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COVID-19 no Brasil: existem diferenças no letramento em saúde mental entre homens jovens e idosos?

Resumo

Objetivo:

analisar o Letramento em Saúde Mental de homens jovens e idosos residentes no Brasil no contexto da pandemia da COVID-19.

Método:

estudo qualitativo, realizado com 87 homens, por meio de survey online assíncrona. Os dados foram processados no software NVIVO12®, estruturados com o método do Discurso do Sujeito Coletivo e analisados por meio do conceito teórico de Letramento em Saúde Mental de Anthony Jorm.

Resultados:

a partir da análise de um discurso síntese sobre os componentes do Letramento em Saúde Mental, emergiram seis ideias centrais: capacidade de reconhecer distúrbios específicos ou diferentes tipos de sofrimento psíquico; conhecimento e crenças sobre fatores e causas de risco; conhecimento e crenças sobre intervenções de autoajuda; conhecimento e crenças sobre a ajuda profissional disponível; atitudes que facilitem o reconhecimento e a procura de ajuda adequada; e conhecimento de como buscar informações sobre saúde mental.

Conclusão:

há diferenças no Letramento em Saúde Mental de homens jovens e idosos residentes no Brasil em vivência da pandemia da COVID-19. Homens idosos mostraram-se mais competentes para a gestão do cuidado e a proteção em saúde mental do que os homens jovens, em relação aos níveis de Letramento em Saúde Mental.

Descritores:
Letramento em Saúde; Saúde Mental; Saúde do Homem; Infecções por Coronavírus; Saúde do Adulto; Saúde do Idoso

Abstract

Objective:

to analyze the Mental Health Literacy of young and aged men living in Brazil in the COVID-19 pandemic context.

Method:

a qualitative study conducted with 87 men by means of an asynchronous online survey. The data were processed in the NVIVO12® software, structured with the Collective Subject Discourse method and analyzed through Anthony Jorm’s theoretical concept of Mental Health Literacy.

Results:

six central ideas emerged from the analysis of a synthesis discourse on the components of the Mental Health Literacy, namely: Ability to recognize specific disorders or different types of psychological distress; Knowledge and beliefs about risk factors and causes; Knowledge and beliefs about self-help interventions; Knowledge and beliefs about available professional help; Attitudes that facilitate recognition and the search for adequate help; and Knowledge on how to seek information on mental health.

Conclusion:

there are differences in the mental health literacy of young and aged men living in Brazil during the COVID-19 pandemic. Aged men were more competent for mental health care management and protection than young men, in relation to the Mental Health Literacy levels.

Descriptors:
Mental Health Literacy; Health Literacy; Mental Health; Men’s Health; Coronavirus Infections; Adult Health; Elderly Health

Resumen

Objetivo:

analizar la Alfabetización en Salud Mental de hombres jóvenes y mayores residentes en Brasil en el contexto de la pandemia de COVID-19.

Método:

estudio cualitativo, realizado con 87 hombres, mediante survey online asincrónica. Los datos fueron procesados usando el software NVIVO12®, estructurados usando el método del Discurso del Sujeto Colectivo y analizados usando el concepto teórico de Alfabetización en Salud Mental de Anthony Jorm.

Resultados:

del análisis de un discurso síntesis sobre los componentes de la Alfabetización en Salud Mental, surgieron seis ideas centrales: capacidad para reconocer trastornos específicos o diferentes tipos de sufrimiento psíquico; conocimiento y creencias sobre factores y causas de riesgo; conocimiento y creencias sobre las intervenciones de autoayuda; conocimiento y creencias sobre la ayuda profesional disponible; actitudes que facilitan el reconocimiento y la búsqueda de ayuda adecuada; y conocimiento sobre cómo buscar información sobre salud mental.

Conclusión:

hay diferencias entre la Alfabetización en Salud Mental de los hombres jóvenes y la de los mayores que vivían en Brasil durante la pandemia de COVID-19. Los hombres mayores fueron más competentes para gestionar el cuidado y proteger su salud mental que los hombres jóvenes, según los niveles de Alfabetización en Salud Mental.

Descriptores:
Alfabetización en Salud; Salud Mental; Salud del Hombre; Infecciones por Coronavirus; Salud del Adulto; Salud del Anciano

Destaques:

(1) Este é o primeiro estudo sobre Letramento em Saúde Mental masculina e COVID-19.

(2) Homens idosos possuem maiores níveis de LSM do que homens jovens.

(3) Homens jovens podem estar mais vulneráveis ao adoecimento mental durante a pandemia.

(4) Aumentar os níveis de LSM auxilia na prevenção, intervenção precoce e autoajuda.

(5) A enfermagem pode assumir papel de liderança na promoção do LSM.

Introdução

Em razão dos efeitos para a saúde mental da população global provocados pela pandemia da COVID-19 (Coronavírus Disease 2019), um número expressivo de pessoas adoeceu mentalmente. Estudos indicam alta prevalência de transtornos mentais, como ansiedade, depressão, solidão, distúrbios do sono, fobias, pânico e estresse pós-traumático na população11. Moreira WC, Sousa AR, Nóbrega MDPSS. Mental illness in the general population and health professionals during COVID-19: A scoping review. Texto Contexto Enferm. 2020;29:e20200215. https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2020-0215
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...

2. Das R, Hasan MR, Daria S, Islam MR. Impact of COVID-19 pandemic on mental health among general Bangladeshi population: a cross-sectional study. BMJ Open. 2021;11(4):e045727. https://doi.org/10.1136/bmjopen-2020-045727
https://doi.org/https://doi.org/10.1136/...
-33. Xiang YT, Yang Y, Li W, Zhang L, Zhang Q, Cheung T, et al. Timely mental health care for the 2019 novel coronavirus outbreak is urgently needed. Lancet Psychiatry. 2020;7(3):228-9. https://doi.org/10.1016/S2215-0366(20)30046-8
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
. No que se refere ao recorte de gênero, ainda são discretos os dados relativos à saúde mental de homens em contexto pandêmico da COVID-1944. Sousa AR, Alves GV, Queiroz AM, Florêncio RMS, Moreira WC, Nóbrega MPS, et al. Men's mental health in the COVID-19 pandemic: is there a mobilization of masculinities?. Rev Bras Enferm. 2021;74(Suppl 1):e20200915. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0915
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
-55. Tibubos AN, Otten D, Ernst M, Beutel ME. A Systematic Review on Sex- and Gender-Sensitive Research in Public Mental Health During the First Wave of the COVID-19 Crisis. Front Psychiatry. 2021;12:712492. https://doi.org/10.3389/fpsyt.2021.712492
https://doi.org/https://doi.org/10.3389/...
.

Neste sentido, o conhecimento das medidas preventivas relacionadas à saúde mental e o reconhecimento dos sintomas e modalidades de tratamento dos transtornos mentais é fundamental, além de possibilitar o apoio a pessoas que sofrem destas condições66. Reavley NJ, Jorm AF. Mental health literacy. Public mental health: Global perspectives. United States: McGraw-Hill Education; 2013.. Define-se este comportamento percebido como Letramento em Saúde Mental (LSM). Apesar de pouco discutido no Brasil, o LSM é emergente na promoção da saúde, principalmente frente à vulnerabilidade posta no contexto pandêmico relacionada à saúde mental77. Singh S, Zaki RA, Farid NDN, Kaur K. The Determinants of Mental Health Literacy among Young Adolescents in Malaysia. Int J Environ Res Public Health. 2022;19(6):3242. https://doi.org/10.3390/ijerph19063242
https://doi.org/https://doi.org/10.3390/...
.

