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Preditores de sobrecarga dos trabalhadores de saúde mental durante a pandemia de COVID-19

RESUMO

Objetivos:

analisar os preditores de sobrecarga dos trabalhadores de saúde mental durante a pandemia de COVID-19.

Métodos:

estudo quantitativo, coletado entre outubro e dezembro de 2020 por meio de questionário sociodemográfico e Escala de Avaliação da Sobrecarga de Profissionais em Serviços de Saúde Mental, em quatro serviços de um município do estado de São Paulo, Brasil, com 108 trabalhadores. Realizou-se análise descritiva e regressão linear múltipla de mínimos quadrados ordinários, em busca de preditores para a variação no escore da escala.

Resultados:

evidenciou-se mediana sobrecarga de trabalho (2,03). Preditores: acompanhamento psicológico ou psiquiátrico; desempenho normal das atividades durante a pandemia; atuação direta com casos suspeitos ou confirmados de COVID-19; e pertencer ao grupo de risco (pessoas acima de 60 anos, diabéticos, hipertensos, cardiopatas, problemas respiratórios) (p<0,05).

Conclusões:

condições de trabalho observadas durante a pandemia, simultaneamente com necessidades de cuidado à saúde mental dos trabalhadores, predizem sobrecarga no trabalho em saúde.

Descritores:
Saúde Mental; Pessoal de Saúde; Serviços de Saúde Mental; Esgotamento Profissional; COVID-19

ABSTRACT

Objectives:

to analyze burden predictors in mental health workers during the COVID-19 pandemic.

Methods:

a quantitative study, collected between October and December 2020 through a sociodemographic questionnaire and Mental Health Service Burden Assessment Scale, in four services in a municipality in the state of São Paulo, Brazil, with 108 workers. Descriptive analysis and multiple linear regression of ordinary least squares were performed, in search of predictors for variation in the scale score.

Results:

it showed median work burden (2.03). Predictors: psychological or psychiatric follow-up; normal performance of activities during the pandemic; direct action with suspected or confirmed cases of COVID-19; and belonging to the risk group (people over 60 years of age, diabetics, hypertensive, cardiac, respiratory problems) (p<0.05).

Conclusions:

working conditions observed during the pandemic, simultaneously with workers’ mental health care needs predict burden at work in health.

Descriptors:
Mental Health; Health Personnel; Mental Health Services; Burnout, Professional; COVID-19

RESUMEN

Objetivos:

analizar los predictores de sobrecarga del trabajador de salud mental durante la pandemia de COVID-19.

Métodos:

estudio cuantitativo, recolectado entre octubre y diciembre de 2020 a través de un cuestionario sociodemográfico y la Escala de Evaluación de la Carga de los Profesionales en Servicios de Salud Mental, en cuatro servicios de un municipio del estado de São Paulo, Brasil, con 108 trabajadores. Se realizó análisis descriptivo y regresión lineal múltiple por mínimos cuadrados ordinarios, en busca de predictores para la variación en el puntaje de la escala.

Resultados:

hubo mediana sobrecarga de trabajo (2,03). Predictores: seguimiento psicológico o psiquiátrico; normal desempeño de actividades durante la pandemia; actuación directa con casos sospechosos o confirmados de COVID-19; y pertenecer al grupo de riesgo (personas mayores de 60 años, diabéticos, hipertensos, cardíacos, respiratorios) (p<0,05).

Conclusiones:

las condiciones de trabajo observadas durante la pandemia, simultáneamente con las necesidades de atención a la salud mental de los trabajadores, predicen sobrecarga laboral en salud.

Descriptores:
Salud Mental; Personal de Salud; Servicios de Salud Mental; Agotamiento Profesional; COVID-19

INTRODUÇÃO

A nova pandemia da doença por coronavírus (COVID-19), vivida há quase dois anos, iniciou-se em Wuhan, na China, no final de 2019, e espalhou-se rapidamente por outros países, constituindo uma emergência de saúde pública, decretada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em janeiro de 2020(11 Talevi D, Socci V, Carai M, Carnaghi G, Faleri S, Trebbi E, et al. Mental health outcomes of the CoVid-19 pandemic. Riv Psichiatr. 2020;55(3):137-44. https://doi.org/10.1708/3382.33569
https://doi.org/10.1708/3382.33569...
). Em março de 2020, a OMS declarou tal emergência como pandemia, pela acelerada propagação da doença em 114 países e alto número de casos e mortes(22 Salgado JG, Villas MA, Salas SD, MilanésDD, Frutos CR. Related health factors of psychological distress during the COVID-19 pandemic in Spain. Int J Environ Res Public Health. 2020;17(3947). https://doi.org/10.3390/ijerph17113947
https://doi.org/10.3390/ijerph17113947...
).

Medidas de proteção foram implementadas, buscando controlar o surto da pandemia de COVID-19. Pode-se citar o distanciamento social, a suspensão de atividade educacional presencial e do serviço comercial, exceto os considerados essenciais, a cessação de atividades culturais, cerimoniais (civis e/ou religiosas) e a limitação da livre circulação, evitando multidões de pessoas. Para as atividades que continuaram em funcionamento, ressaltou-se a importância de manter a distância de, pelo menos, um metro entre uma pessoa e outra, além de outras medidas preventivas essenciais, como o uso de máscaras, a desinfecção contínua de ambientes e a higienização das mãos(22 Salgado JG, Villas MA, Salas SD, MilanésDD, Frutos CR. Related health factors of psychological distress during the COVID-19 pandemic in Spain. Int J Environ Res Public Health. 2020;17(3947). https://doi.org/10.3390/ijerph17113947
https://doi.org/10.3390/ijerph17113947...
).

