ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Relato de Caso - Ano 2020 - Volume 10 - Número 3

COVID-19 em binômio mãe-bebê: um relato de caso do Hospital Universitário do Maranhão

COVID-19 mother-infant binomial: a case report from the University Hospital of Maranhão

RESUMO

A síndrome respiratória aguda grave do novo coronavírus (SARS-CoV-2) surgiu na China no início de dezembro de 2019 e o vírus se espalhou rapidamente, causando uma pandemia global. O conhecimento adquirido com surtos anteriores de coronavírus humano sugere que as mulheres grávidas e seus fetos são particularmente susceptíveis a maus resultados. Até o momento, o conhecimento atual sobre a infecção por coronavírus (SARS-CoV-2) na síndrome respiratória aguda grave neonatal é limitado. Ainda não está estabelecido se a COVID-19 pode apresentar transmissão transplacentária ou vertical. Este trabalho tem como objetivo relatar um caso de um binômio mãe-bebê positivos para COVID-19, a fim discutir sobre a influência da infecção por SARS-CoV-2 na gravidez e nos desfechos neonatais, assim como analisar a provável existência de transmissão vertical.

Palavras-chave: Coronavirus Infections, Newborn Diseases, Signs and Symptoms, Vertical Transmission of Infectious Disease.

ABSTRACT

The novel severe acute respiratory syndrome coronavirus 2 (SARS-CoV-2) emerged in China in early December 2019 and the virus has rapidly spread causing a global pandemic. The knowledge gained from previous human coronavirus outbreaks suggests that pregnant women and their fetuses are particularly susceptible to poor outcomes. At present, the current knowledge on neonatal severe acute respiratory syndrome coronavirus 2 (SARS-CoV-2) infection is limited. It is not yet established whether COVID-19 has transplacental or vertical transmission. This paper aims to report a case of one mother and the neonate, both positive for SARS-CoV-2, in order to discuss about the influence of SARS-CoV-2 infection on pregnancy and neonatal outcomes, and to analyze the possible mother-to-child transmission of SARS-CoV-2.

Keywords: Coronavirus Infections, Newborn Diseases, Signs and Symptoms, Vertical Transmission of Infectious Disease.


INTRODUÇÃO

A infecção pelo vírus SARS-CoV-2 causa a doença denominada COVID-19, que apresenta um espectro clínico que varia de infecções assintomáticas a quadros graves1.

O conhecimento adquirido com surtos anteriores de coronavírus humano sugere que mulheres grávidas e seus fetos são particularmente susceptíveis a maus resultados2.

Até agora, poucos casos positivos confirmados neonatais de COVID-19 foram relatados em revistas científicas e a maioria se apresentavam assintomáticos ou com sintomas leves a moderados3.

O vírus SARS-CoV-2 é transmitido de pessoa a pessoa, por meio de gotículas de saliva ou secreção nasal quando uma pessoa infectada tosse ou espirra1. Até o momento, ainda não está estabelecido se a COVID-19 pode apresentar transmissão transplacentária ou vertical3.


RELATO DE CASO

Recém-nascido (RN) de 32 semanas, nascido de parto cesáreo, apresentação cefálica, líquido amniótico (LA) normal, sem mecônio, bolsa rota no ato, não necessitou de reanimação, Apgar 9/9. Evoluiu com desconforto respiratório na sala de parto, recebendo ventilação com pressão positiva (VPP), sem melhora, sendo intubado e encaminhado para unidade de terapia intensiva neonatal (UTIN). Peso do nascimento foi 2.115 gramas.

Mãe 18 anos, G3P2A1, realizou 6 consultas de pré-natal em unidade básica de saúde localizada no município da Raposa/MA, sem comorbidades, sem relato de infecções e/ou intercorrências durante a gestação, sorologias não reagentes para HIV, sífilis e hepatite B. Não fez uso de corticoide antenatal.

Na UTIN, RN recebeu surfactante exógeno, pois radiografia de tórax demonstrou doença da membrana hialina (DMH) e foi prescrito cafeína. Iniciou dieta enteral no 1º dia de vida. Apresentou icterícia (da prematuridade), sendo tratado com fototerapia, com boa resposta. Teve extubação programada no 6º dia de vida, mantendo-se em ar ambiente, sem intercorrências. Foi encaminhado à UCINCo no 8º dia de vida, recebendo alta no 15º dia de vida, pesando 1.940g.

A mãe permaneceu na enfermaria do alojamento conjunto e, no 2º dia após o parto, durante visita obstétrica, referiu tosse seca esporádica no pós-parto imediato, relatando ainda episódio de coriza cerca de 10 dias antes do parto, sendo transferida para enfermaria de isolamento da COVID-19. Na ocasião, foi solicitado reação em cadeia da polimerase - transcriptase reversa (RT-PCR) para COVID-19 e painel viral. Como apresentava sintomatologia leve, sem repercussões, não realizou exame de imagem, assim como também não recebeu tratamento direcionado para COVID-19. Teve alta no 4º dia após o parto, sendo orientada a permanecer em isolamento domiciliar.

