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Duas décadas de pesquisa com os Xakriabá do Norte de Minas: do diagnóstico da economia ao monitoramento da pandemia da Covid-19

Two decades of research with the Xakriabá from the Norte of Minas: from economic diagnosis to the monitoring of the Covid-19 pandemic

Resumo

Este artigo reflete 20 anos de investigações com os Xakriabá, confrontando o início dos anos 2000, quando foi realizada pesquisa de diagnóstico da economia, com as ações de enfrentamento da pandemia de Covid-19, para elaborar diálogos e enfatizar diferenças que tragam indicações para sua continuidade. Para além da referência local, a reflexão desloca as questões em direção a uma concepção ampliada da economia, entendida como gestão do espaço de vida. Tais questões levam a desdobramentos ligados a novas relações entre natureza, espaço de vida e urbanização. A participação dos Xakriabá nos processos de investigação nos dois momentos mostra o avanço do seu protagonismo no controle do seu território, na apropriação das políticas públicas e na interação com parceiros da Universidade. O aprendizado conjunto de pesquisadores e dos Xakriabá - hoje também pesquisadores - fortalece possibilidades e reinvenções de “outras” práticas econômicas, constituindo desafios contemporâneos para pesquisadores, professores e cidadãos.

Palavras-chave:
Povos indígenas; Etnodesenvolvimento; Xakriabá

Abstract

This paper addresses a twenty-year research process with the Xakriabá indigenous people, confronting its beginnings in the early 2000 decade, when we carried out a diagnostic survey of their economy, and the contemporary context of Covid-19 pandemic. It attempts to build dialogues and to emphasize the differences in order to indicate possibilities for its continuation. Beyond the local references, our reflection shows the displacement of questions towards an approach of the economy understood as the management of life space. Such an approach gains prominence and leads to new relationships between nature, life space and urbanization. The participation of the Xakriabá in the research processes at both times shows their roles as protagonists in controlling their own territory, in appropriating public policies and in interacting with partners from the University. The mutual learning of both academic researchers and the Xakriabá population - today, also ‘academic’ researchers - strengthens possibilities and reinventions of 'other' economic practices, constituting contemporary challenges for researchers, teachers and citizens.

Keywords:
Indigenous populations; ethnodevelopment; Xakriabá

1 Introdução

Uma cena emblemática nos serve para abrir, como marco temporal e temático, a discussão e as análises que propomos neste artigo. A cena aconteceu no ano 2000, na aldeia Itapicuru da Terra Indígena Xakriabá (TIX), na casa de Seu João de Nana, pai da professora Roseni, considerado um dos mais qualificados agricultores da região. Com Seu João conversavam a então coordenadora do Programa de Implantação de Escolas Indígenas (PIEI/MG) e um pesquisador italiano que se dedicava ao estudo da economia solidária e da economia popular. O tema de fundo era a possibilidade de fornecimento de merenda para as escolas indígenas recém-implantadas em regime “específico e diferenciado”,1 1 “Específica, diferenciada, intercultural e bilíngue” - estes são os termos usados nos artigos que tratam da educação escolar indígena na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9.394/1996). de forma que o funcionamento dessas escolas pudesse, na visão dos pesquisadores e colaboradores, incentivar e propulsionar a produção agrícola local.

Tal possibilidade era pensada a partir da observação do florescimento do comércio no entorno da TIX, impulsionado pelo movimento sistemático de mercadorias instaurado pelo funcionamento das escolas indígenas nas aldeias. Em primeiro lugar, é importante registrar o aumento significativo em termos quantitativos. De um atendimento que alcançava pouco mais de 500 estudantes em 12 escolas até 1995, a criação das escolas indígenas em regime “específico e diferenciado”, e com a condução exclusiva de professores indígenas em Minas Gerais desde 1997, aumentou as matrículas para cerca de 1.300 estudantes em 29 endereços escolares (Gomes, 2006GOMES, A. M. R.; MONTE-MÓR, R. L. M. Educação e alternativas de produção: diagnóstico da economia e implementação de projetos de sustentabilidade junto à comunidade indígena Xakriabá (Norte de Minas Gerais). In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL DA ARIC - Association pour la Recherche Inter Culturelle na América Latina, III., 2006, Florianópolis. Florianópolis: UFSC, 2006.). Além disso, as escolas indígenas foram estadualizadas, de forma que o fornecimento da merenda até então muito irregular, a cargo das prefeituras locais e da Funai, passou a ser financiado de forma contínua, com recursos estaduais assegurados para manutenção das escolas. Portanto, além do próprio funcionamento das salas de aula indígenas - o que era tema das normativas e dos dispositivos institucionais explicitamente dirigidos para essa dimensão pedagógica - houve, paralelamente, a criação de um sistema de gestão das escolas indígenas (não previsto em suas especificidades), com execução de ações e despesas recorrentes e regulares (Santos, 2006SANTOS, M. E. Práticas instituintes de gestão das escolas Xacriabá. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Educação: Conhecimento e Inclusão Social, Belo Horizonte: UFMG, 2006.). Assim como floresceu um sistema de fornecimento e circulação de bens e serviços relacionados ao funcionamento das escolas, surgiu contemporaneamente, poderíamos dizer, um movimento de organização de suas associações comunitárias e o início da participação em projetos sociais implementados com diversas fontes de financiamento (Escobar; Galvão; Gomes, 2017ESCOBAR, S. A.; GALVÃO, A. M. O.; GOMES, A. M. R. Culturas do escrito nas associações e projetos sociais indígenas: um estudo sobre os Xakriabá, Minas Gerais. Rev. Brasileira de Educação [online], v. 22, n. 68, pp.231-253, 2017.).