O conceito de LSM surgiu na Austrália no final da década de 199088. Jorm AF, Korten AE, Jacomb PA, Christensen H, Rodgers B, Pollitt P. "Mental health literacy": A survey of the public's ability to recognise mental disorders and their beliefs about the effectiveness of treatment. Med J Aust. 1997;166:182-6., onde autores definiram como o conhecimento e as crenças sobre transtornos mentais que auxiliam no seu reconhecimento, tratamento e prevenção. Desde então, pesquisadores em todo o mundo têm demonstrado um crescente interesse por esse fenômeno, levando à evolução da definição conceitual do LSM. Atualmente, o LSM refere-se ao conhecimento e às habilidades necessárias para promover a saúde mental99. Jorm AF. Mental health literacy: Empowering the community to take action for better mental health. Am Psychol. 2012;67:231-43. https://doi.org/10.1037/a0025957
https://doi.org/https://doi.org/10.1037/...
, sendo que se divide em quatro componentes: compreender como alcançar e manter uma boa saúde mental, compreender os transtornos mentais e seus tratamentos, diminuir o estigma relacionado aos transtornos mentais e aumentar a eficácia da busca de ajuda1010. Kutcher S, Wei Y, Coniglio C. Mental health literacy: Past, present, and future. Can J Psychiatry. 2016;61:154-8. https://doi.org/10.1177/0706743715616609
https://doi.org/https://doi.org/10.1177/...
-1111. Kutcher S, Wei Y, Costa S, Gusmão R, Skokauskas N, Sourander A. Enhancing mental health literacy in young people. Eur Child Adolesc Psychiatry. 2016;25:567-9. https://doi.org/ 10.1007/s00787-016-0867-9
https://doi.org/https://doi.org/10.1007/...
.

Baixos níveis de LSM influenciam no comportamento de busca por tratamento e no autogerenciamento dos problemas psicossociais da população, pelo qual é relevante que profissionais de saúde atuem assertivamente na promoção do LSM1212. Lemos A, Ribeiro C, Fernandes J, Bernardes K, Fernandes R. Saúde do homem: os motivos da procura dos homens pelos serviços de saúde. Rev Enferm UFPE on line. 2017;11(11):4645-52. https://doi.org/ 10.5205/reuol.11138-99362-1-SM.1111sup201714
https://doi.org/https://doi.org/10.5205/...
-1313. Connell RW, Messerschmidt JW. Masculinidade hegemônica: repensando o conceito repensando o conceito. Estudos Feministas. 2013;21(1):424. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2013000100014
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
. No que se refere ao gênero, a cultura estereotipada do modelo masculino, de homens fortes, ativos, que não adoecem, ainda impera na construção social brasileira1212. Lemos A, Ribeiro C, Fernandes J, Bernardes K, Fernandes R. Saúde do homem: os motivos da procura dos homens pelos serviços de saúde. Rev Enferm UFPE on line. 2017;11(11):4645-52. https://doi.org/ 10.5205/reuol.11138-99362-1-SM.1111sup201714
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. A “masculinidade hegemônica” pode ser um impeditivo de níveis elevados de LSM nesta população, pois os homens tendem a se queixar menos, negar a dor, a fraqueza e ocultar a fragilidade física e psicoemocional1313. Connell RW, Messerschmidt JW. Masculinidade hegemônica: repensando o conceito repensando o conceito. Estudos Feministas. 2013;21(1):424. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2013000100014
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
. Há evidências de que homens buscam ajuda apenas quando a dor se torna insuportável ou incapacitante e quando influencia no desempenho laboral1212. Lemos A, Ribeiro C, Fernandes J, Bernardes K, Fernandes R. Saúde do homem: os motivos da procura dos homens pelos serviços de saúde. Rev Enferm UFPE on line. 2017;11(11):4645-52. https://doi.org/ 10.5205/reuol.11138-99362-1-SM.1111sup201714
https://doi.org/https://doi.org/10.5205/...
.

Quanto às barreiras do LSM relacionadas à idade, os idosos ganham destaque na pandemia por apresentar alterações decorrentes da senescência e senilidade, mas principalmente, devido à potencialização do ageísmo e atitudes estigmatizantes aos idosos por uma parcela da população. Além disso, medidas necessárias como o distanciamento social, tornam-se importantes para evitar a propagação do vírus, porém trazem complicações aos hábitos rotineiros e para a saúde mental desse grupo1414. Hammerschmidt KSA, Santana RF. Saúde do idoso em tempos de pandemia COVID-19. Cogitare Enferm. 2020;25. https://dx.doi.org/10.5380/ce.v25i0.72849
https://doi.org/https://dx.doi.org/10.53...
.

As infodemias também trazem repercussões importantes para a saúde mental da população, principalmente dos idosos1515. Delgado CE, Silva EA, Castro EAB, Carbogim FC, Püschel VAA, Cavalcante RB. COVID-19 infodemic and adult and elderly mental health: a scoping review. Rev Esc Enferm USP. 2021;(55):e20210170. https://doi.org/10.1590/1980-220X-REEUSP-2021-0170
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. Verifica-se que num momento como este, cheio de incertezas e excessos de informações de todas as formas, inclusive as fake news, é necessária uma rápida mudança de comportamento da população mundial para reduzir os impactos gerados à saúde mental diante da COVID-191616. Cardoso RSS, Pereira JM, Santana AB, Sá SPC, Lindolpho MC, Chrizostimo MM, et al. Letramento em saúde na pessoa idosa em tempos de pandemia e infodemia do COVID-19: um desafio mundial. In: Santana RF, org. Enfermagem gerontológica no cuidado do idoso em tempos da COVID 19 - 3. Brasília, DF: Editora ABEn; 2021. 171 p. https://doi.org/10.51234/aben.21.e05. Assim sendo, níveis adequados de LSM nunca foram tão importantes como atualmente.

Sob este prisma, ao reconhecer que essa problemática confere um significativo foco de atenção para a saúde pública global, é recomendado fortalecer as estratégias de proteção e promoção da saúde mental1717. World Health Organization. Health literacy: the solid facts [Internet]. Geneva: WHO; 2013 [cited 2020 May 13]. 73p. Available from: https://apps.who.int/iris/handle/10665/326432
https://apps.who.int/iris/handle/10665/3...
-1818. Nobre J, Oliveira AP, Monteiro F, Sequeira C, Ferré-Grau C. Promotion of Mental Health Literacy in Adolescents: A Scoping Review. Int J Environ Res Public Health. 2021;18(18):9500. https://doi.org/10.3390/ijerph18189500
https://doi.org/https://doi.org/10.3390/...
, seja durante o curso da pandemia, assim como no período pós-pandêmico, com maximização dos níveis de LSM entre as populações. Logo, entende-se que desenvolver o LSM pode prevenir problemas de saúde mental agudos e crônicos e proteger os homens da adoção de modelos tóxicos de masculinidade.

A pandemia da COVID-19 alertou para as lacunas existentes nos níveis de LSM da população masculina e expôs a necessidade de uma análise para identificar o estado deste fenômeno nos países, especialmente naqueles onde este tema ainda não foi abordado, como o Brasil. Assim, a questão norteadora do estudo foi: como se configura o LSM de homens jovens e idosos no contexto da pandemia da COVID-19 no Brasil? À vista disso, este estudo tem o objetivo de analisar o LSM de homens jovens e idosos residentes no Brasil no contexto da pandemia da COVID-19.

Método

Desenho do estudo

Estudo qualitativo, estruturado na análise discursiva1919. Lefevre F, Lefevre AMC. O discurso do sujeito coletivo: um novo enfoque em pesquisa qualitativa. Caxias do Sul: EdUCS; 2003. e de acordo com as diretrizes do Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ)2020. Souza VRS, Marziale MHP, Silva GTR, Nascimento PR. Tradução e validação para a língua portuguesa e avaliação do guia COREQ. Acta Paul Enferm. 2021;34:eAPE02631. https://doi.org/10.37689/acta-ape/2021AO02631
https://doi.org/https://doi.org/10.37689...
.

Cenário e participantes

Realizou-se o estudo em ambiente virtual, em todos os 26 estados brasileiros e no Distrito Federal, Brasil, entre os meses de junho a setembro de 2020, período em que estavam estabelecidas medidas de restrição social, recomendadas pelas autoridades governamentais e sanitárias para controle da propagação da COVID-19.