Após a indicação de isolamento materno por suspeita de COVID-19, RN iniciou isolamento respiratório, sendo coletado RT-PCR para COVID-19 e painel viral.

Depois da alta, recebemos resultados de RT-PCR da mãe e do RN ambos positivos para COVID-19. A família ficou em acompanhamento por teleatendimento e com 28 dias de vida realizou consulta presencial no ambulatório especializado (follow-up). Na ocasião, mãe não apresentava queixas e RN encontrava-se em aleitamento materno exclusivo. Foi marcada a consulta subsequente de acompanhamento.


DISCUSSÃO

Em dezembro de 2019, diversos casos de pneumonia por causa desconhecida surgiram na cidade de Wuhan, na China. Após análise do material genético isolado do agente causador, constatou-se que se trata de um novo betacoronavírus, inicialmente denominado 2019-nCoV pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Posteriormente, esse passou a ser chamado de SARS-CoV-24.

A doença se espalhou rapidamente pelo território chinês e, posteriormente, disseminou-se por outros países do mundo, de modo que, em 11 de março de 2020, ela passou a ser considerada uma pandemia pela OMS4.

A infecção pelo vírus SARS-CoV-2 causa a doença denominada COVID-19, que apresenta um espectro clínico que varia de infecções assintomáticas a quadros graves. Os principais sintomas são febre, fadiga e tosse seca, podendo evoluir para dispneia ou, em casos mais graves, para síndrome respiratória aguda severa (SRAS)1.

De acordo com a OMS, cerca de 80% dos pacientes com COVID-19 são assintomáticos ou oligossintomáticos e, aproximadamente, 20% dos casos detectados requerem atendimento hospitalar por apresentarem dificuldade respiratória, dos quais cerca de 5% podem necessitar de suporte ventilatório1.

Os dados sobre a apresentação clínica da COVID-19 durante a gravidez e/ou puerpério, bem como resultados perinatais devido à exposição à doença ainda são limitados4. Um estudo com revisão de 108 casos confirmados de gestantes demonstra que as manifestações clínicas mais comuns nas gestantes são febre (68%) e tosse seca (34%), seguidos de mal-estar (13%) e dispneia (12%)2. No caso relatado, a gestante apresentou apenas tosse seca esporádica, não manifestando outros sintomas.

O conhecimento adquirido com surtos anteriores de coronavírus humano sugere que mulheres grávidas e seus fetos são particularmente susceptíveis a maus resultados2, levando a acreditar que gestantes são mais susceptíveis a desenvolver formas graves da COVID-19, principalmente as gestantes de alto risco. Ainda assim, estudos revelam que a maioria das gestantes se apresentam assintomáticas ou com sintomas leves, tal como a população geral5. O que também pôde ser observado no desfecho apresentado pela gestante relatada neste caso clínico, que teve sintomas leves e inespecíficos, tendo uma evolução favorável.

Até o momento, poucos casos positivos confirmados neonatais de COVID-19 foram relatados em revistas científicas e a maioria se apresentavam assintomáticos ou com sintomas leves a moderados3. Com base nessa evidência limitada, nenhum quadro clínico específico para a infecção por COVID-19 neonatal tem emergido de forma consistente3.

Algumas complicações neonatais descritas incluíram desconforto respiratório ou pneumonia (18%), baixo peso ao nascer (13%), erupção cutânea (3%), coagulação intravascular disseminada (3%), asfixia (2%) e 2 mortes perinatais5.

Um artigo descreveu um neonato com cardiopatia congênita que apresentou pneumonia e insuficiência cardíaca e os sintomas melhoraram rapidamente com terapia inotrópica e restrição hídrica e um outro bebê prematuro com pneumonia, síndrome do desconforto respiratório e sepse que se recuperou com suporte ventilatório não invasivo, cafeína e antibióticos6. Esses dois casos demonstram que, embora os neonatos positivos para COVID-19 sintomáticos com doenças pulmonares subjacentes ou cardiopatias congênitas não tenham recebido terapia antiviral, ambos melhoraram rapidamente após tratamentos precoces e adequados6. Não ficando claro se os desfechos neonatais relatados foram devidos ao vírus ou relacionados às condições associadas aos recém-nascidos, tais como a cardiopatia congênita e a prematuridade5. Da mesma forma, o RN descrito no caso relatado necessitou de suporte ventilatório nos primeiros dias de vida, porém não há como determinar se esse desfecho foi devido à contaminação pelo vírus ou pela morbidade associada às condições do nascimento, como a prematuridade e, consequentemente, a DMH, sendo mais provável que esses últimos fatores tenham determinado a necessidade do suporte ventilatório.

