges, performing markets: the study of marketing practices. In P. Maclaran, M. Saren, B. Stern, & M. Tadajewski (Eds.), The SAGE handbook of marketing theory (Chap. 11, pp. 195-218). Thousand Oaks, CA: SAGE Publications., p. 22, tradução nossa).

O conceito de práticas de mercado assume uma forma ampla, enfatizando a importância das atividades que contribuem para a constituição de mercados, que são continuamente criados e recriados por meio da interação dessas práticas (Kjellberg & Helgesson, 2006Kjellberg, H., & Helgesson, C. F. (2006). Multiple versions of markets: Multiplicity and performativity in market practice. Industrial Marketing Management, 35(7), 839-855.).

De acordo com Kjellberg e Helgesson (2007bKjellberg, H., & Helgesson, C. F. (2007b). On the nature of markets and their practices. Marketing Theory, 7(2), 137-162.), os mercados são continuamente constituídos por três tipos de práticas interligadas: (1) práticas normativas (atividades que estabelecem guias e regras sobre as formas e as reformas que o mercado deve assumir para funcionar de acordo com algum ator ou grupo de atores); (2) práticas de troca (todas as atividades concretas para a consumação de trocas econômicas individuais); e (3) práticas representacionais (todas as atividades que contribuem para descrever o próprio mercado e/ou como ele funciona). Cada uma delas pode influenciar as outras por meio do processo de “tradução”. Portanto, os mercados são constituídos por um processo contínuo de traduções que interligam diversos tipos de práticas em interseção de cadeias semi cíclicas e reversíveis as quais interferem umas nas outras, como demonstrado na Figura 1 (Kjellberg & Helgesson, 2006Kjellberg, H., & Helgesson, C. F. (2006). Multiple versions of markets: Multiplicity and performativity in market practice. Industrial Marketing Management, 35(7), 839-855., 2007bKjellberg, H., & Helgesson, C. F. (2007b). On the nature of markets and their practices. Marketing Theory, 7(2), 137-162.).

Figura 1
Traduções e Intermediários nas Práticas de Mercado

Embora o modelo apresente diferentes categorias de práticas de mercado separadamente, elas estão interligadas pelos processos nele descritos. Essas práticas estão ligadas por meio de traduções (o conceito de Latour de um processo social básico por meio do qual algo se espalha através do tempo e do espaço). De tal modo que observar os links é importante para entender como essas práticas de mercado podem estar emaranhadas (Kjellberg & Helgesson, 2007bKjellberg, H., & Helgesson, C. F. (2007b). On the nature of markets and their practices. Marketing Theory, 7(2), 137-162.).

As práticas representacionais podem influenciar as práticas normativas por meio de descrições e influenciar as práticas de troca por meio de resultados. As práticas de troca, por sua vez, influenciam as práticas normativas por meio de interesses e influenciam as práticas representacionais por meio de medidas. Finalmente, as práticas normativas podem influenciar as práticas de troca por meio de regras e ferramentas, e podem influenciar as práticas representacionais por meio de medidas e métodos de mensuração. Isso ocorre de tal forma que, em conjunto, essas práticas contribuem para a construção de mercados e outras ordens econômicas (Araujo & Kjellberg, 2009Araujo, L., & Kjellberg, H. (2009). Shaping exchanges, performing markets: the study of marketing practices. In P. Maclaran, M. Saren, B. Stern, & M. Tadajewski (Eds.), The SAGE handbook of marketing theory (Chap. 11, pp. 195-218). Thousand Oaks, CA: SAGE Publications.). No modelo, vemos seis tipos de links, sendo que tais links são centrais no processo pelo qual várias práticas constituem mercados (Kjellberg & Helgesson, 2007bKjellberg, H., & Helgesson, C. F. (2007b). On the nature of markets and their practices. Marketing Theory, 7(2), 137-162.).

Dessa forma, todas as práticas dos agentes que formam um mercado em uma determinada época e geografia podem promover ou dificultar situações de vulnerabilidade na produção e no consumo por meio das interconexões entre eles. Assim, a próxima seção é dedicada a apresentar como a vulnerabilidade é discutida em estudos de marketing e de consumo. Com base em reflexões anteriores, propomos que a vulnerabilidade do consumidor pode se estender por todo um mercado, afetando diferentes agentes de diferentes maneiras.

VULNERABILIDADE E MERCADO

De acordo com Baker, Gentry e Rittenburg (2005Baker, S. M., Gentry, J. W., & Rittenburg, T. L. (2005). Building understanding of the domain of consumer vulnerability. Journal of Macromarketing, 25(2), 128-139. ), por mais que o primeiro trabalho sobre o assunto, The Poor Pay More, de David Caplovitz, tenha sido publicado em 1963, foi somente na década de 1990 que houve um aumento no interesse pela pesquisa sobre vulnerabilidade em marketing. Ainda assim, apesar dos esforços feitos na década de 1990, os estudos tendiam a replicar o entendimento jurídico da vulnerabilidade (Baker et al., 2005Baker, S. M., Gentry, J. W., & Rittenburg, T. L. (2005). Building understanding of the domain of consumer vulnerability. Journal of Macromarketing, 25(2), 128-139. ): “[...] lado fraco de um assunto ou questão [...] onde alguém pode ser atacado ou ofendido” (Lima, 2011Lima, S. M. D. (2011). Vulnerabilidade e Hipossuficiência na sistemática do Código de Defesa do Consumidor. Revista do Centro Acadêmico Afonso Pena, 14(2), 241-259., p. 245), sem relação com características socioeconômicas e culturais presentes no fenômeno de consumo.

O volume de pesquisas sobre vulnerabilidade do consumidor aumentou nas últimas décadas, especialmente após Baker et al. (2005Baker, S. M., Gentry, J. W., & Rittenburg, T. L. (2005). Building understanding of the domain of consumer vulnerability. Journal of Macromarketing, 25(2), 128-139. ) (Commuri & Ekici, 2008Commuri, S., & Ekici, A. (2008). An enlargement of the notion of consumer vulnerability. Journal of Macromarketing, 28,(2),183-186.; Rittenburg & Lunde, 2016Rittenburg, T. L., & Lunde, M. B. (2016). Ethis in target market selection: A historical perspective. In Proceedings of the 41º Macromarketing Conference, Dublin, Ireland.). Embora hoje existam muitas definições para vulnerabilidade do consumidor, a definição de Baker et al. (2005) é a mais citada:

[...] um estado de impotência que surge de um desequilíbrio nas interações do mercado ou no consumo de mensagens e produtos de marketing. Ela ocorre quando o controle não está nas mãos de um indivíduo, criando uma dependência de fatores externos (e.g., profissionais de marketing) para criar a equidade no mercado. A vulnerabilidade real surge da interação de estados individuais, características individuais e condições externas dentro de um contexto em que os objetivos de consumo podem ser prejudicados e a experiência afeta as percepções pessoais e sociais de si mesmo (Baker et al., 2005Baker, S. M., Gentry, J. W., & Rittenburg, T. L. (2005). Building understanding of the domain of consumer vulnerability. Journal of Macromarketing, 25(2), 128-139. , p. 134, tradução nossa).

Os consumidores podem ser mais suscetíveis à vulnerabilidade devido às características individuais2 2 e.g., D. L. T. D. Carvalho (2012); Berg (2015); McKeage, Crosby, e Rittenburg (2015); Faria, Casotti, e J. L. Carvalho (2018). e/ou estados transitórios3 3 e.g., Gentry et al. (1995); Coelho et al. (2017). diante de fatores externos incontroláveis, como discriminação, estigmatização, elementos físicos e logísticos e condições ambientais (Baker et al., 2005Baker, S. M., Gentry, J. W., & Rittenburg, T. L. (2005). Building understanding of the domain of consumer vulnerability. Journal of Macromarketing, 25(2), 128-139. ).