A cena emblemática dizia respeito à possibilidade de que os produtores locais pudessem ser os fornecedores da merenda para as escolas. E a conversa com Seu João de Nana, considerado um agricultor na melhor posição para ser um desses fornecedores, era um movimento inicial na busca de encaminhar essa possível “solução”.

No entanto, a conversa foi marcada por um claro desentendimento em relação aos pressupostos que poderiam sustentar o tipo de diálogo pretendido. Da parte do pesquisador sobre economia solidária e popular, o vocabulário trazia a ideia de um “excedente de produção que poderia ser comercializado”. E se discutia então sobre a quantidade e a modalidade dessa produção, de maneira que ela pudesse efetivamente atender à “demanda existente”. Seu João de Nana, a partir de outra lógica, reiterava continuamente o fato de que a produção “a mais” da qual ele dispunha, especialmente em relação ao plantio do feijão que ele estocava em sua casa, não poderia ser utilizada para outras finalidades como essa de ser vendida ou fornecida às escolas. A conversa ia e voltava. A ideia de que a produção não fosse suficiente, e daí talvez o motivo da recusa, provocava no pesquisador a tentativa de entender os meios pelos quais essa produção pudesse ser aumentada, e então comercializada. Falava-se de contratação de mais pessoas, de local de armazenamento e de possibilidade de transporte da produção, entre outras questões. Seu João de Nana acompanhava essas proposições, fazia algumas afirmações fortes, parecia concordar, mas sempre com ar um pouco duvidoso, e ao final voltava a reafirmar a impossibilidade de comercializar aquilo que era considerado “o excedente”.

A coordenadora do PIEI/MG acompanhava o diálogo duvidoso, e sorria, embora ela também não conseguisse explicar o porquê da recusa. Seu João de Nana operava e interagia a partir de uma lógica muito diferente daquela implícita na ideia de “excedente de produção”. Ele reafirmava a necessidade de manter o feijão produzido à disposição das demais famílias, que poderiam, eventualmente, ter necessidade de sua utilização. O resultado do cultivo agrícola era assumido como um patrimônio comum, resultado de um esforço coletivo e que, pela lógica da reciprocidade (Mauss, 2003MAUSS, M. Ensaio sobre a dádiva. In: MAUSS, M. Sociologia e Antropologia. São Paulo: Cosac Naif, 2003 (1923-1924)./1923-1924), circulava entre as famílias que se reconheciam nessas relações de autossustentação coletiva.

Um modo que o pesquisador usou para verificar o alcance dessas relações foi indagar sobre a circulação de dinheiro, uma vez que a troca de alimentos provindos do cultivo agrícola não era mediada por transação monetária. E revelou-se que a necessidade do recurso monetário, quando eventualmente acontecia para, por exemplo, comprar ferramentas, era atendida com a venda de gado. Portanto, de alguma forma, dois diferentes regimes de trocas e transações econômicas pareciam conviver, respondendo a necessidades diferentes, assim como colocavam em campo dinâmicas econômicas e vínculos sociais também diferentes.

Foi nesse contexto de relações que, entre 2004 e 2005, foi empreendida a pesquisa “Conhecendo a Economia Xakriabá” (UFMG/AIX, 2005; Gomes; Monte-Mór, 2006GOMES, A. M. R.; MONTE-MÓR, R. L. M. Educação e alternativas de produção: diagnóstico da economia e implementação de projetos de sustentabilidade junto à comunidade indígena Xakriabá (Norte de Minas Gerais). In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL DA ARIC - Association pour la Recherche Inter Culturelle na América Latina, III., 2006, Florianópolis. Florianópolis: UFSC, 2006.), que foi expressamente comissionada por Domingos Nunes de Oliveira, que havia assumido a posição de Cacique à frente do povo Xakriabá em 2003, após o falecimento do Cacique Rodrigão. A pesquisa se colocava, então, como um grande desafio em um quadro que trazia novidades em muitos sentidos.