O vírus SARS-CoV-2 é transmitido de pessoa a pessoa, por meio de gotículas de saliva ou secreção nasal quando uma pessoa infectada tosse ou espirra1. Até o momento, ainda não está estabelecido se a COVID-19 pode apresentar transmissão transplacentária ou vertical3.

Uma revisão de casos, incluindo um total de 65 gestantes infectadas com SARS-CoV-2 durante a gravidez, avaliou os resultados perinatais de bebês nascidos dessas gestantes. A maioria dessas mulheres tiveram parto entre 30 e 40 semanas de gravidez, principalmente por cesariana (88%). Sofrimento fetal foi relatado em 31% e 38% das mulheres tiveram parto prematuro5.

Em 27 binômios mãe-bebê, o SARS-CoV-2 não foi isolado em LA, tecido da placenta, secreções vaginais, sangue do cordão umbilical ou leite materno, ou em secreções nasofaríngeas e orofaríngeas dos recém-nascidos5. No entanto, um RN saudável e três RNs que desenvolveram pneumonia apresentaram testes positivos na orofaringe, nasofaringe e anal entre os 2º e 4º dias de vida. Isso ocorreu apesar dos procedimentos rigorosos de controle e prevenção de infecções durante o parto e a separação da mãe e dos neonatos5. Além disso, recentemente, um relato da China descreveu três bebês, nascidos de mães que apresentaram a COVID-19, com níveis séricos elevados de anticorpos IgM e IgG para o SARS-CoV-2 após o nascimento3,5. Portanto, tais relatos sugerem a possibilidade de transmissão vertical, não podendo esta ser totalmente afastada5.

Porém, até agora, a aquisição da COVID-19 tem sido atribuída à transmissão horizontal de uma mãe ou de prestadores de cuidados de saúde infectados, e não à vertical3. Assim, apesar do binômio mãe-bebê do caso ter testado positivo para COVID-19, é muito provável que a infecção do neonato por SARS-CoV-2 tenha se dado através do contato do RN com a mãe (antes da mesma iniciar isolamento respiratório) ou por profissionais de saúde envolvidos no tratamento do bebê, do que por transmissão transplacentária ou vertical.


CONCLUSÃO

O caso relatado evidencia a importância de estarmos atentos aos sintomas relatados pelas pacientes admitidas nos ambientes hospitalares na tentativa de detectar gestantes infectadas pelo SARS-CoV-2, visto que mesmo mulheres que se apresentam assintomáticas ou oligossintomáticas podem ser portadoras da COVID-19, sendo potenciais transmissoras da doença. Demonstra também que RNs infectados por SARS-CoV-2 não apresentam sintomas específicos de COVID-19, de modo que os sintomas apresentados podem estar relacionados mais às morbidades inerentes aos RNs que à COVID-19, e que a transmissão transplacentária ou vertical da COVID-19 ainda não está comprovada. Portanto, são necessários mais estudos para avaliar as manifestações clínicas da COVID-19 em neonatos nascidos de mães infectadas, assim como para avaliar a existência de transmissão vertical.


REFERÊNCIAS

1. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Guia de Vigilância Epidemiológica. Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional pela Doença pelo Coronavírus 2019. Vigilância Integrada de Síndromes Respiratórias Agudas. Doença pelo Coronavírus 2019, Influenza e outros vírus respiratórios. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2020.

2. Zaigham M, Andersson O. Maternal and perinatal outcomes with COVID-19: a systematic review of 108 pregnancies. Acta Obstet Gynecol Scand. 2020 Jul;99(7):823-9.

3. Procianoy RS, Silveira RC, Manzoni P, Sant’Anna G. Neonatal COVID‐19: little evidence and the need for more information. J Pediatr (Rio J). 2020 Jun;96(3):269-72.

4. Ministério da Saúde (BR). Portal de boas práticas em saúde da mulher, da criança e do adolescente. Diretrizes para diagnóstico e tratamento da COVID-19. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2020.

5. Zimmermann P, Curtis N. COVID-19 in children, pregnancy and neonates: a review of epidemiologic and clinical features. Pediatr Infect Dis J. 2020 Jun;39(6):469-77.

6. Xiao TT, Yan K, Wang LS, Zhou WH. What can we learn from neonates with COVID-19?. World J Pediatr. 2020 Abr;16(3):280-3.










1. Hospital Universitário Materno-Infantil UFMA, Residência de Neonatologia - São Luís - Maranhão - Brasil
2. Hospital Universitário Materno-Infantil UFMA, Serviço de Neonatologia - São Luís - Maranhão - Brasil

Correspondence to:

Raíssa Alves Bringel
Hospital Universitário Materno-Infantil UFMA. R. Silva Jardim, s/n - Centro, São Luís - MA, Brasil
CEP: 65021-000
E-mail: rakabringel@hotmail.com

Submitted on: 01/07/2020
Approved on: 17/07/2020