Um total de 87 homens participaram do estudo (53 jovens e 34 idosos). Foram incluídos homens cisgêneros e transgêneros, maiores de 18 anos de idade e residentes no Brasil. Turistas foram excluídos. Para definição da faixa etária, utilizou-se a classificação da Organização Mundial da Saúde (OMS) para jovens (25 a 44 anos de idade) e idosos (60 a 90 anos de idade)2121. Octavian C, Albinita C, Liciniu V, Marius P. Medical and social care of old age persons [Internet]. 2010 [cited 2021 Aug 6]. Available from: http://protmed.uoradea.ro/facultate/anale/ecotox_zooteh_ind_alim/2010/ipa/42%20Cuc%20Albinita.pdf
http://protmed.uoradea.ro/facultate/anal...
.

Seguindo os critérios da amostragem bola de neve2222. Biernacki P, Walford D. Snowball sampling: Problems and techniques of chain referral sampling. Sociolog Methods Research. 1981;10(2):141-63. https://doi.org/10.1177/004912418101000205
https://doi.org/https://doi.org/10.1177/...
, foram recrutados para o estudo, por meio de redes sociais digitais (Facebook ® , Instagram ® e WhatsApp®), dois homens de cada região do país, sendo um jovem e um idoso por região, totalizando 10 participantes (escolhemos o estado mais populoso em cada uma das cinco regiões brasileiras). Estes foram os primeiros participantes e foram chamados de “sementes”. Cada participante recebeu um link contendo o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em formato virtual e o formulário de pesquisa e foi orientado a convidar outros homens de sua rede social (sem interferência dos pesquisadores) até que uma amostra significativa fosse obtida.

Coleta e análise dos dados

A coleta de dados foi realizada por meio de survey online, com aplicação de um instrumento semiestruturado via plataforma digital Google Forms ® . Compuseram o formulário perguntas fechadas sobre a caracterização sociodemográfica, que continha variáveis como: identidade de gênero, orientação sexual, raça/cor, faixa etária, renda salarial, estado civil, escolaridade, região e local de residência, e quatro questões abertas que versavam sobre o conhecimento e estratégias de cuidado relacionadas à saúde mental, a saber: 1. Na sua opinião, como a pandemia afeta à saúde mental masculina? Fale-me sobre isso; 2. Em relação à sua saúde mental, descreva o que a pandemia tem representado para você; Causou-lhe algum problema? 3. Como você tem se sentido durante a pandemia? Descreva sobre os seus sentimentos e emoções; 4. Conte-nos o que você fez para cuidar e enfrentar problemas relacionados à sua saúde mental. O conteúdo do instrumento foi revisado e validado por três especialistas externos ao grupo de pesquisa.

A coleta de dados foi encerrada quando se atingiu a saturação teórica dos dados, na qual à medida que novos discursos eram incluídos, dois pesquisadores, de forma independente, realizaram um processo contínuo de análise dos dados por meio de compilação e agrupamento dos temas identificados2323. Nascimento LCN, Souza TV, Oliveira ICS, Moraes JRMM, Aguiar RCB, Silva LF. Saturação teórica em pesquisa qualitativa: relato de experiência na entrevista com escolares. Rev Bras Enferm. 2018;71(1):243-8. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0616
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
. Essa análise dupla permitiu a identificação de temas semelhantes, sendo a saturação teórica alcançada em 53 discursos de jovens e 34 discursos de idosos, representada pela ausência de elementos novos no material tratado, de concorrência dos dados, de convergência e complementaridade2424. Patias ND, Hohendorff JV. Critérios de qualidade para artigos de pesquisa qualitativa. Psicol Estud. 2019;24:e43536. https://doi.org/10.4025/psicolestud.v24i0.43536
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. Um terceiro pesquisador revisou o material e assegurou a saturação teórica mediante a análise da densidade teórica e da fidedignidade dos resultados.

A codificação dos dados foi apoiada pelo software NVIVO12®, sendo os mesmos organizados por dois pesquisadores, o qual possibilitou processar o material, criar “nós” - códigos temáticos, organizar, identificar e sistematizar categorias e subcategorias a partir de temas identificados2525. Hilal AH, Alabri SS. Using NVivo for data analysis in qualitative research. Int Interdiscip J Educ. 2013;2(2):181-6..

A análise metodológica foi estruturada pela técnica do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), que se configura em uma forma de representação social, na qual, o conhecimento do senso comum encontra-se presente nas opiniões e também nas posturas adotadas por um sujeito em dada vida cotidiana2626. Lefevre F, Lefevre AMC, Marques MCC. Discurso do sujeito coletivo, complexidade e auto-organização. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2009 [cited 2021 Aug 6];14(4):1193-204. Available from: https://www.scielo.br/j/csc/a/bLYcq4qWYBJnrfZzbVrZmJh/?format=pdf⟨=pt
https://www.scielo.br/j/csc/a/bLYcq4qWYB...
-2727. Lefevre F, Lefevre AMC. Discurso do sujeito coletivo: representações sociais e intervenções comunicativas. Texto Contexto Enferm. 2014;23(2):502-7. https://doi.org/10.1590/0104-07072014000000014
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
. Esta forma de representação social, pode ser compreendida como síntese de um desconhecido, aproximando-se da realidade empírica. Para tanto, neste estudo, empregou-se a leitura linha a linha dos dados, localização de fragmentos discursivos e suas relações, convergências e complementaridades, como forma de derivar as Expressões-Chave, realizando-se posteriormente o agrupamento dos dados, na busca das Ideias Centrais e as suas ancoragens. Por fim, foram estruturados os discursos-sínteses, a partir da junção dos discursos individuais, redigidos na primeira pessoa do singular, a fim de expressar a coletividade investigada, em consideração à representação dos homens1919. Lefevre F, Lefevre AMC. O discurso do sujeito coletivo: um novo enfoque em pesquisa qualitativa. Caxias do Sul: EdUCS; 2003.,2626. Lefevre F, Lefevre AMC, Marques MCC. Discurso do sujeito coletivo, complexidade e auto-organização. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2009 [cited 2021 Aug 6];14(4):1193-204. Available from: https://www.scielo.br/j/csc/a/bLYcq4qWYBJnrfZzbVrZmJh/?format=pdf⟨=pt
https://www.scielo.br/j/csc/a/bLYcq4qWYB...
-2727. Lefevre F, Lefevre AMC. Discurso do sujeito coletivo: representações sociais e intervenções comunicativas. Texto Contexto Enferm. 2014;23(2):502-7. https://doi.org/10.1590/0104-07072014000000014
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
.

Por ter se tratado da investigação de um fenômeno único junto a públicos diferentes (homens jovens e homens idosos), empregou-se a mesma técnica metodológica1919. Lefevre F, Lefevre AMC. O discurso do sujeito coletivo: um novo enfoque em pesquisa qualitativa. Caxias do Sul: EdUCS; 2003., cumprindo com o rigor científico, como forma de apreender e explicitar as especificidades encontradas em cada grupo etário. Neste sentido, foi evidenciado um Discurso-Síntese de caráter estruturante, composto por seis Ideias Centrais: 1. Capacidade de reconhecer distúrbios específicos ou diferentes tipos de sofrimento psíquico; 2. Conhecimento e crenças sobre fatores e causas de risco; 3. Conhecimento e crenças sobre intervenções de autoajuda; 4. Conhecimento e crenças sobre a ajuda profissional disponível; 5. Atitudes que facilitem o reconhecimento e a procura de ajuda adequada; 6. Conhecimento de como buscar informações sobre saúde mental.

As Ideias Centrais, emergiram da junção dos dados, a partir da localização do discurso coletivo - dado de maior expressividade, densidade, aprofundamento e representação da realidade investigada2626. Lefevre F, Lefevre AMC, Marques MCC. Discurso do sujeito coletivo, complexidade e auto-organização. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2009 [cited 2021 Aug 6];14(4):1193-204. Available from: https://www.scielo.br/j/csc/a/bLYcq4qWYBJnrfZzbVrZmJh/?format=pdf⟨=pt
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, apresentados em ambos os grupos investigados, expressos no estudo de maneira separada, a saber: DSC de homens jovens e DSC de homens idosos.

O Discurso-Síntese, foi subsidiado pela ancoragem2727. Lefevre F, Lefevre AMC. Discurso do sujeito coletivo: representações sociais e intervenções comunicativas. Texto Contexto Enferm. 2014;23(2):502-7. https://doi.org/10.1590/0104-07072014000000014
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, derivada da explicação oportunizada pelas Ideias Centrais. Assim, o DSC obteve a representação de que há níveis distintos de LSM entre os homens, a partir do seu grupo etário, manifestados no contexto pandêmico (Figura 1).