Nesse sentido, as práticas mercadológicas podem criar e/ou reforçar a vulnerabilidade (Hill & Sharma, 2020Hill, R. P., & Sharma, E. (2020). Consumer vulnerability. Journal of Consumer Psychology, 30(3), 551-570.; R. O. Silva, 2018Silva, R. O. (2018). O mercado do morrer: análise das práticas de mercado como criadoras da vulnerabilidade do consumidor (Master Thesis). Universidade do Grande Rio, Rio de Janeiro, RJ.; Shultz II & Holbrook, 2009Shultz II, C. J., & Holbrook, M. B. (2009). The paradoxical relationships between marketing and vulnerability. Journal of Public Policy & Marketing, 28(1), 124-127.). Os profissionais de marketing por vezes são acusados de tirar proveito de consumidores vulneráveis (Schultz II & Holbrook, 2009Shultz II, C. J., & Holbrook, M. B. (2009). The paradoxical relationships between marketing and vulnerability. Journal of Public Policy & Marketing, 28(1), 124-127.) por meio de práticas organizacionais (J. O. Silva, Abreu, & Mano, 2015Silva J. O., Abreu, N. R. D., & Mano, R. F. (2015). Consumidores vulneráveis ou vulnerabilizados? Uma reflexão sobre a acessibilidade em meios hoteleiros na ótica das pessoas com deficiência física. In Anais do 39º Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, Belo Horizonte, MG.). Hill e Sharma (2020Hill, R. P., & Sharma, E. (2020). Consumer vulnerability. Journal of Consumer Psychology, 30(3), 551-570., p. 554, tradução nossa) afirmam que os grupos não são vulneráveis per se: “eles são vulneráveis quando são suscetíveis a danos do mercado por causa de alguma combinação de controle de recursos” (e.g., deficiência física ou conhecimento limitado, que restringe seus acessos e controle sobre os recursos).

Recentemente, Silva et al. (2021Silva, R. O, Barros, D. F., Gouveia, T. M. A., & Merabet, D. D. O. B. (2021). Uma discussão necessária sobre a vulnerabilidade do consumidor: avanços, lacunas e novas perspectivas. Cadernos EBAPE.BR, 19(1), 83-95.) se concentraram em três grupos diferentes dentro dessas definições: (1) condições que levam à vulnerabilidade, (2) questões éticas e (3) vulnerabilidade do consumidor como resultado dos sistemas de marketing. Além disso, esses autores apresentam um conceito mais amplo de vulnerabilidade, que vai além da relação de consumo: “vulnerabilidade é um estado de fragilidade dos indivíduos diante das práticas de mercado, que pode se manifestar em diferentes etapas no processo de produção, comercialização e consumo” (Silva et al., 2021Silva, R. O, Barros, D. F., Gouveia, T. M. A., & Merabet, D. D. O. B. (2021). Uma discussão necessária sobre a vulnerabilidade do consumidor: avanços, lacunas e novas perspectivas. Cadernos EBAPE.BR, 19(1), 83-95., p. 91).

Ao ampliar o escopo de ação da vulnerabilidade, reconhece-se também a complexidade das diferentes experiências e o que significa estar em situação de vulnerabilidade (Baker, LaBarge, & Baker, 2016Baker, S. M., LaBarge, M., & Baker, C. N. (2016). Consumer vulnerability: Foundations, phenomena, and future investigations. In K. Hamilton, S. Dunnet, & M. Piacentini (Eds.), Consumer vulnerability: Conditions, contexts, and characteristics (pp. 13-30). Abingdon: Routledge.). Ao proporem três abordagens metodológicas para a análise da vulnerabilidade, os autores indicam que se pode “isolar determinadas populações com base em suas características biofísicas ou psicossociais, como idade ou raça”, ou “isolar condições ambientais específicas, como pobreza ou recuperação de desastres nas comunidades”, ou ainda “forcar no significado e experiência da vulnerabilidade, permitindo que as condições biofísicas, psicossociais e ambientais variem”. Tal perspectiva pode ser especialmente relevante para o estudo de diversos tipos de crises, uma vez que é sabido que desastres e pandemias afetam grupos sociais de maneira diferenciada, como as mulheres, e mais especificamente, as mulheres negras (McLaren et al., 2020McLaren, H. J., Wong, K. R., Nguyen, K. N., & Mahamadachchi, K. N. D. (2020). Covid-19 and Women’s Triple Burden: Vignettes from Sri Lanka, Malaysia, Vietnam and Australia. Social Sciences, 9(5), 87.). Nesse sentido, segundo Baker e Mason (2012), a violência doméstica e outras formas de violência de gênero podem ser consideradas eventos desencadeadores e estigma na forma de pressão.

Baker e Mason (2012Baker, S. M., & Mason, M. (2012). Toward a process theory of consumer vulnerability and resilience: Illuminating its transformative potential. In D. G. Mick, S. Pettigrew, C Pechmann, & J. L. Ozanne(Eds.), Transformative consumer research: For personal and collective wellbeing(pp. 543-564). London, UK: Routledge.) afirmam que a vulnerabilidade é o resultado de 1) várias pressões sobrepostas de natureza individual (e.g., características psicossociais e/ou biofísicas), 2) pressão interpessoal (e.g., redes familiares e sociais, modelos normativos), 3) pressão da comunidade (e.g., infraestrutura, suporte de recursos, identidade coletiva e grau envolvimento com a comunidade da qual faz parte) ou 4) pressão devido a macroforças (e.g., pobreza, distribuição de recursos e forças econômicas, desigualdade, estigmatização) que podem ser reforçadas por eventos desencadeadores em uma ou mais dimensões de pressão (e.g., desemprego, doença, desagregação familiar e desastres naturais). Para as autoras, a combinação de um ou mais tipo de pressão e um evento desencadeador torna a vulnerabilidade latente e dificulta a capacidade de resiliência do indivíduo.

No entanto, o modelo de Baker e Mason (2012Baker, S. M., & Mason, M. (2012). Toward a process theory of consumer vulnerability and resilience: Illuminating its transformative potential. In D. G. Mick, S. Pettigrew, C Pechmann, & J. L. Ozanne(Eds.), Transformative consumer research: For personal and collective wellbeing(pp. 543-564). London, UK: Routledge.) propõe a ideia de resiliência como uma saída desejável do sistema. Para as autoras, “a vulnerabilidade do consumidor induz a comportamentos de resiliência, e indivíduos e comunidades são resilientes quando transformam seus ambientes materiais, sociais ou ambientais para reduzir o impacto negativo e/ou melhorar sua qualidade de vida” (Baker & Mason, 2012Baker, S. M., & Mason, M. (2012). Toward a process theory of consumer vulnerability and resilience: Illuminating its transformative potential. In D. G. Mick, S. Pettigrew, C Pechmann, & J. L. Ozanne(Eds.), Transformative consumer research: For personal and collective wellbeing(pp. 543-564). London, UK: Routledge., p. 580, tradução nossa). Nesse sentido, “comportamentos de resiliência refletem a capacidade de indivíduos e/ou coletivos de se ajustarem às ameaças ou mudanças” (Baker & Mason, 2012Baker, S. M., & Mason, M. (2012). Toward a process theory of consumer vulnerability and resilience: Illuminating its transformative potential. In D. G. Mick, S. Pettigrew, C Pechmann, & J. L. Ozanne(Eds.), Transformative consumer research: For personal and collective wellbeing(pp. 543-564). London, UK: Routledge., p. 580, tradução nossa). Ainda segundo Baker e Mason, “estudos anteriores demonstraram que, em muitas situações, os indivíduos não aceitam passivamente sua impotência, mas, em vez disso, resistem ativa e construtivamente às suas restrições” (Baker & Mason, 2012Baker, S. M., & Mason, M. (2012). Toward a process theory of consumer vulnerability and resilience: Illuminating its transformative potential. In D. G. Mick, S. Pettigrew, C Pechmann, & J. L. Ozanne(Eds.), Transformative consumer research: For personal and collective wellbeing(pp. 543-564). London, UK: Routledge., p. 580, tradução nossa).