Este cenário acarreta resultados tanto físicos quanto psicológicos, associados a ser afetado pela pandemia de COVID-19 e às mudanças deste período, incluindo medidas de prevenção e impacto socioeconômico.

Há diferentes estudos, realizados em momentos semelhantes no passado, relacionados às consequências na saúde mental durante uma epidemia, evidenciando os efeitos psicológicos da quarentena, isolamento e distanciamento social na população, podendo ser apresentados em maiores níveis em populações específicas, por exemplo, idosos e profissionais da saúde(11 Talevi D, Socci V, Carai M, Carnaghi G, Faleri S, Trebbi E, et al. Mental health outcomes of the CoVid-19 pandemic. Riv Psichiatr. 2020;55(3):137-44. https://doi.org/10.1708/3382.33569
https://doi.org/10.1708/3382.33569...
,33 Rubin JG, Wessely S. The psychological effects of quarantining a city. BMJ 2020;368:m313. https://doi.org/10.1136/bmj.m313
https://doi.org/10.1136/bmj.m313...
).

Pesquisas sobre epidemias/pandemias de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS), gripe suína (H1N1), Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS), ebola, e durante o primeiro ano da pandemia da COVID-19, apontam que a quarentena como medida de prevenção está associada a sintomas de depressão, ansiedade, estresse, transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), raiva e sofrimento psicológico(22 Salgado JG, Villas MA, Salas SD, MilanésDD, Frutos CR. Related health factors of psychological distress during the COVID-19 pandemic in Spain. Int J Environ Res Public Health. 2020;17(3947). https://doi.org/10.3390/ijerph17113947
https://doi.org/10.3390/ijerph17113947...
).

Os trabalhadores de serviços de saúde, além das preocupações e providências adotadas pela população, possuem os fatores no combate contra a pandemia de COVID-19, o medo de contaminarem seus familiares ou se auto contaminarem, o possível aumento na carga de trabalho e um cenário com inúmeras mortes, que podem acarretar em complicações na saúde mental. Estudo aponta que, além dos elementos citados anteriormente, a falta de treinamento e de apoio de comunicação também é fator predisponente, principalmente para o desenvolvimento de sintomas de ansiedade, depressão e estresse(44 Diogo PMJ, Sousa MOCL, Rodrigues JRGV, Silva TAAMA, Santos MLF. Emotional labor of nurses in the front line against the COVID-19 pandemic. Rev Bras Enferm. 2021;74(Suppl 1). https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0660
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0...
). No Brasil, as pressões vividas normalmente pelos profissionais de enfermagem, como jornadas de trabalho duplas, violência laboral e baixa remuneração, levam ao estresse e ao adoecimento mental. As condições relatadas somam-se às dificuldades perante a carência de recursos hospitalares e de equipamentos de proteção individual (EPI) presentes no momento atual(55 Saidel MGB, Lima MHM, Campos CJG, Loyola CMD, Esperidião E, Rodrigues J. Mental health interventions for health professionals in the context of the Coronavirus pandemic. Rev Enferm UERJ. 2020;28:e49923. https://doi.org/10.12957/reuerj.2020.49923
https://doi.org/10.12957/reuerj.2020.499...
).

Os encadeamentos para a saúde mental dos trabalhadores decorrentes da atuação em epidemias/pandemias, como altos níveis de estresse, TEPT, depressão, ansiedade e síndrome de burnout, podem persistir para além da estabilização dessas emergências de saúde pública(66 Ornell F, Halpern SC, Kessler FHP, Narvaez JCM. The impact of the COVID-19 pandemic on the mental health of healthcare professionals. Cad Saúde Pública. 2020;36(4):e00063520. https://doi.org/10.1590/0102-311X00063520
https://doi.org/10.1590/0102-311X0006352...
). Além dos traumas diretos, o artigo citado anteriormente aborda a questão do estresse traumático secundário, também chamado de trauma vicário, cujos sintomas incluem perda do apetite, fadiga, irritabilidade, distúrbios de sono e atenção, abatimento físico, medo e desespero. Nesta manifestação, o profissional de saúde desenvolve sintomas semelhantes aos do paciente pela longa exposição(66 Ornell F, Halpern SC, Kessler FHP, Narvaez JCM. The impact of the COVID-19 pandemic on the mental health of healthcare professionals. Cad Saúde Pública. 2020;36(4):e00063520. https://doi.org/10.1590/0102-311X00063520
https://doi.org/10.1590/0102-311X0006352...
).

No Brasil, em meados de 2019, a curva de contágio continuou aumentando, e a saúde mental dos profissionais não foi priorizada, além do potencial colapso do sistema de saúde, o que acarretou a estes trabalhadores sofrer uma crise emocional, destacando, historicamente, a existência de poucos programas de saúde mental para os mesmos(55 Saidel MGB, Lima MHM, Campos CJG, Loyola CMD, Esperidião E, Rodrigues J. Mental health interventions for health professionals in the context of the Coronavirus pandemic. Rev Enferm UERJ. 2020;28:e49923. https://doi.org/10.12957/reuerj.2020.49923
https://doi.org/10.12957/reuerj.2020.499...
,66 Ornell F, Halpern SC, Kessler FHP, Narvaez JCM. The impact of the COVID-19 pandemic on the mental health of healthcare professionals. Cad Saúde Pública. 2020;36(4):e00063520. https://doi.org/10.1590/0102-311X00063520
https://doi.org/10.1590/0102-311X0006352...
). É importante inteirar-se sobre o assunto, para que deliberações apropriadas sejam implementadas.