Figura 1
Estruturação analítica de apreensão do Discurso do Sujeito Coletivo de homens jovens e idosos residentes no Brasil acerca do Letramento em Saúde Mental no contexto da pandemia da COVID-19. São Paulo, SP, Brasil, 2021

Após análise metodológica, procedeu-se à análise e/ou interpretação teórica do material, suportada no referencial teórico proposto por Anthony Jorm, que conceitua e estrutura os componentes do LSM1010. Kutcher S, Wei Y, Coniglio C. Mental health literacy: Past, present, and future. Can J Psychiatry. 2016;61:154-8. https://doi.org/10.1177/0706743715616609
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-1111. Kutcher S, Wei Y, Costa S, Gusmão R, Skokauskas N, Sourander A. Enhancing mental health literacy in young people. Eur Child Adolesc Psychiatry. 2016;25:567-9. https://doi.org/ 10.1007/s00787-016-0867-9
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,2828. Jorm AF. Mental health literacy: Public knowledge and beliefs about mental disorders. Br J Psychiatr. 2000;177(5):396-401.

Aspectos éticos e legais

Obteve-se aprovação da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa e do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal da Bahia, sob o parecer de número: 4.087.611, respeitando todos os critérios nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos. Assegurou-se o anonimato dos participantes, com identificação dos discursos pelas iniciais “DSC” (Discurso do Sujeito Coletivo) seguida do grupo etário correspondente (Homens Jovens ou Homens Idosos).

Resultados

Participaram do estudo 87 homens residentes no Brasil (53 jovens e 34 idosos), na faixa etária entre 25 e 33 anos de idade (jovens) e de 63 a 72 anos de idade (idosos). Os homens jovens eram, em sua maioria, de identidade de gênero cisgênero, de identidade sexual heterossexual, características semelhantes às dos homens idosos. Com relação à raça/cor e estado civil, a maioria dos homens jovens se autodeclararam pardos e solteiros, ao passo que os homens idosos, em sua maioria se autodeclaram brancos e casados.

Ambos os grupos apresentaram nível superior de escolaridade e vinculação laboral no serviço público. Apontaram ter renda salarial distinta: homens jovens entre 3 a 4 salários mínimos e os homens idosos acima de cinco salários mínimos. O território de residência dos homens também foi distinto, sendo os homens jovens, em sua maioria, residentes na região Nordeste, com maior concentração nos estados da Bahia e de Pernambuco, e os homens idosos, residentes na região Sudeste do Brasil, com maior concentração nos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro. Os homens jovens residiam em convivência com familiares (pais e/ou irmãos), já os homens idosos residiam com as suas consortes, e ambos convivem em áreas urbanas.

Discurso-síntese: do gerenciamento à proteção: explicitando as distinções nos componentes do Letramento em Saúde Mental de homens jovens e idosos

A vivência masculina no cotidiano pandêmico da COVID-19 no Brasil explicitou o DSC de homens jovens e idosos que trouxeram à tona os componentes do LSM, os quais estão sustentados por seis categorias discursivas de Ideias Centrais a seguir.

Ideia Central 1: Capacidade de reconhecer distúrbios específicos ou diferentes tipos de sofrimento psíquico:

[...] eu tenho percebido que a minha saúde mental vem oscilando durante a pandemia. Após a chegada do vírus no Brasil eu passei a ter crises de ansiedade e de pânico, que se elevaram principalmente no início do mês de março. Tive episódios de insônia, que foi causada pela aceleração de pensamento e agitação, e, por conta disso, necessitei fazer uso de medicamentos para conseguir dormir durante a noite. Tenho vivido uma constante sensação de desconforto e perigo iminente. (DSC de homens jovens).

[...] tive alterações no comportamento e no meu estado de saúde mental. A minha saúde mental passou a ser mais afetada quando eu comecei a presenciar o aparecimento de casos positivos em colegas de trabalho, aumentando a pressão e o estresse. Outros problemas têm contribuído para alterar a minha saúde mental, como o medo da possibilidade de ser contaminado pelo Coronavírus e de ter a COVID-19 quando necessito ir à rua, a minha condição de risco, uma vez que eu tenho doenças e a incerteza que gera impactos, me deixando mais angustiado e triste. (DSC de homens idosos).

Ideia Central 2: Conhecimento e crenças sobre fatores e causas de risco

[...] antes eu imaginava que a pandemia não seria tão grave a ponto de afetar a minha saúde mental. Por ser jovem, não imaginava correr maiores riscos, nem tampouco abalar ou adoecer mentalmente. Confesso que estava mais preocupado com o risco de contágio da doença e com os problemas que poderiam gerar a minha instabilidade financeira, mas não de ter problemas com a minha saúde mental que pudessem ser fruto de repercussões negativas provocadas pela ansiedade, por exemplo. Em razão disso, demorei para acreditar na existência da doença e para aderir à quarentena. Contudo, passei a sentir medo da doença, de ser infectado pelo vírus, e de ter a minha saúde mental comprometida não apenas pelo adoecimento da COVID-19, mas pelas consequências que a doença poderia me causar. (DSC de homens jovens).

[...] eu pensava que a pandemia não pudesse prejudicar minha saúde mental, mas como o surgimento das tensões em relação ao trabalho diante do risco elevado de contaminação, da sobrecarga e do estresse, o receio ao ter que me locomover por meio do transporte público, foi aumentando as preocupações e gerando um mal-estar, que afetou a minha saúde mental. Comecei a me sentir desconfortável em estar em locais com muitas pessoas próximas, pelo receio de ser contaminado e de sofrer com a doença, principalmente com o fato de passar a conviver com a incerteza do inesperado. O estresse, a tensão, o confinamento, o isolamento social têm sido os principais causadores de problemas para a minha saúde mental. Eu não imaginava que pudesse me sentir ansioso por conta da pandemia, mas acabei me percebendo nessa situação. (DSC de homens idosos).

Ideia Central 3: Conhecimento e crenças sobre intervenções de autoajuda

[...] fui buscando entender melhor sobre a doença, o que poderia causar a chegada da pandemia no Brasil e o que isso poderia gerar de impactos na minha saúde mental. Passei a realizar contato com os amigos mais próximos para obter e também trocar informações que me ajudassem a estabelecer as estratégias de diminuição dos impactos para a minha saúde, como, por exemplo, o fortalecimento dos vínculos de amizade, o companheirismo, a presença, o apoio mútuo, já que eu estava impossibilitado de estar com eles, por conta do isolamento social, que estava me causando muita solidão. A troca de experiência com os amigos e pessoas do meu ciclo de convivência, a exemplo, do trabalho, me ajudaram muito a vivenciar situações e problemas difíceis. (DSC de homens jovens).

[...] com o surgimento da pandemia no Brasil, e mais especificamente na minha cidade, eu busquei entender a realidade do que estava acontecendo e logo tentei obter mais conhecimento sobre o assunto, ler sobre o tema em fontes confiáveis, a fim de pensar como eu deveria agir frente a tudo o que estava sendo noticiado na televisão, na internet e por meio das mensagens do WhatsApp. Quando eu comecei a sentir os efeitos negativos da pandemia na minha saúde mental, principalmente devido ao aumento da tensão e das alterações físicas no meu corpo, que se prolongavam por vários dias, e pelo receio de que a situação pudesse ficar ainda pior, eu passei a criar um planejamento individual para me adaptar à pandemia e proteger a minha saúde mental, a saúde dos meus familiares, as minhas finanças e na tentativa de buscar aprender e a superar as transformações impostas pela pandemia na minha vida. Contudo, essa não é uma tarefa fácil, pois como homem sou treinado pela sociedade para nunca demonstrar fraqueza, nem tampouco desistir, o que me impede de expor os meus sentimentos e a minha real situação de saúde mental. (DSC de homens idosos).