Então, a resiliência é uma condição prática criada por meio da informação, do treinamento e da proteção dos indivíduos no mercado a partir do aumento das escolhas e da capacidade de acessar e/ou utilizar recursos, “resultando em maior absorção de pressões futuras” (Baker & Mason, 2012Baker, S. M., & Mason, M. (2012). Toward a process theory of consumer vulnerability and resilience: Illuminating its transformative potential. In D. G. Mick, S. Pettigrew, C Pechmann, & J. L. Ozanne(Eds.), Transformative consumer research: For personal and collective wellbeing(pp. 543-564). London, UK: Routledge., p. 589, tradução nossa). Como os eventos desencadeadores e as pressões que levam à vulnerabilidade são de várias ordens, é praticamente impossível evitá-los completamente, e criar um ciclo que produza proteção e a capacidade de resposta à vulnerabilidade é fundamental. Um ciclo de resiliência pode ser construído a partir da ação intencional de empresas, consumidores, ONGs e entidades reguladoras e governamentais, na promoção de ações sociais para reduzir as pressões que contribuem para a vulnerabilidade.

Mckeage, Crosby, e Rittenburg (2015McKeage, K. K., Crosby, E., & Rittenburg, T. L. (2015). Gender identity and consumer vulnerability. In Proceedings of the 40º Macromarketing Conference, Chicago, I L., p. 71, tradução nossa) enfatizam que “os profissionais de marketing detêm poder em relação aos consumidores vulneráveis” e “suas ações podem ter ramificações positivas e negativas para esses indivíduos muito além do mercado”. Essas autoras também enfatizam a influência do mercado na agência do consumidor com variações de gênero. Portanto, elas entendem que é importante examinar como essas variações podem se cruzar com questões de mercado. O Voice Group (2010, p. 384, tradução nossa), por exemplo, concluiu que “o mercado nem sempre fornece as melhores respostas para as incertezas que as pessoas podem experimentar e que os macromarketers e os formuladores de políticas públicas têm uma responsabilidade particular de identificar soluções alternativas”. Isso porque identificou-se que as gestantes se tornaram mais vulneráveis às ações do mercado, o que potencializa suas vulnerabilidades.

Embora haja relutância em entender a vulnerabilidade como algo a priori (Baker et al., 2005Baker, S. M., Gentry, J. W., & Rittenburg, T. L. (2005). Building understanding of the domain of consumer vulnerability. Journal of Macromarketing, 25(2), 128-139. ) e, portanto, dependente do indivíduo, reconhece-se que alguns grupos podem estar mais expostos a situações de vulnerabilidade do que outros (Commuri & Ekici, 2008Commuri, S., & Ekici, A. (2008). An enlargement of the notion of consumer vulnerability. Journal of Macromarketing, 28,(2),183-186.). É o caso, por exemplo, de mulheres, idosos e crianças em situações de desastres naturais ou causados pelo homem (Mason & Pavia, 2016Mason, M. J., & Pavia, T. (2016). Health shock, identity, and consumer vulnerability. In K. Hamilton, S. Dunnet, & M. Piacentini (Eds.), Consumer vulnerability: Conditions, contexts, and characteristics (pp. 145-156). Abingdon, UK: Routledge.). Isso também é o que os especialistas em saúde e desastres nos dizem sobre o fardo da COVID-19 para as mulheres.

Pela lei, as mulheres que sofrem violência doméstica são consideradas no contexto da hipervulnerabilidade. Essa situação social agrava a vulnerabilidade do consumidor individual devido às características pessoais que são aparentes ou conhecidas dos fornecedores (Schwartz, 2016Schwartz, F. (2016, July 19). A Defensoria Pública e a proteção dos (hiper) vulneráveis no mercado de consumo. Revista Consultor Jurídico. Retrieved from https://www.conjur.com.br/2016-jul-19/protecao-hipervulneraveis-mercado-consumo
https://www.conjur.com.br/2016-jul-19/pr...
). Portanto, são vulneráveis em termos de mercado e consumo.

Assim, a violência doméstica sofrida pelas mulheres pode ser entendida como um estado individual que leva à vulnerabilidade no mercado e no consumo (Baker et al., 2005Baker, S. M., Gentry, J. W., & Rittenburg, T. L. (2005). Building understanding of the domain of consumer vulnerability. Journal of Macromarketing, 25(2), 128-139. ), pois essa violência cria vulnerabilidades (D’Cruze & Rao, 2004D’Cruze, S., & Rao, A. (2004). Violence and the Vulnerabilities of Gender. Gender & History, 16(3), 495-512.). Quando as mulheres experimentam certos problemas (e.g., doenças e violência), elas perdem o controle (Pavia & Mason, 2004Pavia, T. M., & Mason, M. J. (2004). The reflexive relationship between consumer behavior and adaptive coping. Journal of Consumer Research, 31(2), 441-454.). A falta de apoio de muitos agentes do mercado (Baker & Mason, 2012Baker, S. M., & Mason, M. (2012). Toward a process theory of consumer vulnerability and resilience: Illuminating its transformative potential. In D. G. Mick, S. Pettigrew, C Pechmann, & J. L. Ozanne(Eds.), Transformative consumer research: For personal and collective wellbeing(pp. 543-564). London, UK: Routledge.), principalmente em casos de isolamento social, como na pandemia da COVID-19 (Usher, Bhullar, Durkin, Gyamfi, & Jackson, 2020Usher, K., Bhullar, N., Durkin, J., Gyamfi, N., & Jackson, D. (2020). Family violence and COVID-19: Increased vulnerability and reduced options for support. International Journal of Mental Health Nursing, 29(4), 549-552.), e uma tendência de estado de vulnerabilidade duradoura (McLaren et al., 2020McLaren, H. J., Wong, K. R., Nguyen, K. N., & Mahamadachchi, K. N. D. (2020). Covid-19 and Women’s Triple Burden: Vignettes from Sri Lanka, Malaysia, Vietnam and Australia. Social Sciences, 9(5), 87.) devido à pandemia e violência doméstica, agravam esse problema.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Discutimos como a pandemia pode ser vista como um fenômeno de gênero e o quanto ela amplificou a vulnerabilidade de alguns grupos. Diversas organizações têm buscado minimizar tais problemas. ONGs criaram cartilhas, associações da sociedade civil realizaram financiamento coletivo e distribuíram recursos diversos, governos criaram ações específicas, mas foi uma iniciativa de mercado que ganhou notoriedade nesse cenário. Assim, nosso caminho metodológico começa com a iniciativa do Magalu. Para entender como os vínculos entre as práticas de mercado (Araujo & Kjellberg, 2009Araujo, L., & Kjellberg, H. (2009). Shaping exchanges, performing markets: the study of marketing practices. In P. Maclaran, M. Saren, B. Stern, & M. Tadajewski (Eds.), The SAGE handbook of marketing theory (Chap. 11, pp. 195-218). Thousand Oaks, CA: SAGE Publications.; Kjellberg & Helgesson, 2006Kjellberg, H., & Helgesson, C. F. (2006). Multiple versions of markets: Multiplicity and performativity in market practice. Industrial Marketing Management, 35(7), 839-855., 2007bKjellberg, H., & Helgesson, C. F. (2007b). On the nature of markets and their practices. Marketing Theory, 7(2), 137-162.) podem suscitar discussões sobre questões sociais como a vulnerabilidade da mulher diante da violência doméstica em contexto de pandemia, construímos um corpus baseado nas notícias que deram visibilidade a uma prática de mercado anterior à pandemia: o botão de pânico no aplicativo Magalu.