Estudo realizado em 2018, que analisou a satisfação e a sobrecarga de trabalho de profissionais de saúde em serviços de saúde mental de um município do interior paulista, apresentou boa satisfação global (4,19) e baixa sobrecarga geral (1,52), o que reforça que profissionais com baixa sobrecarga de trabalho tendem a estar mais satisfeitos com o emprego, o que, consequentemente, traz uma melhor qualidade no cuidado aos usuários do serviço(77 Fidelis FAM, Barbosa GC, Corrente JE, Komuro JE, Papini SJ. Satisfação e sobrecarga na atuação de profissionais em saúde mental. Esc Anna Nery 2021;25(3):e20200309. https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2020-0309
https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-20...
).

Outro estudo, realizado em fevereiro de 2011, que investigou estressores, burnout e estratégias de enfrentamento entre enfermeiras psiquiátricas hospitalares e comunitárias em uma região de Dublin, aponta que os enfermeiros trabalhavam em um ambiente moderadamente estressante, sendo os estressores concentrados em questões organizacionais. Os principais identificados foram a falta de recursos, carga de trabalho e estruturas/ processos organizacionais. Relataram também níveis médios de exaustão emocional, baixos níveis de despersonalização e níveis médios de realização pessoal(88 McTiernan K, McDonald N. Occupational stressors, burnout and coping strategies between hospital and community psychiatric nurses in a Dublin region. J Psychiatr Ment Health Nurs 2014;22:208-18. https://doi.org/10.1111/jpm.12170
https://doi.org/10.1111/jpm.12170...
).

Sendo assim, apesar de o foco da pandemia ser voltado para a COVID-19 em si, analisando as formas de transmissão, normas de prevenção e as consequências da COVID-19 a longo prazo, a presente pesquisa se justifica pela necessidade da atenção para a saúde mental dos trabalhadores que atuam em serviços de saúde mental, a fim de conhecer os impactos de vivenciar esse momento, emergindo a seguinte questão: quais os preditores da sobrecarga dos trabalhadores da saúde mental que atuam no enfrentamento da COVID-19?

OBJETIVOS

Analisar os preditores de sobrecarga dos trabalhadores de saúde mental durante a pandemia de COVID-19.

MÉTODOS

Aspectos éticos

Conforme orientações da Comissão Nacional de Ética e Pesquisa (CONEP), o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi apresentado virtualmente pelo Google Forms, na primeira página do instrumento de coleta de dados. Todos os participantes que aceitaram participar da pesquisa demonstraram anuência, registrando o conhecimento sobre os procedimentos do estudo, e responderam sim ou não como critério para acesso ao formulário completo(99 Ministério da Saúde (BR). Conselho Nacional de Saúde. Orientações para procedimentos em pesquisas com qualquer etapa em ambiente virtual. Brasília: Ministério da Saúde; 2004. Available from: http://conselho.saude.gov.br/images/Oficio_Circular_2_24fev2021.pdf
http://conselho.saude.gov.br/images/Ofic...
).

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, seguindo as determinações da Resolução 466/12.

Desenho, período e local do estudo

Trata-se de um estudo do tipo descritivo com abordagem quantitativa, exploratória e transversal, o qual buscou analisar os preditores de sobrecarga de trabalhadores do serviço de saúde mental durante o primeiro ano de pandemia de COVID- 19. A construção do estudo foi orientada pela ferramenta STROBE (STrengthening the Reporting of OBservational studies in Epidemiology) para estudos observacionais em epidemiologia.

A pesquisa foi realizada de outubro a dezembro de 2020, em quatro serviços de saúde mental do município de Botucatu, localizado no interior do estado de São Paulo, Brasil. Eles foram: dois Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), um tipo II adulto e outro tipo II modalidade álcool e outras drogas; uma Unidade de Internação de Agudos; e um Serviço de Atenção e Referência em Álcool e Drogas.

Amostra

Devido à restrição do número total de trabalhadores dos serviços selecionados (141), optou-se pela inclusão de todos aqueles com idade igual ou superior a 18 anos e que possuíam no mínimo seis meses de experiência de trabalho, intervalo de tempo considerado pelos autores como necessário para adaptação e conhecimento das particularidades dos serviços. Foram excluídos aqueles que não responderam o instrumento na sua totalidade.

Coleta de dados

Inicialmente, estabeleceu-se contato por meio telefônico com a coordenação dos serviços, para o agendamento de uma reunião com a finalidade de apresentar a proposta da pesquisa. Após esse primeiro diálogo, recolheram-se os endereços de e-mails dos trabalhadores. Em seguida, os trabalhadores receberam o convite e o contato via e-mail, por meio do contato de um dos pesquisadores. O convite constou de uma carta explicando o objetivo da pesquisa juntamente com o TCLE. Ao aceitar a participação na pesquisa, o indivíduo preencheu o instrumento de coleta via formulário online (Google Forms). Este foi composto por um questionário sociodemográfico e a Escala de Avaliação da Sobrecarga de Profissionais em Serviços de Saúde Mental (IMPACTO-BR).