Ideia Central 4: Conhecimento e crenças sobre a ajuda profissional disponível

[...] para enfrentar os problemas com a minha saúde mental ocasionados pela pandemia eu contei com a ajuda de psicólogos, através de terapia online. Assisti algumas lives com psicólogos e terapeutas holísticos para me ajudar a lidar melhor com a elevação da ansiedade, o medo e a preocupação com a COVID-19 fui ficando deprimido e necessitei buscar o psiquiatra, e passei a utilizar medicamentos. (DSC de homens jovens).

[...] eu recorri a serviços ofertados na internet com a finalidade de obter apoio psicológico, dividir experiências, tentar solucionar problemas que estavam afetando a minha saúde mental. Participei de grupos terapêuticos com homens de forma virtual que me estimulou a desenvolver atividades no dia a dia, como o lazer, entretenimento, controle da ansiedade e do estresse, práticas de relaxamento, diminuição do consumo de informações sobre a COVID-19. (DSC de homens idosos).

Ideia Central 5: Atitudes que facilitem o reconhecimento e a procura de ajuda adequada

[...] tenho buscado realizar atividades que me fazem bem e geram bem-estar como sair da rotina do trabalho, comer o que dá prazer, praticar atividade física e fortalecer os relacionamentos, já que sei que tudo isso pode melhorar a minha saúde mental. (DSC de homens jovens).

[...] a busca pela contemplação, meditação, acesso à arte, busca pelo autoconhecimento, reflexão sobre a pandemia me confere uma estratégia positiva e eficaz para manter a minha saúde mental em equilíbrio, pois elas reduzem as minhas angústias e a ansiedade. Parei para pensar na vida, pois sei que é importante para refletir sobre as atitudes, saber como agir com as pessoas e com a vida, é uma autoavaliação propriamente dita, um aprendizado que vale para a vida inteira. Além disso, a busca por Deus, pois sei que Ele está no controle de tudo e me torna mais confiante, esperançoso de que tudo vai passar e melhorar. (DSC de homens idosos).

Ideia Central 6: Conhecimento de como buscar informações sobre saúde mental

[...] por imaginar que a pandemia poderia afetar a minha saúde mental, alterando o meu sono, eu fui em busca de ajuda psicológica. Além disso, passei a me blindar de ter acesso a notícias ruins relacionadas ao enfrentamento da pandemia no Brasil, diante das fragilidades do governo. Então, optei por consultar outras fontes de informações, a exemplo dos amigos mais próximos, e assim reduzir o estresse, a irritação e a revolta de presenciar tantos problemas sociais, que só pioram o meu estado mental. (DSC de homens jovens).

[...] passei a ler muito sobre a pandemia e me informar através de reportagens na televisão, em sites oficiais de órgãos de saúde, artigos científicos, e também de informações confiáveis repassadas por amigos próximos pelo WhatsApp. A leitura foi fundamental para que eu realizasse ações que melhorassem o cuidado com a minha saúde mental. (DSC de homens idosos).

Discussão

Este estudo revelou os componentes do LSM de homens jovens e idosos no contexto da pandemia da COVID-19 no Brasil. Nossos resultados evidenciaram níveis de LSM distintos entre as gerações de homens investigadas, a partir da exposição de conhecimentos e crenças relacionados aos problemas de saúde mental, vinculados ao modo como os homens estabelecem as intervenções de autoajuda, reconhecem a necessidade de ajuda profissional disponível, constroem atitudes e buscam informações para a gestão do cuidado em saúde mental no contexto pandêmico da COVID-19.

A capacidade de reconhecer distúrbios específicos ou diferentes tipos de sofrimento psíquico apontou para a percepção sobre os sintomas, agentes causadores, repercussões e impactos gerados à saúde mental. Nossos resultados demonstraram o autoconhecimento da situação/condição individual e coletiva da saúde mental de homens no cotidiano epidêmico de uma nova doença transmissível. Tal capacidade de reconhecimento de distúrbios e do sofrimento psíquico diferenciou-se entre o recorte etário dos homens, sendo observado no DSC de homens jovens uma agudização em razão da vivência de processos ansiogênicos, pânico, estresse, hipervigilância, agitação psicomotora e alteração do padrão de sono, ao passo que os homens idosos reconheceram dimensões mais abrangentes e não tão centradas em um único problema (a pandemia), mas, nos aspectos comportamentais, de interação socioafetiva, laboral, das vulnerabilidades da condição individual de saúde em razão de condicionantes de risco - presença de doenças crônicas, o medo relacionado à saúde decorrente do adoecimento pela COVID-19.

Tais achados representativos contribuem para explicar o fato de que as experiências dos homens jovens estão ancoradas na presença frágil dos níveis de LSM manifestadas do cotidiano epidêmico da COVID-19, quando comparadas às dos homens idosos, que, no âmago da crise sanitária, mostraram-se mais competentes para lidar com o gerenciamento das emoções e dos sentimentos.

Reconhecer corretamente os problemas de saúde mental é um importante fator que eleva os níveis de LSM. Caso haja falhas nesse processo, problemas de comunicação com os profissionais de saúde podem surgir, tendo em vista que a detecção de um transtorno mental é maior quando a pessoa apresenta seus sintomas como reflexo de um problema psicológico, não passando despercebidos pelos clínicos gerais. Embora o reconhecimento clínico possa não ser suficiente por si só para beneficiar o paciente, é um primeiro passo para uma ação eficaz88. Jorm AF, Korten AE, Jacomb PA, Christensen H, Rodgers B, Pollitt P. "Mental health literacy": A survey of the public's ability to recognise mental disorders and their beliefs about the effectiveness of treatment. Med J Aust. 1997;166:182-6.

9. Jorm AF. Mental health literacy: Empowering the community to take action for better mental health. Am Psychol. 2012;67:231-43. https://doi.org/10.1037/a0025957
https://doi.org/https://doi.org/10.1037/...

10. Kutcher S, Wei Y, Coniglio C. Mental health literacy: Past, present, and future. Can J Psychiatry. 2016;61:154-8. https://doi.org/10.1177/0706743715616609
https://doi.org/https://doi.org/10.1177/...
-1111. Kutcher S, Wei Y, Costa S, Gusmão R, Skokauskas N, Sourander A. Enhancing mental health literacy in young people. Eur Child Adolesc Psychiatry. 2016;25:567-9. https://doi.org/ 10.1007/s00787-016-0867-9
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,2828. Jorm AF. Mental health literacy: Public knowledge and beliefs about mental disorders. Br J Psychiatr. 2000;177(5):396-401.

A presença de estereótipos errôneos quanto à saúde mental, no que tange à adoção de medidas de cuidado e proteção antecipadas, foi localizada no presente estudo. Os homens jovens demonstraram discreta preocupação com a situação de saúde mental face à vivência da pandemia, ainda que tenham reconhecido fatores e causas de risco para a saúde mental e tenham repercussões danosas, o que faz emergir uma descrença sobre o fenômeno (pandemia) e a sua gravidade e complexidade para a saúde mental. Tais crenças, provavelmente intensificadas pela ação da normatização masculina hegemônica de gênero2929. Seidler ZE, Dawes AJ, Rice SM, Oliffe JL, Dhillon HM. The role of masculinity in men's help-seeking for depression: A systematic review. Clin Psychol Rev. 2016;49:106-18. https://doi.org/10.1016/j.cpr.2016.09.002
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...

30. Mahalik JR, Dagirmanjian FR. Working-Class Men's Constructions of Help-Seeking When Feeling Depressed or Sad. Am J Men's Health. 2019:1-13. https://doi.org/10.1177/1557988319850052
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-3131. Milner A, Shields M, King T. The Influence of Masculine Norms and Mental Health on Health Literacy Among Men: Evidence From the Ten to Men Study. Am J Men's Health. 2019:1-9. https://doi.org/10.1177/1557988319873532
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, podem alterar os padrões de busca de ajuda, resposta ao tratamento e até mesmo o gerenciamento dos sintomas individuais, além de fortalecer crenças limitantes de que os jovens são inabaláveis, resistentes e inatingíveis quanto aos impactos psicossociais2828. Jorm AF. Mental health literacy: Public knowledge and beliefs about mental disorders. Br J Psychiatr. 2000;177(5):396-401.