Esse recurso foi lançado em 8 de março de 2019 - Dia Internacional da Mulher - antes da atual pandemia. No entanto, foi apenas com a chegada da pandemia da COVID-19 que ele ganhou notoriedade (Calais, 2020Calais, B. (2020, June 04). Conheça a história do botão de denúncia da Magalu contra a violência doméstica. Forbes. Retrieved fromhttps://forbes.com.br/negocios/2020/06/magalu-relanca-botao-de-denuncia-contra-a-violencia-domestica/
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). Essa prática também inspirou outro movimento nesse sentido, que foi a criação do Projeto de Lei nº 3.314/2020 (Câmara dos Deputados, 2020Câmara dos Deputados. (2020). Projeto de Lei PL 3314/2020 e seus apensados. Dispõe sobre a obrigatoriedade de sites de órgãos públicos e aplicativos de comércio eletrônico disporem de botão de pânico para ser usado por mulheres em caso de violência. Brasília, DF. Retrieved from https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2255183
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), através do qual se exige que todos os sites e aplicativos de comércio eletrônico do país disponibilizem um “botão de pânico” para uso das mulheres em caso de violência doméstica.

A fim de seguir essa rede, realizamos, inicialmente, um levantamento de notícias de jornais e revistas, que, por sua vez, nos levaram a registros de discussões parlamentares dos projetos de lei e do próprio aplicativo e site da empresa (como pode ser visto na Figura 2, na qual detalhamos as fontes desta pesquisa). Além disso, coletamos artigos de alguns dos principais veículos de notícias e negócios brasileiros e de maior circulação, entre março e dezembro de 2020 usando as palavras-chave “Magazine + Luiza” / “Magalu” e “Violência + Doméstica”.

Figura 2
Fontes e Dados

Assim, a partir da nossa coleta de dados, e guiadas pela conceituação de práticas de mercado desenvolvida por Kjellberg e Helgesson (2006Kjellberg, H., & Helgesson, C. F. (2006). Multiple versions of markets: Multiplicity and performativity in market practice. Industrial Marketing Management, 35(7), 839-855., 2007a) que está em consonância com outros estudos que adotaram a mesma epistemologia (e.g., Azimont & Araujo, 2010Azimont, F., & Araujo, L. (2010). Governing firms, shaping markets: The role of calculative devices. In L. Araujo, J. Finch, & H. Kjellberg (Eds.), Reconnecting marketing to markets(pp. 94-116). Oxford, UK: Oxford University Press.; Geiger & Kjellberg, 2021Geiger, S., & Kjellberg, H. (2021, January). Market mashups: The process of combinatorial market innovation. Journal of Business Research, 124, 445-457.; Hagberg, 2010Hagberg, J., & Kjellberg, H. (2010). Who performs marketing? Dimensions of agential variation in market practice. Industrial Marketing Management, 39(6), 1028-1037.; Kjellberg & Olson, 2017Kjellberg, H., & Olson, D. (2017). Joint markets: How adjacent markets influence the formation of regulated markets. Marketing Theory, 17(1), 95-123.; Merabet, 2021Merabet, D. D. O. B., & Barros, D. F. (2021). A formação do mercado de alimentos orgânicos no Brasil: Uma análise histórica a partir do agenciamento das práticas representacionais da Revista A Lavoura. REAd. Revista Eletrônica de Administração, 27(1), 93-127.), seguimos a rede partindo de um ator (Hagberg & Kjeelberg, 2010Hagberg, J. (2010). Exchanging agencies: The case of NetOnNet. In L. Araujo, J. Finch, & H. Kjellberg (Eds.), Reconnecting marketing to markets(pp. 50-73). Oxford, UK: Oxford University Press.; Merabet & Barros, 2021Merabet, D. D. O. B., & Barros, D. F. (2021). A formação do mercado de alimentos orgânicos no Brasil: Uma análise histórica a partir do agenciamento das práticas representacionais da Revista A Lavoura. REAd. Revista Eletrônica de Administração, 27(1), 93-127.), como mostra a Figura 2. Além disso, cabe destacar que identificamos as práticas de troca, normativas e representacionais, mas focamos nas ligações entre esses diferentes tipos de práticas. Por fim, analisamos suas implicações para a vulnerabilidade. As próximas seções apresentam os resultados da nossa análise.

OS LINKS ENTRE PRÁTICAS DE MERCADO E SUAS INFLUÊNCIAS NA VULNERABILIDADE E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Conforme mencionado acima, utilizamos o modelo de Kjellberg e Helgesson (2007bKjellberg, H., & Helgesson, C. F. (2007b). On the nature of markets and their practices. Marketing Theory, 7(2), 137-162.) para analisar o mercado. Existem três tipos de práticas de mercado (práticas normativas, práticas de troca e práticas representacionais) que estão ligadas por meio de processos de tradução. A partir disso, classificamos os dados coletados nesta pesquisa e identificamos as práticas que influenciaram um ator ou conjunto de atores, não apenas no mercado varejista, mas também nos aspectos sociais relevantes relacionados às questões de vulnerabilidade do consumidor.

Dentre as práticas normativas, podemos destacar dois projetos de lei (o Projeto de Lei nº 4.828/2019Câmara dos Deputados. (2019). Projeto de Lei PL 4828/2019 e seus apensados Dispõe sobre a obrigatoriedade de empresas fabricantes de aparelhos celulares introduzirem aplicativo permanente nos aparelhos celulares que saem de fábrica e nos antigos para acionar a polícia em caso de violência contra a mulher. Brasília, DF. Retrieved fromhttps://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2218309
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e o Projeto de Lei nº 3.314/2020Câmara dos Deputados. (2020). Projeto de Lei PL 3314/2020 e seus apensados. Dispõe sobre a obrigatoriedade de sites de órgãos públicos e aplicativos de comércio eletrônico disporem de botão de pânico para ser usado por mulheres em caso de violência. Brasília, DF. Retrieved from https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2255183
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), os quais, desde sua recente criação, estabeleceram regras sobre como o mercado deveria ser reformulado e impactaram o desempenho do mercado varejista brasileiro como um todo. Em relação às práticas representacionais, encontramos artigos em jornais, revistas e publicações em redes sociais (Instagram, Facebook e Twitter) que influenciaram o alcance da iniciativa da Magazine Luiza no mercado nacional, assim como, acabaram descrevendo o modo como tal mercado funciona. Por fim, dentre as práticas de troca, identificamos o aplicativo de varejo como ponto central nesse cenário de atividades concretas na consumação de trocas econômicas individuais.

As práticas que identificamos são essenciais para a compreensão do processo de formação de mercado e, embora sejam destacadas no modelo, neste trabalho, focamos nos vínculos estabelecidos entre elas (Figura 3), especialmente por meio de processos de tradução. Isso nos permitiu perceber como essas diversas instâncias de práticas de mercado estão interconectadas.

Figura 3
Links entre as Práticas de Mercado - o aplicativo da Magalu e botão de pânico

Então, considerando o referencial teórico e após a análise, estabelecemos as seguintes categorias de pesquisa: (1) Links entre Práticas Normativa e de Troca: Regras e Ferramentas (projetos de lei e botões de pânico em aplicativos) + Interesses; (2) Links entre Práticas de Troca e Representacional: Resultados + Mensurações; (3) Links entre Práticas Normativa e Representacional: Descrições + Medidas e Métodos de Mensuração. Em seguida, falamos sobre como as relações entre as práticas de mercado podem influenciar a noção de vulnerabilidade diante da violência doméstica.