O questionário sociodemográfico continha as seguintes variáveis: onde reside; sexo; idade; raça/cor; estado civil; qual seu maior grau de escolaridade; possui pós-graduação; em qual unidade atua; há quanto tempo trabalha neste serviço; profissão; salário; se houve diminuição da renda familiar em decorrência da pandemia; carga horária; período de atuação; tipo de vínculo empregatício; se possui outro vínculo empregatício; com quem vive; se há pessoas do grupo de risco para COVID-19 na casa em que reside; se o entrevistado faz parte do grupo de risco; realização de acompanhamento psicológico no passado e atualmente; atuação em contato direto com casos suspeitos e/ou confirmados de COVID-19; e como estão essas atividades atualmente com relação à afastamento, função alterada ou conservação do posto habitual.

Fazer parte do grupo de risco indica pertencer a uma ou mais desses aspectos: pessoa acima de 60 anos, diabético, hipertenso, cardiopata, problemas respiratórios.

A escala IMPACTO-BR integra um conjunto de escalas para avaliação de serviços de saúde mental, elaboradas pela Divisão de Saúde Mental da OMS, que foram validadas para o Brasil por Bandeira et al(1010 Bandeira M, Pitta AMF, Mercier C. The Brazilian mental health services’ staff satisfaction scale (SATIS-BR) and staff burden scale (IMPACTO-BR). J Bras Psiquiatr [Internet]. 2000[cited 2021 Oct 10];49(4):105-15. Available from: https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/lil-275816
https://pesquisa.bvsalud.org/portal/reso...
). Avalia a sobrecarga sentida pelos profissionais de saúde mental, em consequência do trabalho diário com pessoas com problemas de saúde mental. O questionário completo inclui 34 questões, dentre as quais apenas 18 constituem as questões quantitativas da escala propriamente dita, avaliando as repercussões do trabalho em diversos aspectos da vida do profissional. As alternativas de resposta estão dispostas em escala tipo Likert de 5 pontos, em que 1 = de forma alguma, 2 = não muito, 3 = mais ou menos, 4 = muito e 5 = extremamente. No total dos fatores e da escala global, quanto maior a média, maior a sobrecarga.

Os fatores da escala global estão agrupados em 3 categorias: 1. Efeitos sobre a saúde física e mental – avalia frequência de problemas físicos, de consultas ao médico, de tomar medicamentos, efeitos na estabilidade emocional; 2. Efeitos no funcionamento da equipe – está relacionado à frequência em que pensa em mudar de campo de trabalho, frequência de afastamentos, receio de ser agredido, qualidade do sono, saúde em geral; 3. Sentimento de estar sobrecarregado - sentir-se frustrado, sobrecarregado, deprimido, cansado e estressado por trabalhar com problemas de saúde mental(77 Fidelis FAM, Barbosa GC, Corrente JE, Komuro JE, Papini SJ. Satisfação e sobrecarga na atuação de profissionais em saúde mental. Esc Anna Nery 2021;25(3):e20200309. https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2020-0309
https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-20...
,1111 Bandeira M, Ishara S, Zuardi AW. Satisfaction and burden of mental health professionals: construct validity of the scales SATIS-BR and IMPACTO-BR. J Bras Psiquiatr. 2007;56(4):280-6. https://doi.org/10.1590/S0047-20852007000400007
https://doi.org/10.1590/S0047-2085200700...
).

Análise dos resultados e estatística

Os dados foram analisados por estatística descritiva (média, mediana, desvio padrão e intervalo de confiança de 95% para a média para os escores das escalas), apresentando as proporções das variáveis categóricas (frequência absoluta e relativa), e análise inferencial, por regressão linear múltipla de mínimos quadrados ordinários, em busca de preditores para a variação no escore da escala (IMPACTO-BR). O objetivo desta análise foi encontrar um modelo, um conjunto de variáveis, que explique a variação da variável dependente (escore da escala IMPACTO-BR).

Consideramos como valor de referência para associação entre as variáveis o valor de p menor ou igual a 0,05. Para análise mais robusta, utilizamos erros padrões robustos à heterocedasticidade.

RESULTADOS

De um total de 141 trabalhadores dos quatro serviços selecionados para o desenvolvimento da pesquisa, tivemos 108 participantes, sendo que as 33 ausências foram por recusas de participação e licenças do trabalho. Nenhum possuía menos de 6 meses de experiência.

Quanto ao perfil dos trabalhadores, 93,5% (n=101) residiam no município de Botucatu, 83,3% (n=90) eram do sexo feminino, 33,3% (n=36) tinham idade entre 38 e 47 anos, 81,5% (n=88) se autodeclararam brancos, 52,8% (n=57) referiram ser casados ou ter companheiro(a). A maioria, 30,6% (n=33), possuía pós- -graduação completa e trabalhava na Unidade de Internação de Agudos (36,1%(n=39)) há um período entre 5 e 10 anos (48,9% (n=52)), com renda mensal entre R$2.000 e R$4.000 (64,9%(n=70)), sendo que 35,1% (n=39) tiveram diminuição da renda familiar em decorrência da pandemia.

Com relação ao vínculo empregatício, 77,8% (n=85) possuíam uma jornada de trabalho de 30 horas semanais e 25,0% (n=27) relataram segundo vínculo, sendo que mais da metade dos participantes pertencia à equipe de enfermagem, incluindo 47,1% (n=52) técnicos ou auxiliares de enfermagem e 16,6% (n=18) enfermeiros.