Uma perspectiva mais ampla do conceito de saúde mental foi observada no DSC de homens idosos, o qual está relacionado com a sua vivência no mundo e não sendo restritivo aos mal-estares vivenciados na pandemia. Tal característica pode conferir maiores habilidades para analisar e enfrentar as incapacidades em lidar com situações novas e de grandes incertezas3232. Clancy L, Happell B, Moxham L. Perception of risk for older people living with a mental illness: Balancing uncertainty. Int J Ment Health Nurs. 2015 Dec;24(6):577-86. https://doi.org/10.1111/inm.12175
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-3333. Cangussú LR, Barros IRP, Botelho CAL Filho, Sampaio JDR Filho, Lopes MR. COVID-19 and health literacy: the yell of a silent epidemic amidst the pandemic. Rev Assoc Med Bras. 2020;66(SUPPL 2):31-3. https://doi.org/10.1590/1806-9282.66.S2.31
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
. Sob este aspecto, já se sabe na literatura que os homens idosos estão mais vulneráveis para o acometimento da COVID-19, com apresentação de taxas de morbimortalidade muito elevadas3434. Ministério da Saúde (BR). Boletim Epidemiológico Especial 52. Doença pelo Coronavírus COVID-19 [Internet]. 2021 [cited 2021 Apr 8]. Available from: https://www.gov.br/saude/pt-br/media/pdf/2021/marco/05/boletim_epidemiologico_covid_52_final2.pdf
https://www.gov.br/saude/pt-br/media/pdf...
. Contudo, em relação à saúde mental, os nossos resultados revelaram que esse público apresenta-se mais aderente e preocupado com as medidas de prevenção e controle da doença, as quais estão intimamente ligadas à vinculação com as redes (apoio, socioafetiva, de atenção à saúde), quando comparado com os homens jovens.

A mobilização dos homens diante da busca por intervenções de autoajuda em saúde mental foi reconhecida. Tal mobilização elucidou o desenvolvimento de habilidades de “primeiros socorros em saúde mental”2828. Jorm AF. Mental health literacy: Public knowledge and beliefs about mental disorders. Br J Psychiatr. 2000;177(5):396-401, direcionando-os ao enfrentamento do vivido na pandemia, baseado na aquisição e construção de conhecimento e crenças. Entre os homens jovens, os nossos resultados localizaram o emprego de atitudes positivas com o foco no lazer e entretenimento e nas práticas corporais. Entre os homens idosos, a manutenção do equilíbrio em saúde mental, expresso nas práticas meditativas e de autoconhecimento.

As habilidades de autoajuda são essenciais para a autogestão em saúde mental, bem como o reconhecimento de quando e como implementá-las88. Jorm AF, Korten AE, Jacomb PA, Christensen H, Rodgers B, Pollitt P. "Mental health literacy": A survey of the public's ability to recognise mental disorders and their beliefs about the effectiveness of treatment. Med J Aust. 1997;166:182-6.

9. Jorm AF. Mental health literacy: Empowering the community to take action for better mental health. Am Psychol. 2012;67:231-43. https://doi.org/10.1037/a0025957
https://doi.org/https://doi.org/10.1037/...

10. Kutcher S, Wei Y, Coniglio C. Mental health literacy: Past, present, and future. Can J Psychiatry. 2016;61:154-8. https://doi.org/10.1177/0706743715616609
https://doi.org/https://doi.org/10.1177/...
-1111. Kutcher S, Wei Y, Costa S, Gusmão R, Skokauskas N, Sourander A. Enhancing mental health literacy in young people. Eur Child Adolesc Psychiatry. 2016;25:567-9. https://doi.org/ 10.1007/s00787-016-0867-9
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,2828. Jorm AF. Mental health literacy: Public knowledge and beliefs about mental disorders. Br J Psychiatr. 2000;177(5):396-401. Entre as intervenções de autoajuda mais populares estão a busca de apoio de familiares e amigos, o engajamento em atividades prazerosas, o início de novas atividades e a prática de exercícios físicos. Contudo, há limitadas evidências sobre a eficácia das intervenções de autoajuda, quando comparadas às intervenções profissionais, o que torna difícil apontar quais provavelmente funcionarão. No entanto, estudo indica resultados positivos relacionados à atividade física, jogos virtuais e estratégias focalizadas no suporte social e em técnicas de relaxamento muscular3535. Moreira WC, Sousa KHJF, Sousa AR, Santana TS, Zeitoune RCG, Nóbrega MPSS. Mental health interventions implemented in the COVID-19 pandemic: what is the evidence? Rev Bras Enferm. 2021;74(Suppl 1):e20200635. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0635
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
.

Para além das habilidades de autoajuda, é importante que os homens saibam o momento adequado de procurar ajuda profissional. Neste sentido, os homens revelaram uma tomada de decisão baseada na busca de apoio e/ou suporte profissional e de outras naturezas com a intencionalidade de conferir suporte psicossocial, ofertar um espaço de escuta, receber demandas e necessidades de intervenção psiquiátrica e da medicalização, motivadas pelo acesso ao conhecimento que os mesmos possuíam e pelas crenças construídas sobre o contexto pandêmico e a relação com a saúde mental. Tais atitudes manifestadas pelos homens facilitaram o reconhecimento e a busca por ajuda para a diminuição dos impactos deletérios provocados pela pandemia da COVID-19 na saúde mental, conferindo bons níveis de LSM.

O conhecimento de como ajudar os outros é um componente relacionado ao LSM99. Jorm AF. Mental health literacy: Empowering the community to take action for better mental health. Am Psychol. 2012;67:231-43. https://doi.org/10.1037/a0025957
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10. Kutcher S, Wei Y, Coniglio C. Mental health literacy: Past, present, and future. Can J Psychiatry. 2016;61:154-8. https://doi.org/10.1177/0706743715616609
https://doi.org/https://doi.org/10.1177/...
-1111. Kutcher S, Wei Y, Costa S, Gusmão R, Skokauskas N, Sourander A. Enhancing mental health literacy in young people. Eur Child Adolesc Psychiatry. 2016;25:567-9. https://doi.org/ 10.1007/s00787-016-0867-9
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,2828. Jorm AF. Mental health literacy: Public knowledge and beliefs about mental disorders. Br J Psychiatr. 2000;177(5):396-401. Uma pesquisa suíça constatou que o público tem dificuldade em lidar com os transtornos mentais, afirmando que não sabe se comportar, tem medo de cometer erros, não tem conhecimento suficiente para oferecer suporte ou apresentam estigmas relacionados aos problemas de saúde mental3636. Guimon J, Fischer W, Sartorius N, org. The image of madness: The public facing mental illness and psychiatric treatment. Basel: Karger; 1999.. Entende-se que as crenças do público sobre a ajuda profissional podem afetar a busca de ajuda por outras pessoas. A ajuda profissional para problemas de saúde mental é mais provável de ocorrer quando outra pessoa recomenda que a ajuda seja procurada, de modo que as opiniões de outras pessoas importantes sobre o tratamento também podem influenciar2828. Jorm AF. Mental health literacy: Public knowledge and beliefs about mental disorders. Br J Psychiatr. 2000;177(5):396-401.

Com relação às crenças do público e dos profissionais sobre os transtornos mentais, é sabido que os profissionais têm conhecimento especializado, em grande parte baseado em evidências científicas e consenso de especialistas, enquanto o público tem uma variedade de crenças baseadas em experiências pessoais, relatos da mídia e fontes informais de conhecimento. No entanto, a análise das crenças públicas não revela um fator geral correspondente ao LSM, mas uma série de fatores que, por meio dessas crenças, apontam que os transtornos mentais são melhor tratados por intervenções médicas, psicológicas ou mudanças no estilo de vida2828. Jorm AF. Mental health literacy: Public knowledge and beliefs about mental disorders. Br J Psychiatr. 2000;177(5):396-401.