Links entre práticas normativa e de troca: regras e ferramentas (projetos de lei e botões de pânico em aplicativos) + interesses

Os mercados não são como entidades estabilizadas, mas estão em constante mudança, por isso as inter-relações são necessárias para entender o mercado como algo que é continuamente (re)moldado (Araujo & Kjellberg, 2009Araujo, L., & Kjellberg, H. (2009). Shaping exchanges, performing markets: the study of marketing practices. In P. Maclaran, M. Saren, B. Stern, & M. Tadajewski (Eds.), The SAGE handbook of marketing theory (Chap. 11, pp. 195-218). Thousand Oaks, CA: SAGE Publications.). Vemos a apresentação do Projeto de Lei nº 3.314/2020 (Câmara dos Deputados, 2020Câmara dos Deputados. (2020). Projeto de Lei PL 3314/2020 e seus apensados. Dispõe sobre a obrigatoriedade de sites de órgãos públicos e aplicativos de comércio eletrônico disporem de botão de pânico para ser usado por mulheres em caso de violência. Brasília, DF. Retrieved from https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2255183
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) em 15 de junho como exemplo disso. O documento visa obrigar os sites e aplicativos de comércio eletrônico a disponibilizarem um botão de pânico para ser utilizado por mulheres em caso de violência doméstica (Agência Câmara de Notícias, 2020Agência Câmara de Notícias. (2020, June 23). Projeto obriga sites de comércio eletrônico a disporem de botão para denúncias de violência doméstica. Retrieved from https://www.camara.leg.br/noticias/670613-projeto-obriga-sites-de-comercio-eletronico-a-disporem-de-botao-para-denuncias-de-violencia-domestica/
https://www.camara.leg.br/noticias/67061...
). Segundo o deputado, autor da proposta citada acima, o Projeto de Lei nº 3.314/2020 (Câmara dos Deputados, 2020Câmara dos Deputados. (2020). Projeto de Lei PL 3314/2020 e seus apensados. Dispõe sobre a obrigatoriedade de sites de órgãos públicos e aplicativos de comércio eletrônico disporem de botão de pânico para ser usado por mulheres em caso de violência. Brasília, DF. Retrieved from https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2255183
https://www.camara.leg.br/propostas-legi...
) foi elaborado para aproveitar o crescimento exponencial dos sites e aplicativos de comércio eletrônico, principalmente após a pandemia da COVID-19 (Agência Câmara de Notícias, 2020Agência Câmara de Notícias. (2020, June 23). Projeto obriga sites de comércio eletrônico a disporem de botão para denúncias de violência doméstica. Retrieved from https://www.camara.leg.br/noticias/670613-projeto-obriga-sites-de-comercio-eletronico-a-disporem-de-botao-para-denuncias-de-violencia-domestica/
https://www.camara.leg.br/noticias/67061...
). Este projeto de lei estabelece um guia de como o mercado deve ser (re)moldado para funcionar de acordo com um conjunto de atores (Kjellberg & Helgesson, 2007bKjellberg, H., & Helgesson, C. F. (2007b). On the nature of markets and their practices. Marketing Theory, 7(2), 137-162.).

Destaca-se que o aplicativo da Magazine Luiza inclui o botão de pânico desde 2019. Por meio das atividades concretas para a consumação das trocas econômicas (Kjellberg & Helgesson, 2007bKjellberg, H., & Helgesson, C. F. (2007b). On the nature of markets and their practices. Marketing Theory, 7(2), 137-162.), o agente em questão já influenciou práticas normativas do mercado que dizem respeito à violência de gênero.

Com o aumento da violência reportada, como consequência direta da pandemia, a rede de lojas tem utilizado consistentemente as redes sociais para reforçar a possibilidade de utilização deste canal e anunciou recentemente uma nova versão do seu botão de denúncia. Além de dar acesso aos sistemas de proteção pública, como o telefone da polícia, o botão do aplicativo da Magalu oferece a possibilidade de denunciar a situação (via chat) ao Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, além de entrar em contato com a ONG Justiceiras (formada por mulheres voluntárias de diversas especialidades (jurídica, médica, assistencial etc.) para ajudar outras mulheres vítimas de violência doméstica).

Figura 4
Aplicativo da Magalu

Vale ressaltar que o chamado ‘botão de pânico’ é um atalho de discagem para a Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência. Esse tipo de serviço, também conhecido como ‘Ligue 180’, é um serviço público e gratuito que preserva o anonimato, sendo oferecido pela Secretaria de Política Nacional desde 2005. Desde março de 2014, tal serviço é utilizado como linha direta de atendimento, cuja chamada pode ser feita de qualquer lugar do Brasil, assim como de outros 16 países (Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH, 2018Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. (2018). Ligue 180. Retrieved fromhttps://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/politicas-para-mulheres/ligue-180
https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por...
). Além disso, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, disponibiliza em seu site outras formas de comunicação para denúncias (MMFDH, 2021Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. (2021). Canais de atendimento. Retrieved fromhttps://www.gov.br/mdh/pt-br/canais_atendimento/ouvidoria
https://www.gov.br/mdh/pt-br/canais_aten...
). No que se refere à ONG Justiceiras, esta é uma organização civil que foi criada durante a pandemia da COVID-19 (Justiceiras, 2021).

Cabe destacar que uma das premissas do projeto de lei acima referido diz respeito a denúncias de violência feitas por meio do ‘Ligue 180’, as quais aumentaram 35,9% em abril de 2020 em relação ao mesmo mês do ano anterior (Agência Câmara de Notícias, 2020). Ainda, a iniciativa da Magazine Luiza encontra-se relacionada ao Projeto de Lei nº 3.314/2020 (Câmara dos Deputados, 2020Câmara dos Deputados. (2020). Projeto de Lei PL 3314/2020 e seus apensados. Dispõe sobre a obrigatoriedade de sites de órgãos públicos e aplicativos de comércio eletrônico disporem de botão de pânico para ser usado por mulheres em caso de violência. Brasília, DF. Retrieved from https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2255183
https://www.camara.leg.br/propostas-legi...
), sendo mencionada pela própria Agência de Notícias da Câmara dos Deputados como uma “experiência existente” (Agência Câmara de Notícias, 2020Agência Câmara de Notícias. (2020, June 23). Projeto obriga sites de comércio eletrônico a disporem de botão para denúncias de violência doméstica. Retrieved from https://www.camara.leg.br/noticias/670613-projeto-obriga-sites-de-comercio-eletronico-a-disporem-de-botao-para-denuncias-de-violencia-domestica/
https://www.camara.leg.br/noticias/67061...
). Nesse sentido, funciona como uma prática de mercado anteriormente adotada que serve de justificativa para a implementação de uma lei de âmbito nacional.

Ressalta-se ainda que, para a empresa, a inclusão desse mecanismo no app Magalu (e o respectivo lançamento do botão de denúncia), além de ser uma ferramenta de combate à violência contra a mulher, está vinculada à estratégia da empresa de desenvolver um ‘super app’ - unindo comércio eletrônico e acesso a serviços de utilidade privada e pública (Época Negócios, 2019Época Negócios. (2019, March 19). App do Magazine Luiza ganha botão para denunciar violência contra mulheres. Retrieved from https://epocanegocios.globo.com/Empresa/noticia/2019/03/app-do-magazine-luiza-ganha-botao-para-denunciar-violencia-contra-mulheres.html
https://epocanegocios.globo.com/Empresa/...
).

Dadas as semelhanças com outro projeto de lei, que entrou em andamento em dezembro de 2020, o Projeto de Lei nº 3.314/2020 (Câmara dos Deputados, 2020) foi combinado com o Projeto de Lei nº 4.828/2019 (Câmara dos Deputados, 2019Câmara dos Deputados. (2019). Projeto de Lei PL 4828/2019 e seus apensados Dispõe sobre a obrigatoriedade de empresas fabricantes de aparelhos celulares introduzirem aplicativo permanente nos aparelhos celulares que saem de fábrica e nos antigos para acionar a polícia em caso de violência contra a mulher. Brasília, DF. Retrieved fromhttps://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2218309
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), cujo texto busca tornar obrigatório que as empresas fabricantes de celulares e tablets incluam permanentemente (tanto em modelos mais novos quanto mais antigos - este último por meio de atualizações do sistema operacional) um aplicativo para acionar a polícia em caso de violência contra a mulher. Destaca-se que este projeto de lei foi apresentado em 3 de setembro de 2019, não havendo movimentação associada a ele desde 16 de setembro (Câmara dos Deputados, 2020Câmara dos Deputados. (2020). Projeto de Lei PL 3314/2020 e seus apensados. Dispõe sobre a obrigatoriedade de sites de órgãos públicos e aplicativos de comércio eletrônico disporem de botão de pânico para ser usado por mulheres em caso de violência. Brasília, DF. Retrieved from https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2255183
https://www.camara.leg.br/propostas-legi...
).