Quase 80% (n=85) dos trabalhadores seguiam atuando em contato direto com casos suspeitos e/ou confirmados de COVID-19, e 95,5% (n=103) não tiveram alteração de função, remanejamento ou afastamento. Apesar de a maioria, 68,5% (n=73), não fazer parte do grupo de risco para COVID-19, grande parte vivia com uma pessoa que fazia parte desse grupo (45% (n=48)). Além disso, 52,3% (n=58) referiram que já realizaram ou ainda realizavam no momento da pesquisa (21,6% (n=23)) algum tipo de acompanhamento psicológico e/ou psiquiátrico.

A análise descritiva da escala IMPACTO-BR, apresentada na Tabela 2, foi realizada individualmente para cada um dos fatores, a fim de identificar o grau de sobrecarga sobre a saúde e o desempenho do trabalhador. O escore global teve média de 2,03 (DP 0,71), indicando grau de sobrecarga entre “não muito” e “mais ou menos”. Esse resultado indica que os trabalhadores apresentaram medianos índices de sobrecarga.

Tabela 1 Perfil sociodemográfico e profissional de trabalhadores da saúde mental de serviços de saúde mental durante a pandemia de COVID-19, Botucatu, São Paulo, Brasil, 2020 (n=108)
Variáveis (n=108) Frequências
% n
Sexo
Feminino 83,3 90
Masculino 16,7 18
Faixa etária
18-27 1,9 2
28-37 24,1 26
38-47 33,3 36
48-57 28,7 31
Acima de 58 12,0 13
Raça/cor
Branca 81,5 88
Negra 13,0 14
Outros 5,5 6
Estado civil
Solteiro 23,1 25
Casado/com companheiro(a) 52,8 57
Separado/divorciado 19,7 23
Viúvo 2,8 3
Escolaridade
Ensino fundamental 1,9 2
Ensino médio 9,2 10
Curso técnico 25,3 27
Ensino superior 24,1 26
Ensino superior incomplete 8,3 9
Pós-graduação 31,5 34
Tipo de serviço
Unidade de Internação de Agudos 36,1 39
Centro de Atenção Psicossocial II Adulto 23,1 25
Centro de Atenção Psicossocial II Álcool e Drogas 13,0 14
Serviço de Atenção e Referência em Álcool e Droga 27,8 30
Categoria profissional
Médico 6,5 7
Enfermeiro 16,6 18
Assistente social 5,6 6
Psicólogo 4,6 5
Técnico/auxiliar de enfermagem 47,1 52
Terapeuta ocupacional 3,7 4
Auxiliar de serviços de saúde 9,3 10
Outros 5,4 6
Tempo de trabalho no serviço
1-4 anos 18,5 19
5-10 anos 48,9 52
Mais de 10 anos 34,3 37
Faixa salarial* *Considerar salário mínimo do Brasil de 2020 de R$1.100,00.
Até 2 salários mínimos 17,6 19
3-4 salários mínimos 64,9 70
5-6 salários mínimos 18,5 19
Houve diminuição da renda familiar
Sim 35,1 39
Não 64,9 69
Tem outro vínculo empregatício
Sim 25,0 27
Não 75,0 81
Carga horária semanal
20h 3,7 3
30 h 77,8 85
40 h 6,5 7
Outro 12,0 13
  • *Considerar salário mínimo do Brasil de 2020 de R$1.100,00.
  • Tabela 2
    Medidas descritivas dos escores da Escala de Avaliação do Impacto do Trabalho em Serviços de Saúde Mental (IMPACTO-BR) em trabalhadores da saúde mental durante a pandemia de COVID-19, Botucatu, São Paulo, Brasil, 2020 (n=108)

    O primeiro fator apontou o menor grau de sobrecarga das equipes dos serviços estudados com média de 1,95 (DP 0,84), resultado referente aos efeitos sobre a saúde física e mental, e o terceiro fator apresentou o maior grau de sobrecarga, com média de 2,19 (DP 0,78), resultado relativo ao sentimento de estar sobrecarregado.

    Ao buscar preditores para sobrecarga, ou seja, variáveis que estão associadas a maiores escores de sobrecarga no escore global da escala IMPACTO-BR, encontramos que os trabalhadores que fazem acompanhamento psicológico ou psiquiátrico são os que se sentem mais sobrecarregados, assim como quem está desempenhando as atividade normalmente (p ≤0,03), como mostra a Tabela 3.

    Tabela 3
    Análise multivariada das variáveis socioeconômicas em relação à Escala de Avaliação do Impacto do Trabalho em Serviços de Saúde Mental (IMPACTO-BR) em trabalhadores da saúde mental durante a pandemia de COVID-19, Botucatu, São Paulo, Brasil, 2020 (n=108)

    Na Tabela 4, ao buscar preditores para cada fator da escala, encontramos que, no fator 1, saúde física e mental, os trabalhadores que faziam parte do grupo de risco sentiram maior sobrecarga saúde física e mental (p ≤0,03). No fator 2, sobrecarga sobre o funcionamento da equipe, os trabalhadores que se autodeclararam negros sentiram menos sobrecarga (p≤0,04), ao mesmo tempo que aqueles que atuavam diretamente com casos suspeitos ou confirmados de COVID-19 sentiram-se mais sobrecarregados com a equipe, e também com relação ao fator 3, sentimento de estar sobrecarregado (p≤0,03). Os trabalhadores que faziam acompanhamento psiquiátrico e/ou psicológico apresentaram sobrecarga significante nos três fatores (p <0,05).