Em direção ao modo como os homens possuíam conhecimento e crenças sobre a ajuda profissional disponível para acesso, é relevante destacar o fato de que a era digital, dos big dados, das ligações algorítmicas, imprime grandes transformações no modo como homens jovens e idosos adquirem e exercitam o LSM. Em nosso estudo, é evidente, por exemplo, o conhecimento em informática mais agregador e competente entre os homens jovens em comparação aos homens idosos, conferindo facilidades no emprego de ferramentas para a manutenção de afetos (encontros, lives e festas virtuais, tal como o envio de directs, mensagens eróticas e acesso a aplicativos de relacionamento, modelados pela geolocalização) diante do distanciamento físico e do isolamento social.

Neste sentido, acessar informações em saúde se torna fácil para uma amostra bastante jovem com afinidade potencialmente alta para o ambiente online, onde as informações são facilmente acessíveis a qualquer momento. Porém, exige capacidade do indivíduo de filtrar as informações em termos de veracidade e precisão3737. Mantell PK, Baumeister A, Christ H, Ruhrmann S, Woopen C. Peculiarities of health literacy in people with mental disorders: A cross-sectional study. Int J Social Psychiatr. 2020;66(1):10-22. https://doi.org/10.1177/0020764019873683
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, sendo necessário o desenvolvimento de maiores níveis de letramento digital3838. Oh SS, Kim KA, Kim M, Oh J, Chu SH, Choi JY. Measurement of Digital Literacy Among Older Adults: Systematic Review. J Med Internet Res. 2021;23(2):e26145. https://doi.org/10.2196/26145
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e LSM entre as populações mais jovens3939. Rice SM, Psych M, Purcell R, Psych M, McGorry PD. Adolescent and Young Adult Male Mental Health: Transforming System Failures Into Proactive Models of Engagement. J Adolesc Health. 2018;62:S9-S17. https://doi.org/10.1016/j.jadohealth.2017.07.024
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
.

No entanto, há que se ponderar a presença de fatores complicantes no âmbito do LSM, especialmente entre os homens mais jovens, que podem estabelecer uma relação de autoajuda mais urgente, numa busca pela cura momentânea, a fim de manter os prazeres da vida, e consequentemente os expor a situações mais arriscadas para o acometimento da COVID-19 e a manutenção da saúde mental - frequentar festas clandestinas, consumir abusivamente álcool e outras drogas, pornografia, jogos violentos e de azar, vivenciar a perda do emprego e dificuldades financeiras, rompimentos de vínculos familiares e afetivos4040. Selwyn VR. Young people's mental health during the pandemic. BMJ. 2020;17;370:m2888. https://doi.org/10.1136/bmj.m2888
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-4141. Sharma V, Ortiz MR, Sharma N. Risk and Protective Factors for Adolescent and Young Adult Mental Health Within the Context of COVID-19: A Perspective From Nepal. J Adolesc Health. 2020 Jul;67(1):135-7. https://doi.org/10.1016/j.jadohealth.2020.04.006
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
. Por sua vez, entre os homens idosos, deve-se atentar para o fortalecimento de estratégias de proteção da saúde mental e enfrentamento de perturbações psíquicas mais globais (modos de vida, família, trabalho, rede social e afetiva), em direção à adaptação desse público alvo, a fim de construir um LSM mais consolidado e, possivelmente, mais duradouro. Logo, apresenta avanços na compreensão de que os homens idosos ancoram as suas experiências e práticas na lógica de que é fundamental destinar atenção à saúde mental, gerenciando-a e protegendo-a. Contudo, é um cenário ainda pouco aprofundado entre os homens4242. Ferreira HG. Gender Differences in Mental Health and Beliefs about COVID-19 among Elderly Internet Users. Paidéia (Ribeirão Preto). 2020;31:e3110. https://doi.org/10.1590/1982-4327e3110
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.

O baixo nível de letramento na população jovem e alfabetizada indica uma vulnerabilidade de pessoas com problemas de saúde mental no que diz respeito à percepção de dificuldades para cuidar da própria saúde3737. Mantell PK, Baumeister A, Christ H, Ruhrmann S, Woopen C. Peculiarities of health literacy in people with mental disorders: A cross-sectional study. Int J Social Psychiatr. 2020;66(1):10-22. https://doi.org/10.1177/0020764019873683
https://doi.org/https://doi.org/10.1177/...
,4343. Cheema S, Ameduri M, Abraham A, Doraiswamy S, Mamtani R. The COVID-19 pandemic: the public health reality. Epidemiol Infect. 2020;148:e223. https://doi.org/10.1017/S0950268820002216
https://doi.org/https://doi.org/10.1017/...
. Em tempos de pandemia, as dificuldades podem ser superdimensionadas e estabelecer barreiras de entendimento, apoio e enfrentamento no âmbito da saúde mental. Tais níveis de LSM podem se fazer presentes e ocasionar a invisibilidade masculina, não colocando o lugar da saúde mental na transversalidade da vida, o que já era historicamente evidenciado entre as narrativas dos homens, em razão dos sistemas de opressão impostos pelo machismo, pelo patriarcado e pela construção social de um modelo hegemônico de masculinidade44. Sousa AR, Alves GV, Queiroz AM, Florêncio RMS, Moreira WC, Nóbrega MPS, et al. Men's mental health in the COVID-19 pandemic: is there a mobilization of masculinities?. Rev Bras Enferm. 2021;74(Suppl 1):e20200915. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0915
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
,88. Jorm AF, Korten AE, Jacomb PA, Christensen H, Rodgers B, Pollitt P. "Mental health literacy": A survey of the public's ability to recognise mental disorders and their beliefs about the effectiveness of treatment. Med J Aust. 1997;166:182-6..

É importante destacar que estudos anteriores evidenciaram que o baixo nível de LSM está associado ao sexo masculino, idade avançada (> 60 anos de idade) e nível de escolaridade, sugerindo que os adultos mais velhos apresentam menor nível de instrução em saúde mental do que os adultos mais jovens, incluindo menor precisão na identificação de sintomas de transtornos mentais e modalidades de tratamento4444. Reavley NJ, Morgan AJ, Jorm AF. Development of scales to assess mental health literacy relating to recognition of and interventions for depression, anxiety disorders and schizophrenia/psychosis. Austr New Z J Psychiatr. 2013;48(1):61-9. https://doi.org/10.1177/0004867413491157
https://doi.org/https://doi.org/10.1177/...

45. The Royal Australian & New Zealand College of Psychiatrists. Older Australians deserve a better deal in mental health [Internet]. 2010 [cited 2021 Aug 6]. Available from: https://www.ranzcp.org/Files/Resources/Older_Australians_Deserve_a_Better_Deal_in_Mental_.aspx
https://www.ranzcp.org/Files/Resources/O...
-4646. Pipera SE, Bailey PE, Lam LT, Kneebone II. Predictors of mental health literacy in older people. Arch Gerontol Geriatr. 2018;79:5652-3. https://doi.org/10.1016/j.archger.2018.07.010
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
. Contudo, o nosso estudo não apoia tais conclusões, pois evidenciou que os homens idosos, independentemente do nível de escolaridade, mostraram-se com maiores níveis de LSM em comparação aos homens mais jovens. Tal fato pode ser explicado devido a influências ambientais, como a proximidade com alguém que convive com um transtorno mental, o que facilita a obtenção de informações adequadas, no que diz respeito às estratégias de promoção, tratamento e educação em saúde mental4646. Pipera SE, Bailey PE, Lam LT, Kneebone II. Predictors of mental health literacy in older people. Arch Gerontol Geriatr. 2018;79:5652-3. https://doi.org/10.1016/j.archger.2018.07.010
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
.

Ao trabalhar com subgrupos de homens, tem sido notório que as desigualdades estruturais na saúde exigem do governo atenção política para adequar e direcionar de maneira eficaz os esforços para promover o LSM de homens e os programas de promoção à saúde, principalmente no que refere a saúde mental e adaptar as ferramentas de educação em saúde existentes para foco em problemas específicos de saúde do homem, incluindo a depressão, o suicídio e o estigma4747. Oliffe JL, Rossnagel E, Kelly MT, Bottorff JL, Seaton C, Darroch F. Men's health literacy: a review and recommendations. Health Promot Int. 2020;35(5):1037-51. https://doi.org/10.1093/heapro/daz077
https://doi.org/https://doi.org/10.1093/...