Durante a pandemia da COVID-19, o público confirmou sua preferência por ‘empresas ativas’ e, no Brasil, a Magazine Luiza aparece entre as empresas mais lembradas e reconhecidas pelos consumidores (Rodrigues, 2020Rodrigues, R. (2020, May 25). Marcas que exibem um lado humano são mais lembradas na pandemia de covid. Exame. Retrieved fromhttps://exame.com/blog/opiniao/marcas-que-exibem-um-lado-humano-sao-mais-lembradas-na-pandemia-de-covid/
https://exame.com/blog/opiniao/marcas-qu...
).

Links entre práticas de troca e representacional: resultados + mensurações

Na relação entre as práticas de troca que ocorrem no aplicativo Magalu e algumas das práticas representacionais adotadas pela Magazine Luiza, encontramos alguns resultados e mensurações que destacamos a seguir. Ressalta-se que essas práticas representacionais incluem atividades que contribuem para descrever o mercado e/ou como ele funciona. Assim, referem-se ao modo pelo qual as representações do mercado influenciam seu desempenho (Kjellberg & Helgesson, 2007bKjellberg, H., & Helgesson, C. F. (2007b). On the nature of markets and their practices. Marketing Theory, 7(2), 137-162.).

A grande popularidade do chamado “Botão de Pânico” durante a pandemia, veio após a campanha da empresa nas redes sociais. O uso desse recurso rapidamente se tornou um dos assuntos mais comentados no Twitter e foi noticiado nos meios de comunicação. A presidente da Magazine Luiza relatou um aumento no uso do aplicativo de aproximadamente 400% em maio de 2020, em relação ao ano anterior (Agrela, 2020Agrela, L. (2020, May 28). App do Magalu tem botão discreto para denunciar violência doméstica. Exame. Retrieved from https://exame.com/tecnologia/app-do-magalu-tem-botao-discreto-para-denunciar-violencia-domestica/
https://exame.com/tecnologia/app-do-maga...
).

Figura 5
Publicidade do Aplicativo da Magalu no Facebook

Como parte de sua estratégia de marketing, a empresa utilizou a imagem digital em 3D de uma mulher virtual chamada Lu - personagem já existente -, que apresenta ofertas e explica como fazer uma compra. Durante a pandemia, Lu apareceu em uma nova campanha apresentada aos mais de 3 milhões de seguidores da marca no Instagram (Calais, 2020Calais, B. (2020, June 04). Conheça a história do botão de denúncia da Magalu contra a violência doméstica. Forbes. Retrieved fromhttps://forbes.com.br/negocios/2020/06/magalu-relanca-botao-de-denuncia-contra-a-violencia-domestica/
https://forbes.com.br/negocios/2020/06/m...
), segurando uma placa que dizia: ‘Ei, moça! Finja que vai fazer compra no APP Magalu. Lá tem um botão para denunciar a violência contra a mulher’. De acordo com o gerente de mídia social da empresa, sua conta no Instagram tem 80% de público feminino, e criar um personagem que ressoe com as mulheres era importante. A campanha sobre o tema apresentou uma história de assédio vivenciada pela personagem Lu, na qual ela dizia muito seriamente que tinha que se posicionar (Calais, 2020Calais, B. (2020, June 04). Conheça a história do botão de denúncia da Magalu contra a violência doméstica. Forbes. Retrieved fromhttps://forbes.com.br/negocios/2020/06/magalu-relanca-botao-de-denuncia-contra-a-violencia-domestica/
https://forbes.com.br/negocios/2020/06/m...
).

Figura 6
Publicidade do Aplicativo da Magazine no Instagram

Além disso, como mais uma forma de mensurar os resultados dessa relação entre o aplicativo e a iniciativa contra a violência doméstica, a empresa anunciou o lançamento de um fundo de R$ 2,5 milhões para o combate à violência contra a mulher, destinado a apoiar entidades e organizações dedicadas a essa causa (Época Negócios, 2020Época Negócios. (2020, August 28). Magalu lança fundo de R$ 2,5 milhões para combate à violência contra a mulher. Retrieved from https://epocanegocios.globo.com/Empresa/noticia/2020/08/magalu-entra-no-combate-violencia-contra-mulher-com-fundo-de-r-25-milhoes.html
https://epocanegocios.globo.com/Empresa/...
).

Links entre práticas normativa e representacional: descrições + medidas e métodos de mensuração

A relação entre práticas normativas e representacionais no contexto aqui apresentado dá origem a algumas descrições, medidas e métodos de mensuração que demonstram como outros agentes do mercado são influenciados ao irem além do aplicativo Magalu e dos projetos de lei mencionados acima.

Dada a importância da ideia de “in the making” dentro desse conceito de mercado (Kjellberg & Helgesson, 2006Kjellberg, H., & Helgesson, C. F. (2006). Multiple versions of markets: Multiplicity and performativity in market practice. Industrial Marketing Management, 35(7), 839-855.), vale destacar que a ferramenta da Magazine Luiza passou por algumas modificações. Além do atalho para o Ligue 180, o botão de denúncia do aplicativo também passou a ser redirecionado para o chat do Ministério dos Direitos Humanos e para ligações de emergência no 190 (este é o telefone da Polícia Militar), além de mais recentemente, para a linha de atendimento das Justiceiras. Em relação à primeira mudança, a empresa esclareceu a diferença entre os dois canais para chamadas (180 e 190) e afirmou que alterou a interface e imitou a imagem de um carrinho de compras para fazer uma denúncia (Calais, 2020Calais, B. (2020, June 04). Conheça a história do botão de denúncia da Magalu contra a violência doméstica. Forbes. Retrieved fromhttps://forbes.com.br/negocios/2020/06/magalu-relanca-botao-de-denuncia-contra-a-violencia-domestica/
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).

Todas as atividades que contribuem para a constituição de mercados estão interligadas e em constante movimento. Assim, os próprios mercados são criados e recriados continuamente por meio da interação dessas práticas (Kjellberg & Helgesson, 2006Kjellberg, H., & Helgesson, C. F. (2006). Multiple versions of markets: Multiplicity and performativity in market practice. Industrial Marketing Management, 35(7), 839-855.).

Nesse sentido, notamos que a descrição da iniciativa adotada pela Magazine Luiza é retratada nas publicações reiteradamente como um exemplo a ser seguido por outras empresas. Por exemplo, na Revista Exame, é colocada numa compilação de ‘quatro iniciativas tomadas durante a pandemia para inspirar outras empresas a fazerem o mesmo’ (Exame, 2020Exame. (2020, June 15). 4 ações sociais que empresas podem adotar na pandemia da covid-19. Retrieved from https://exame.com/brasil/4-acoes-sociais-que-empresas-podem-adotar-na-pandemia-da-covid-19/
https://exame.com/brasil/4-acoes-sociais...
). Inclusive, ela também é mencionada na página de consulta do Projeto de Lei n.º 3314/2020 (Câmara dos Deputados, 2020Câmara dos Deputados. (2020). Projeto de Lei PL 3314/2020 e seus apensados. Dispõe sobre a obrigatoriedade de sites de órgãos públicos e aplicativos de comércio eletrônico disporem de botão de pânico para ser usado por mulheres em caso de violência. Brasília, DF. Retrieved from https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2255183
https://www.camara.leg.br/propostas-legi...
), em um local que contém a explicação do objetivo do projeto (Agência Câmara de Notícias, 2020Agência Câmara de Notícias. (2020, June 23). Projeto obriga sites de comércio eletrônico a disporem de botão para denúncias de violência doméstica. Retrieved from https://www.camara.leg.br/noticias/670613-projeto-obriga-sites-de-comercio-eletronico-a-disporem-de-botao-para-denuncias-de-violencia-domestica/
https://www.camara.leg.br/noticias/67061...
).