    Tabela 4
    Análise multivariada das variáveis socioeconômicas em relação aos fatores da Escala de Avaliação do Impacto do Trabalho em Serviços de Saúde Mental (IMPACTO-BR) em trabalhadores da saúde mental durante a pandemia de COVID-19, Botucatu, São Paulo, Brasil, 2020 (n=108)

    Todas as variáveis incluídas nas análises atuaram como controles, ou seja, podemos inferir que as variáveis que apresentaram associações independem dos controles.

    DISCUSSÃO

    Esta pesquisa foi realizada no decorrer do primeiro ano da pandemia de COVID-19, período marcado pelo desconhecimento da situação, elevadas taxas de contágio e necessidades imediatas de adaptação de toda a sociedade e dos serviços de saúde. Neste contexto, encontramos que, de acordo com o escore global da escala IMPACTO-BR, os trabalhadores dos serviços de saúde mental referem valores medianos de sobrecarga. Esse dado condiz com um estudo transversal realizado com enfermeiros de diferentes atuações, que associou atuar na área de saúde mental com menores sintomas de depressão, ansiedade e estresse, fator relacionado com sua formação especializada, que permite autoconsciência como pessoa e profissional, conforme trazem os autores(1212 Pinho LG, Sampaio F, Sequeira C, Teixeira L, Fonseca C, Lopes MJ. Portuguese nurses’ stress, anxiety, and depression reduction strategies during the COVID-19 outbreak. Int J Environ Res Public Health. 2021;18(7):3490. https://doi.org/10.3390/ijerph18073490
    https://doi.org/10.3390/ijerph18073490...
    ).

    O estudo demonstra também que pessoas que fazem acompanhamento psicológico ou psiquiátrico manifestaram maiores escores de sobrecarga pessoal e com relação à equipe, assim como maior impacto na saúde física e mental e no sentimento de estar sobrecarregado. Um estudo transversal com residentes de psiquiatria, realizado no início da pandemia na Arábia Saudita, evidencia dados semelhantes, em que os entrevistados que receberam ajuda de saúde mental nos últimos dois anos tiveram 6,59 vezes mais probabilidade de sofrer esgotamento e sintomas depressivos(1313 Alkhamees AA, Assiri H, Alharbi HY, Nasser A, Alkhamees MA. Burnout and depression among psychiatry residents during COVID-19 pandemic. Hum Resour Health. 2021;19(1):46. https://doi.org/10.1186/s12960-021-00584-1
    https://doi.org/10.1186/s12960-021-00584...
    ).

    Outro ponto revelado foi que os trabalhadores que desempenham as atividades normalmente sentiram mais impacto na sobrecarga, que pode ser justificado pelo medo da contaminação de familiares e autocontaminação, escassez de pessoal, uso prolongado de EPI ou a falta deles, mudanças frequentes em protocolos e na rotina, como revela a literatura(33 Rubin JG, Wessely S. The psychological effects of quarantining a city. BMJ 2020;368:m313. https://doi.org/10.1136/bmj.m313
    https://doi.org/10.1136/bmj.m313...
    ,1414 Goh YS, Yong QYJO, Chen THM, Ho SHC, Chee YIC, Chee TT. The impact of COVID‐19 on nurses working in a university health system in Singapore: a qualitative descriptive study. Int J Ment Health Nurs. 2020;30(3):643-52. https://doi.org/10.1111/inm.12826
    https://doi.org/10.1111/inm.12826...
    ,1515 Teixeira CFS, Soares CM, Souza EA, Lisboa ES, Pinto ICM, Andrade LR, et al. The health of healthcare professionals coping with the Covid-19 pandemic. Ciênc Saúde Coletiva. 2020;25(9). https://doi.org/10.1590/1413-81232020259.19562020
    https://doi.org/10.1590/1413-81232020259...
    ,1616 Oliveira WA, Oliveira-Cardoso EA, Silva JL, Santos MA. Psychological and occupational impacts of the recent successive pandemic waves on health workers: an integrative review and lessons learned. Estud Psicol. 2020;37. https://doi.org/10.1590/1982-0275202037e200066
    https://doi.org/10.1590/1982-0275202037e...
    ). Em uma reflexão acerca do autocuidado entre os profissionais da enfermagem, um estudo aborda a questão das jornadas de trabalho longas e desgastantes, atribuindo enfoque para o predomínio do sexo feminino na classe, como demonstrado também na presente pesquisa (83,3% dos participantes), destinando às mulheres os afazeres domésticos em sua maioria(1616 Oliveira WA, Oliveira-Cardoso EA, Silva JL, Santos MA. Psychological and occupational impacts of the recent successive pandemic waves on health workers: an integrative review and lessons learned. Estud Psicol. 2020;37. https://doi.org/10.1590/1982-0275202037e200066
    https://doi.org/10.1590/1982-0275202037e...
    ). O mesmo estudo aponta que a carga horária somada à diminuição do tempo para atividades de lazer e à exposição aos riscos existentes nos locais de trabalho geram prejuízos na qualidade de vida no trabalho. Outros fatores capazes de influenciar a sobrecarga podem incluir a discriminação relacionada ao gênero, as expectativas de gênero na prestação de cuidados e a falta de atenção ao trabalho de “dupla jornada” com alta carga de trabalho em casa(1717 Cruz TA, Carvalho AMC, Silva RD. Reflexão do autocuidado entre os profissionais de enfermagem. Rev Enferm Contemp. 2016;5(1):96-108. https://doi.org/10.17267/2317-3378rec.v5i1.566
    https://doi.org/10.17267/2317-3378rec.v5...
    ,1818 Prasad K, McLoughlin C, Stillman M, Poplau S, Goelz E, Taylor S, et al. Prevalence and correlates of stress and burnout among U.S. healthcare workers during the COVID-19 pandemic: a national cross-sectional survey study. EClinicalMedicine. 2021;35:100879. https://doi.org/10.1016/j.eclinm.2021.100879
    https://doi.org/10.1016/j.eclinm.2021.10...
    ).