48. Sykes S, Wills J, Hardy S, Kelly M, Moorley C, Ocho O. Gender and health literacy: men's health beliefs and behaviour in Trinidad. Health Promot Int. 2020;35(4):804-11. https://doi.org/10.1093/heapro/daz076
https://doi.org/https://doi.org/10.1093/...
-4949. Sousa AR, Teixeira JRB, Palma EMS, Moreira WC, Santos MB, Carvalho HEF, et al. Psychological Distress in Men during the COVID-19 Pandemic in Brazil: The Role of the Sociodemographic Variables, Uncertainty, and Social Support. Int J Environ Res Public Health. 2022;19(1):350. https://doi.org/10.3390/ijerph19010350
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. As descobertas do nosso estudo só reforçam que o conhecimento por si só não informa ou fortalece o LSM de homens em suas práticas, mas indica a necessidade de tornar as ações mais acessíveis ao público masculino.

Elenca-se que o DSC aqui analisado, evidencia que o público masculino, independentemente do nível de escolaridade ou faixa etária, possui níveis de LSM que precisam ser fortalecidos, considerando as consequências importantes que esse conhecimento insuficiente pode refletir. Diante desse cenário, urge a necessidade do estabelecimento de ações conjuntas, de cooperação técnica intersetorial para a massificação do conceito de saúde mental, a partir da ampliação do LSM entre os homens nos cenários em que estes se encontram, como forma de tornar esse público mais sensível e inclinado para se reconhecer vulnerável e ser capaz de tomar medidas de autogestão do cuidado empoderadas e livres de julgamentos e crenças estigmatizantes.

Nesse sentido, a Enfermagem, por ser a maior força de trabalho em saúde e fazer parte, no Brasil, das equipes de Saúde da Família, assume um papel fundamental para a promoção de maiores níveis de LSM nas comunidades, por meio de um diálogo e linguagem acessível e contextualizada com a realidade de cada indivíduo5050. Tay JL, Tay IF, Klainin-Yobas P. Mental health literacy levels. Arch Psychiatr Nurs. 2018;32(5):757-63. https://doi.org/10.1016/j.apnu.2018.04.007
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...

51. Gonçalves A, Cabral L, Cruz C, Chaves C, Sequeira C, Rodrigues JF. Literacia em saúde mental positiva nos enfermeiros de cuidados de saúde primários. International J Develop Educ Psychol. 2021;1(1):71-84. https://doi.org/10.17060/ijodaep.2021.n1.v1.2044
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-5252. Costa T, Sampaio F, Sequeira C, Lluch-Canut T, Moreno-Poyato AR. A qualitative study exploring adolescents' perspective about mental health first aid training programmes promoted by nurses in upper secondary schools. Int J Ment Health Nurs. 2021. https://doi.org/10.1111/inm.12959bs_bs_banner
https://doi.org/https://doi.org/10.1111/...
.

Ressalta-se que a tarefa de fortalecer os níveis de LSM entre os homens não deve apenas restringir-se aos profissionais, tendo em vista a cobertura desigual de serviços comunitários e escassez de recursos humanos para os cuidados de saúde mental em todas as regiões, bem como à tentativa do governo em modificar a política de saúde mental nacional em caráter de retrocesso5353. Lima IB, Bernardi FA, Yamada DB, Vinci ALT, Rijo RPCL, Alves D. The use of indicators available in: for the management of Mental Health Services. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2021;29:e3409. https://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.4202.3409
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-5454. Almeida JMC. Política de saúde mental no Brasil: o que está em jogo nas mudanças em curso. Cad Saúde Pública. 2019;35(11):e00129519. https://doi.org/10.1590/0102-311X00129519
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
. Para que haja maiores ganhos em prevenção, intervenção precoce, autoajuda, redução do estigma e apoio de outras pessoas na comunidade, é necessário que a sociedade em geral receba treinamentos e informações adequadas sobre saúde mental, nos quais o conhecimento e as habilidades básicas sejam amplamente distribuídos, fortalecendo os níveis de LSM do público.

As limitações deste estudo estão concentradas na operacionalização da técnica de recrutamento e seleção de participantes, como também na possibilidade da perda de critérios de inclusão, diante da característica distinta da amostra (homens jovens e idosos), o que pode ter implicado no recorte específico de raça/cor e classe social, além do fato de a amostra tornar-se concentrada em dado território e particularidade, repercutido na maior apreensão de participantes de algumas regiões brasileiras (Nordeste e Sudeste) e na dificuldade no aprofundamento de dados, haja vista as barreiras impostas pela web survey. Além disso, devido a pesquisa ter sido online e o formulário autopreenchido, homens não alfabetizados não participaram, influenciando nos níveis de LSM.

Implicações para a prática e pesquisa

Destacamos que, até o momento, este é o primeiro estudo a abordar o LSM no cenário brasileiro, bem como o único na literatura mundial em relacionar tal temática com a pandemia da COVID-19 no público masculino. As implicações para a prática emergidas a partir deste estudo fazem relação com o diálogo de um Plano de Ação de Saúde Mental global para implementar estratégias de promoção e prevenção em saúde mental, bem como para o alcance dos objetivos do desenvolvimento sustentável para redução do analfabetismo, promoção da equidade de gênero nas relações sociais, diminuição do empobrecimento5555. World Health Organization. Mental health action plan 2013 - 2020. [Internet]. Geneva: WHO; 2013 [cited 2021 Jan 2]. Available from: https://www.who.int/mental_ health/publications/action_plan/en/
https://www.who.int/mental_ health/publi...
-5656. Roma JC. Os objetivos de desenvolvimento do milênio e sua transição para os objetivos de desenvolvimento sustentável. Cienc Cult. 2019;71(1):33-9. https://dx.doi.org/10.21800/2317-66602019000100011
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, assim como para apoiar a adoção de estratégias que contribuam para o fortalecimento de sociedades mais resilientes ao pós-pandemia. Destarte, corrobora com a necessidade de ampliação das ações direcionada à saúde de homens e para o campo de estudo em masculinidades e LSM, tão essenciais para o avanço das políticas públicas5757. Teixeira JRB, Sousa AR, Silva Palma EM, Moreira WC, Santana TS, Barreto NMPV, et al. Factors Associated with Emotion Regulation in Men with Internet Access Living in Brazil during the COVID-19 Pandemic. Int J Environ Res Public Health. 2022;19(7):3877. https://doi.org/10.3390/ijerph19073877
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.

Recomenda-se a condução de pesquisas futuras que tragam melhor compreensão, bem como desenvolvam intervenções que visem promover e ampliar cada um dos componentes do LSM na população masculina. Para tanto, novos estudos devem ser realizados para obter as melhores evidências possíveis, utilizando instrumentos de avaliação validados e incluindo períodos de acompanhamento.

Conclusão

Há uma distinção importante nos níveis de LSM entre homens jovens e idosos, o que fez com que a capacidade de reconhecer os distúrbios específicos ou os diferentes tipos de sofrimento psíquico fosse mais presente entre os homens idosos que entre os jovens. Tal situação que também se repete em relação ao conhecimento e às crenças sobre os fatores e as causas de risco, tal qual o conhecimento e as crenças sobre as intervenções de autoajuda a serem tomadas no âmbito da autogestão e proteção da saúde mental em razão do contexto pandêmico vivenciado.

A categoria geracional mostrou-se influente no LSM, ao evidenciar que os homens idosos manifestaram conhecimento e crenças quanto à ajuda profissional disponível para acesso no contexto da pandemia, elucidaram atitudes relacionadas às facilidades para o reconhecimento de problemas em saúde mental e também para a busca por informações relacionadas à saúde mental, quando comparados com os homens jovens. Os dados revelaram que os homens jovens podem estar mais vulneráveis ao adoecimento mental na pandemia, do que os homens idosos, em razão do LSM insuficiente. Infere-se que os homens idosos possam ter maiores níveis de LSM devido a suas trajetórias e às diferentes experiências vivenciadas ao longo da vida que adicionam sabedoria e, consequentemente, ampliam os níveis de LSM.

Referências

Editado por

Editora Associada

Rosalina Aparecida Partezani Rodrigues

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    06 Ago 2021
  • Aceito
    08 Mar 2022
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