Esse movimento de representação e sua constante repetição nas publicações que descrevem as práticas da Magazine Luiza em seu aplicativo resulta na normalização da iniciativa dessa empresa varejista. As práticas representacionais descrevem a realidade do mercado e, assim, podem auxiliar na formatação de normas e regras dentro do mercado (Kjellberg & Helgesson, 2007bKjellberg, H., & Helgesson, C. F. (2007b). On the nature of markets and their practices. Marketing Theory, 7(2), 137-162.). Antes mesmo da aprovação do projeto de lei em questão, outras empresas já adotavam a representação como modelo (regra ou norma) a ser seguido, e isso já se refletiu nas práticas de mercado.

Com isso, vemos que outras iniciativas também surgiram dentro desse cenário de mercado, como a campanha do Instituto Avon #isolaossimsozinhasnao em que a empresa compartilha através do WhatsApp um vídeo com um tutorial de maquiagem e, durante a exposição, são exibidas, por exemplo, informações sobre como combater a agressão, telefones de emergência e de apoio às vítimas, além de uma caixa de bate-papo voltada para essa finalidade, que foi executada em parceria com Uber (Chiara, 2020Chiara, M. (2020, June 01). Violência contra mulher aumenta em meio à pandemia; denúncias ao 180 sobem 40%. O Estadão. Retrieved fromhttps://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,violencia-contra-a-mulher-aumenta-em-meio-a-pandemia-denuncias-ao-180-sobem-40,70003320872
https://brasil.estadao.com.br/noticias/g...
).

IMPLICAÇÕES PARA A VULNERABILIDADE E CONSIDERAÇÕES FINAIS

Depois de discutir as práticas de mercado, discutiremos agora as implicações dessas práticas para a vulnerabilidade do consumidor. Embora sejam abundantes os exemplos de práticas de marketing que podem contribuir para a vulnerabilidade, como apontam Shultz II e Holbrook (2009Shultz II, C. J., & Holbrook, M. B. (2009). The paradoxical relationships between marketing and vulnerability. Journal of Public Policy & Marketing, 28(1), 124-127.), Hill e Sharma (2020Hill, R. P., & Sharma, E. (2020). Consumer vulnerability. Journal of Consumer Psychology, 30(3), 551-570.), entre outros, as práticas de diferentes agentes podem não apenas moldar mercados (Araujo & Kjellberg, 2009Araujo, L., & Kjellberg, H. (2009). Shaping exchanges, performing markets: the study of marketing practices. In P. Maclaran, M. Saren, B. Stern, & M. Tadajewski (Eds.), The SAGE handbook of marketing theory (Chap. 11, pp. 195-218). Thousand Oaks, CA: SAGE Publications.), mas também podem contribuir para reduzir a vulnerabilidade. Segundo Baker e Mason (2012Baker, S. M., & Mason, M. (2012). Toward a process theory of consumer vulnerability and resilience: Illuminating its transformative potential. In D. G. Mick, S. Pettigrew, C Pechmann, & J. L. Ozanne(Eds.), Transformative consumer research: For personal and collective wellbeing(pp. 543-564). London, UK: Routledge.), a ação de organizações, de grupos e de indivíduos podem fazer parte de uma espécie de ‘ciclo de resiliência’, que provoca mudanças sociais que reduzem as pressões que contribuem para a vulnerabilidade e mitigam os eventos que a desencadeiam, fortalecendo a resiliência de indivíduos e comunidades. De acordo com as autoras, um trigger event é um gatilho para vulnerabilidade. Neste estudo, a violência doméstica pode ser considerada um gatilho e o estigma, uma forma de pressão, bem como um estado de vulnerabilidade individual (Baker et al., 2005Baker, S. M., Gentry, J. W., & Rittenburg, T. L. (2005). Building understanding of the domain of consumer vulnerability. Journal of Macromarketing, 25(2), 128-139. ). Portanto, os dispositivos de mercado podem contribuir para a resiliência das vítimas, embora saibamos que o mercado não é (e não será) capaz de resolver, por si só, a complexa e multifacetada questão da violência de gênero.

Em primeiro lugar, vale destacar que a atuação do Estado em relação à violência doméstica pode ser considerada sua obrigação, pois, conforme o disposto no § 8º do artigo 226 da Constituição Federal, compete ao Estado: [...] garantir a assistência à família de cada pessoa, criando mecanismos para coibir a violência no contexto de suas relações (Constituição da República Federativa do Brasil de 1988Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. (1988). Brasília, DF. Retrieved fromhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
). No entanto, coibir e evitar discursos que reforcem a violência de gênero também é responsabilidade do mercado, especialmente porque as mulheres, nesse contexto, são hipervulneráveis em termos de mercado e consumo (Schwartz, 2016Schwartz, F. (2016, July 19). A Defensoria Pública e a proteção dos (hiper) vulneráveis no mercado de consumo. Revista Consultor Jurídico. Retrieved from https://www.conjur.com.br/2016-jul-19/protecao-hipervulneraveis-mercado-consumo
https://www.conjur.com.br/2016-jul-19/pr...
).

É importante notar que o mercado e os marqueteiros têm poder sobre os consumidores vulneráveis, e suas ações podem ter repercussões para além do mercado (Mckeage et al., 2015McKeage, K. K., Crosby, E., & Rittenburg, T. L. (2015). Gender identity and consumer vulnerability. In Proceedings of the 40º Macromarketing Conference, Chicago, I L.). O mercado também pode facilitar ou impedir o controle sobre a vulnerabilidade (Baker et al., 2005Baker, S. M., Gentry, J. W., & Rittenburg, T. L. (2005). Building understanding of the domain of consumer vulnerability. Journal of Macromarketing, 25(2), 128-139. ; Baker & Mason, 2012Baker, S. M., & Mason, M. (2012). Toward a process theory of consumer vulnerability and resilience: Illuminating its transformative potential. In D. G. Mick, S. Pettigrew, C Pechmann, & J. L. Ozanne(Eds.), Transformative consumer research: For personal and collective wellbeing(pp. 543-564). London, UK: Routledge.). Nesse sentido, o ciclo de resiliência só pode ser criado quando há envolvimento e comprometimento de diversos agentes (Baker & Mason, 2012Baker, S. M., & Mason, M. (2012). Toward a process theory of consumer vulnerability and resilience: Illuminating its transformative potential. In D. G. Mick, S. Pettigrew, C Pechmann, & J. L. Ozanne(Eds.), Transformative consumer research: For personal and collective wellbeing(pp. 543-564). London, UK: Routledge.).

Reconhecemos que os projetos de lei isolados não têm potencial para reduzir a vulnerabilidade das mulheres e a violência doméstica de tal forma que as mulheres possam enfrentar suas vulnerabilidades e não sofrerem com elas no futuro. No ambiente de consumo, a vulnerabilidade ocorre principalmente porque há um evento desencadeador - nesse caso a violência doméstica - e um estigma associado às vítimas (que atua como uma forma de pressão). No entanto, os projetos de lei mencionados neste estudo podem constituir iniciativas importantes e, portanto, devemos considerar impulsionar outras iniciativas semelhantes para iniciar o ciclo de resiliência (Baker & Mason, 2012Baker, S. M., & Mason, M. (2012). Toward a process theory of consumer vulnerability and resilience: Illuminating its transformative potential. In D. G. Mick, S. Pettigrew, C Pechmann, & J. L. Ozanne(Eds.), Transformative consumer research: For personal and collective wellbeing(pp. 543-564). London, UK: Routledge.), envolvendo outros agentes.