    Com relação aos preditores da sobrecarga física e mental, pessoas do grupo de risco sentem maior sobrecarga física e mental, fato evidenciado também em uma revisão de literatura, em que profissionais com doenças crônicas apresentaram maior prevalência de ansiedade, explicada pelo maior risco de complicações e morte relacionadas à COVID-19(1919 Silva DFO, Cobucci RN, Soares-Rachetti VP, Lima SCVC, Andrade FB. Prevalence of anxiety among health professionals in times of COVID-19: a systematic review with metaanalysis. Ciênc Saúde Coletiva. 2021;26(2):693-710. https://doi.org/10.1590/1413-81232021262.38732020
    https://doi.org/10.1590/1413-81232021262...
    ).

    Analisando os preditores para sobrecarga pessoal e com relação à equipe e no sentimento de estar sobrecarregado, trabalhadores que atuam diretamente com casos suspeitos ou confirmados de COVID-19 sentiram mais impacto para ambos. Resultados semelhantes são encontrados em diversos estudos que avaliaram maiores níveis de ansiedade, depressão e estresse, pelo medo de contaminar familiares ou a si mesmo(2020 Sampaio F, Sequeira C, Teixeira L. Nurses’ mental health during the Covid-19 outbreak: a cross-sectional study. J Occup Environ Med. 2020;62(10):783-7. https://doi.org/10.1097/JOM.0000000000001987
    https://doi.org/10.1097/JOM.000000000000...
    ,2121 Pedroso RM, Murguía EDI. Anxiety and depression symptoms in health personnel who work with COVID-19 patients. Int J Med Surg Sci. 2021;8(1):1-12. https://doi.org/10.3389/fpubh.2021.603273
    https://doi.org/10.3389/fpubh.2021.60327...
    ,2222 Dal’Bosco EB, Floriano LSM, Skupien SV, Arcaro G, Martins AR, Anselmo ACC. Mental health of nursing in coping with COVID-19 at a regional university hospital. Rev Bras Enferm. 2020;73(2):e20200434. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0434
    https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0...
    ). Pesquisas que comparam profissionais da saúde com a população em geral revelam níveis mais altos do sentimento de estar sobrecarregado, como ansiedade, depressão e estresse(2020 Sampaio F, Sequeira C, Teixeira L. Nurses’ mental health during the Covid-19 outbreak: a cross-sectional study. J Occup Environ Med. 2020;62(10):783-7. https://doi.org/10.1097/JOM.0000000000001987
    https://doi.org/10.1097/JOM.000000000000...
    ,2323 Lai J, Ma S, Wang Y, Cai Z, Hu J, Wei N, et al. Factors Associated With Mental Health Outcomes Among Health Care Workers Exposed to Coronavirus Disease 2019. JAMA Netw Open. 2020;3(3):e203976. https://doi.org/10.1001/jamanetworkopen.2020.3976
    https://doi.org/10.1001/jamanetworkopen....
    ).

    Outro estudo encontrou altos níveis de estresse na população negra e latina. Também aponta que trabalhadores de saúde negros e latinos, em comparação com brancos, apresentaram menos sintomas de burnout, ao mesmo tempo que referiram maior medo com relação à exposição ao vírus, e um maior senso de significado e propósito com o trabalho foi frequentemente observado entre trabalhadores com minorias raciais, 68,3% em negros, além de baixa prevalência de sentimento de valorização com o trabalho durante a pandemia nos trabalhadores brancos(1818 Prasad K, McLoughlin C, Stillman M, Poplau S, Goelz E, Taylor S, et al. Prevalence and correlates of stress and burnout among U.S. healthcare workers during the COVID-19 pandemic: a national cross-sectional survey study. EClinicalMedicine. 2021;35:100879. https://doi.org/10.1016/j.eclinm.2021.100879
    https://doi.org/10.1016/j.eclinm.2021.10...
    ). Os resultados desta pesquisa apontaram que os trabalhadores que se autodeclararam negros sentem menos sobrecarga sobre o funcionamento da equipe.

    Uma análise a respeito das repercussões da percepção de ameaça da COVID-19 evidenciou uma relação positiva entre a percepção e problemas de saúde mental, ou seja, uma alta intuição de ameaça se associa- a altas pontuações em sintomas somáticos, ansiedade, insônia, depressão e disfunção social. Dessa forma, casos confirmados de COVID-19 em pessoas próximas ou nos próprios trabalhadores afetam a gravidade e risco percebidos, impactando a saúde mental dos trabalhadores(2323 Lai J, Ma S, Wang Y, Cai Z, Hu J, Wei N, et al. Factors Associated With Mental Health Outcomes Among Health Care Workers Exposed to Coronavirus Disease 2019. JAMA Netw Open. 2020;3(3):e203976. https://doi.org/10.1001/jamanetworkopen.2020.3976
    https://doi.org/10.1001/jamanetworkopen....
    ).