No entanto, é importante observar que formas preexistentes de proteção podem ser prejudicadas (vendo como parte da esfera do marketing) e que, como ambos os projetos de lei ainda não foram aprovados, não há como saber o impacto que terão no combate à violência doméstica, na redução da vulnerabilidade e no aumento da resiliência.

Com relação às práticas de troca e representacionais da Magazine Luiza, alguns aspectos devem ser observados. Primeiro, o botão de pânico não é tão fácil de usar quanto parece. Não seria possível a mulher fingir que está fazendo uma compra e denunciar qualquer forma de violência. Ao fazer a ligação, a mulher tem que falar, e assim fica exposta ao agressor, não havendo como “fingir” nessa circunstância. Contudo, a existência de outras formas de comunicação da violência no aplicativo, como o chat com o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos e o recém-criado direcionamento para as Justiceiras, reforça o fato de a empresa ter implementado outros esforços para apoiar iniciativas de combate à violência doméstica. Também notamos que a iniciativa desta empresa está chamando a atenção para um problema que já existe há muito tempo.

Mais importante ainda, este aplicativo pode contribuir com outras iniciativas já existentes, como do Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, que criou o Monitor de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher durante o isolamento social (provocado pela situação de pandemia da COVID-19) - uma vez que pode ajudar nas denúncias de violência já monitorada por esse instituto no Rio de Janeiro e em outros estados. Entre as informações importantes que o aplicativo pode fornecer, está o número de mulheres que denunciaram a violência, a localização dessas mulheres e qual ajuda profissional foi solicitada (no caso de acesso às Justiceiras). Além disso, a pesquisa mostrou que a violência de gênero não é exclusiva das classes mais baixas e/ou grupos com menor escolaridade e/ou determinadas etnias, o que poderia configurar grupos vulneráveis ​​a priori. No entanto, pesquisas futuras podem investigar como a interseccionalidade pode dificultar o ciclo de resiliência (Baker & Mason, 2012Baker, S. M., & Mason, M. (2012). Toward a process theory of consumer vulnerability and resilience: Illuminating its transformative potential. In D. G. Mick, S. Pettigrew, C Pechmann, & J. L. Ozanne(Eds.), Transformative consumer research: For personal and collective wellbeing(pp. 543-564). London, UK: Routledge.).

A localização do aparelho, quando o recurso de geoposicionamento está acionado, permite que a Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência saiba de onde vem a solicitação (já que a localização do aparelho deve ser encaminhada a esta central), conforme definido no Projeto de Lei nº 3.314/2020 (Câmara dos Deputados, 2020). Isso é um avanço, pois permite que as mulheres peçam ajuda de forma mais discreta. Também foi apontado que os projetos de lei mencionados neste estudo podem ser entendidos como políticas públicas que visam contribuir para a resiliência do consumidor (Baker & Mason, 2012Baker, S. M., & Mason, M. (2012). Toward a process theory of consumer vulnerability and resilience: Illuminating its transformative potential. In D. G. Mick, S. Pettigrew, C Pechmann, & J. L. Ozanne(Eds.), Transformative consumer research: For personal and collective wellbeing(pp. 543-564). London, UK: Routledge.). No entanto, o projeto de lei consolidado precisa ser aprovado para determinar até que ponto ajudou a reduzir a vulnerabilidade das mulheres que sofrem violência doméstica.

No que diz respeito à Magazine Luiza, apesar do sucesso no desenvolvimento de um ‘super app’ que combina e-commerce com acesso a serviços de utilidade privada e pública - como destaca a matéria da Época Negócios (2019Época Negócios. (2019, March 19). App do Magazine Luiza ganha botão para denunciar violência contra mulheres. Retrieved from https://epocanegocios.globo.com/Empresa/noticia/2019/03/app-do-magazine-luiza-ganha-botao-para-denunciar-violencia-contra-mulheres.html
https://epocanegocios.globo.com/Empresa/...
) -, podemos dizer que essa ação, assim como o apoio financeiro da empresa para o combate à violência doméstica, são formas de fortalecer a resiliência das mulheres que sofrem violência doméstica. Além disso, sua campanha de marketing nas mídias sociais foi claramente importante para que muitas mulheres que sofrem de violência doméstica saibam que não estão sozinhas e que podem construir sua resiliência individual (Baker & Mason, 2012Baker, S. M., & Mason, M. (2012). Toward a process theory of consumer vulnerability and resilience: Illuminating its transformative potential. In D. G. Mick, S. Pettigrew, C Pechmann, & J. L. Ozanne(Eds.), Transformative consumer research: For personal and collective wellbeing(pp. 543-564). London, UK: Routledge.).

Mas, é importante demonstrar, através de números efetivos, o quanto essa ferramenta tem ajudado a combater a violência doméstica e reduzir a vulnerabilidade (por exemplo, quantas mulheres usaram e quantas foram ajudadas). De tal modo, para estabelecer um ‘ciclo de resiliência’ (Baker & Mason, 2012Baker, S. M., & Mason, M. (2012). Toward a process theory of consumer vulnerability and resilience: Illuminating its transformative potential. In D. G. Mick, S. Pettigrew, C Pechmann, & J. L. Ozanne(Eds.), Transformative consumer research: For personal and collective wellbeing(pp. 543-564). London, UK: Routledge.), outros agentes ainda precisam se envolver. Ademais, cabe considerar que ações públicas e governamentais não podem ser vistas como secundárias às práticas de mercado.

Ressalta-se que as ações da Magazine Luiza podem ter um efeito prático nas mulheres que sofrem violência doméstica, apesar da necessidade de mais informações. Contudo, fica claro que as práticas de marketing de causa da Magalu também tiveram um efeito prático na empresa - especialmente em termos de brand equity, publicidade e boca a boca positivo.

Certas iniciativas contra a violência doméstica, quando tomadas por organizações privadas, podem parecer constituir ações que precederam as ações governamentais. Porém, essa impressão pode ser resultado das práticas representacionais relacionadas a essas iniciativas. Iniciativas de mercado relacionadas ao combate à violência doméstica podem ser uma forma de reconhecer a vulnerabilidade das mulheres e podem representar uma oportunidade de mudar a realidade social ou individual. Nesse sentido, embora as práticas de mercado possam ser centrais para a vulnerabilidade, essas práticas também podem contribuir para a discussão da vulnerabilidade como uma questão social para além do consumo.

Também consideramos a criação do Mulheres do Brasil, pela presidente da empresa, Luiza Helena Trajano, em 2013, um evento significativo em termos de resiliência. Hoje, esta organização conta com mais de 80 mil participantes. O objetivo do grupo é engajar a sociedade civil na melhoria do país e ele se posiciona como um “grupo político suprapartidário” (Grupo Mulheres do Brasil, 2020).

Em geral, as políticas públicas são desenvolvidas após o reconhecimento de determinados problemas sociais pelo Estado. No contexto deste estudo, iniciativas de combate à violência doméstica já eram implementadas antes da pandemia, como a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006. (2006). Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Brasília, DF. Retrieved from http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
) - e o ‘Ligue 180’ - serviço oferecido atualmente pela Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH).

As práticas de mercado podem ser veículos de vulnerabilidade para diversos agentes, mas também podem atuar como moderadoras e/ou mitigadoras de situações de vulnerabilidade. Nesse sentido, as ações da Magazine Luiza e a possibilidade de criar resiliência individual por meio dessas ações, bem como influenciar o varejo e outros mercados adjacentes com essa participação de mercado no ciclo de resiliência, é um evento muito positivo que pode impactar diretamente nas vulnerabilidades das mulheres que sofrem violência doméstica.

REFERENCES

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  • 5
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  • [Versão traduzida]
  • 1
    A Lei tem o nome de Maria da Penha Maia Fernandes, vítima de violência doméstica que se tornou uma proeminente ativista dos direitos das mulheres.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    May-Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    15 Mar 2021
  • Aceito
    10 Dez 2021
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