    Como recomendações, a literatura traz, no que diz respeito ao processo de trabalho: a adoção de turnos de seis horas de trabalho dos enfermeiros; divisão de equipes de saúde para atendimento à confirmados ou suspeitos de COVID-19 e de não COVID-19 para reduzir o risco de transmissão; capacitação dos trabalhadores para uniformizar o processo de trabalho assim como a colocação e retirada de EPIs(1515 Teixeira CFS, Soares CM, Souza EA, Lisboa ES, Pinto ICM, Andrade LR, et al. The health of healthcare professionals coping with the Covid-19 pandemic. Ciênc Saúde Coletiva. 2020;25(9). https://doi.org/10.1590/1413-81232020259.19562020
    https://doi.org/10.1590/1413-81232020259...
    ). Ainda segundo os autores, no que tange à saúde mental dos trabalhadores da saúde, destacam-se medidas, como a criação de equipes de suporte psicológicos, que inclui acolhimento e atendimento à crise, e a utilização da rede de Atenção Psicossocial. Outra análise apresenta como estratégias de enfrentamento, adicionais ao suporte psicológico, práticas integrativas complementares, como yoga, Reiki e exercícios de relaxamento(2222 Dal’Bosco EB, Floriano LSM, Skupien SV, Arcaro G, Martins AR, Anselmo ACC. Mental health of nursing in coping with COVID-19 at a regional university hospital. Rev Bras Enferm. 2020;73(2):e20200434. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0434
    https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0...
    ).

    Evidências trazem que atualizações regulares e mudanças nos protocolos de controle de infecções, apesar de gerar certa frustração e exaustão, tranquilizaram os trabalhadores, por receberem informações frequentes da organização a respeito das atualizações sobre a COVID-19, como se proteger e o que fazer ao expor-se, transmitindo o sentimento de apoio e proteção(1414 Goh YS, Yong QYJO, Chen THM, Ho SHC, Chee YIC, Chee TT. The impact of COVID‐19 on nurses working in a university health system in Singapore: a qualitative descriptive study. Int J Ment Health Nurs. 2020;30(3):643-52. https://doi.org/10.1111/inm.12826
    https://doi.org/10.1111/inm.12826...
    ).

    Limitações do estudo

    Este estudo tem como limitação a sua abrangência, pois analisou apenas quatro serviços de um município. Com isso, torna-se importante novas pesquisas que abordem o mesmo conceito de sobrecarga profissional, para comparação em outros contextos. Outra limitação é que a coleta de dados foi realizada de forma online, desta forma, dependendo do acesso à tecnologia disponível para cada indivíduo, além de envolver o autorrelato dos participantes, é possível o viés de resposta. Podemos citar também o fato de ser um estudo transversal, que impossibilita determinar a relação de causa e efeito.

    Não avaliamos estratégias de promoção da saúde utilizadas pelos participantes, fator que pode interferir nos resultados. Como mostra a literatura, trabalhadores que referiram passar menos tempo procurando informações sobre o COVID-19 realizavam descanso entre os turnos de trabalho, tinham uma alimentação saudável, verbalizavam sentimentos/emoções e mantinham conexões sociais, apresentaram menos sintomas de ansiedade, depressão e estresse(1212 Pinho LG, Sampaio F, Sequeira C, Teixeira L, Fonseca C, Lopes MJ. Portuguese nurses’ stress, anxiety, and depression reduction strategies during the COVID-19 outbreak. Int J Environ Res Public Health. 2021;18(7):3490. https://doi.org/10.3390/ijerph18073490
    https://doi.org/10.3390/ijerph18073490...
    ).

    Contribuições para a área da enfermagem e saúde

    Pesquisas acerca da sobrecarga do profissional da saúde mental durante a pandemia de COVID-19, uma temática recente, são importantes, porém escassas. Estudos que analisam a sobrecarga de trabalhadores são bons indicadores de rastreamento da saúde dos trabalhadores, auxiliando nas estratégias para enfrentar as fragilidades que os serviços de saúde apresentam.

    As evidências apresentadas na presente pesquisa contribuirão para a literatura acerca da saúde mental dos trabalhadores da saúde mental durante a pandemia de COVID-19, possibilitando a implementação de estratégias de enfrentamento que previnam e rastreiem precocemente a sobrecarga profissional, a fim de promover bem-estar psicológico.

    Faz-se necessário um olhar mais atento aos trabalhadores dos serviços de saúde mental, visando estratégias mais efetivas para trabalhar a prevenção e promoção da saúde, produzindo força de trabalho que pode refletir em uma melhor qualidade no cuidado do usuário. Cabe salientar que a qualidade no cuidado às pessoas com problemas de saúde mental é uma consequência do cuidado aos trabalhadores.

    CONCLUSÕES

    O escore global indicou um grau de sobrecarga mediano entre os trabalhadores de saúde mental. Além disso, ao analisar os fatores preditores da sobrecarga dos trabalhadores da saúde mental durante a pandemia de COVID-19, apresentou-se como desfecho que aqueles que estavam em acompanhamento psicológico e/ou psiquiátrico apresentaram mais sobrecarga em todas as dimensões analisadas. Destaca-se, ainda, uma importante sobrecarga dos trabalhadores que não tiveram alterações na jornada de trabalho, que trabalham diretamente com casos positivos ou suspeitos de COVID-19 e que pertencem ao grupo de risco, e que condições de trabalho comumente observadas em tempos de pandemia, em conjunto com necessidades de cuidado à saúde mental dos trabalhadores, predizem sobrecarga no trabalho em saúde.

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    Editado por

    EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
    EDITOR ASSOCIADO: Alexandre Balsanelli

    Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Jun 2022
    • Data do Fascículo
      2022

    Histórico

    • Recebido
      20 Out 2021
    • Aceito
      21 Mar 2022
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