Em 2020 aconteceu novo convite das lideranças e do Cacique Domingos para que, dessa vez, se retomassem temas que à época da primeira pesquisa haviam sido somente apresentados de forma ilustrativa em algumas reuniões e conversas, mas que não foram desenvolvidos, como o da possível criação de uma moeda local. Com esse mote inicial houve uma reaproximação que, no entanto, foi interceptada pelo evento da pandemia. De forma inesperada e contingencial, fomos levados a uma atuação com os Xakriabá que mirava muito mais a construção de ações e instrumentos de enfrentamento da pandemia, em um quadro de seu agravamento em muitas das terras indígenas do país e da emergência sanitária que se instalou. De forma inesperada, a pandemia, no entanto, revelou a capacidade de resposta - em termos de organização coletiva e controle social - expressa pelos Xakriabá de modo incisivo e decisivo. Foi nesse sentido que as ações desenvolvidas em um quadro de emergência acabaram por assumir feições de uma autogestão territorial contingente; além do que se apropriaram do instrumental de pesquisa que foi utilizado, revelando uma competência difusa que se instalou ao longo das duas últimas décadas. Para além do significado local dessa resposta, sua força e incisividade levanta questões também para a sociedade em geral no que diz respeito à possibilidade de rearticulação de vínculos sociais e construção de novas formas de ação solidária e soberana.

Neste artigo buscamos reunir reflexões e sinalizar análises sobre as ações que ocorreram no arco desses 20 anos, antes de mais nada para nos situarmos em relação ao ocorrido, e como forma de elaborar nosso diálogo com os muitos atores sociais entre os Xakriabá com os quais interagimos. O confronto entre os dois momentos nos serve de enquadramento para colocar em perspectiva as diferenças que emergem com força em cada um deles e, assim, avançar nas possíveis indicações para as ações de continuidade já em curso.

2 A Terra Indígena Xakriabá: breves referências históricas2 2 Dados históricos utilizados em Clementino & Monte-Mór (2006), com base em várias publicações, sendo as principais: Funai (1969), José (1965), Marcato (1978), Paraíso (1987), Saint-Adolphe (1845) Santos (1997).

Os Xakriabá pertencem ao grupo linguístico Macro-Jê, divisão Akwén (que inclui também os Xavante e os Xerente), composto por habitantes das terras entre as bacias dos rios São Francisco, Tocantins, Araguaia e Rio das Mortes, dispersos numa área que englobaria partes dos estados de Minas Gerais, Goiás (hoje, também Tocantins) e Maranhão. Longe das florestas densas, descobriram cedo que se achavam no olho do furacão: habitavam a rota de abastecimento das Minas que, no século XVIII, já havia se convertido na principal atividade da colônia, meio do caminho entre as regiões mais povoadas - Bahia e Pernambuco - e a área da mineração.

A TIX tem seu território localizado no município de São João das Missões, Norte de Minas Gerais, no Alto-Médio-São Francisco, a mais de 700 km de Belo Horizonte, com cerca de 12.000 indígenas distribuídos por mais de 30 aldeias em uma área de aproximadamente 53mil hectares.3 3 Existem hoje duas TIs em contiguidade: TIX e TIX-Rancharia, essa última homologada em 2003. Há alguns anos os Xakriabá estão em “processo de retomada”, qual seja, estão buscando ampliar suas terras de modo a englobar territórios e comunidades de “parentes” - famílias que aceitaram sair da TIX décadas atrás e que hoje estão dispostas a ceder suas terras privadas para serem incorporadas à terra coletiva. A “retomada” proposta se estende, a sudeste, até as margens do rio São Francisco. Essa “área de retomada” foi reconhecida em relatório publicado pela Funai em 2015, sem que fosse, porém, dada continuidade aos procedimentos para chegar à homologação pelo governo brasileiro. Entender a conformação do território e do povo Xakriabá implica resgatar um pouco da história de suas relações com a sociedade envolvente.

Em 1674, o bandeirante paulista Fernão Dias havia incorporado várias faixas do território mineiro, e seu filho, Matias Cardoso, produziu o primeiro relato histórico sobre os Xakriabá. Cardoso e seus homens escravizaram os Xakriabá utilizando-os como mão de obra escrava na abertura de fazendas, na fundação do Arraial de Morrinhos e na guerra contra outros indígenas da região. Januário Cardoso, filho de Matias, pouco antes de morrer doou aos Xakriabá, em 1728, uma faixa de terras que equivaleria hoje a todo o território do município de Itacarambi (do qual São João das Missões se emancipou em 1996) e parte do município de Manga.

Após terem seu espaço de vida reduzido a essa faixa de terra doada, os Xakriabá viveram a progressiva expropriação de seu território ao longo dos séculos XIX e XX. Com o esgotamento das fronteiras agrícolas no sul e sudeste do país, e nas regiões mais centrais e dinâmicas de Minas Gerais, cresceu a cobiça pelas terras dos sertões e dos cerrados, intensificando, até o nível do confronto armado, as tentativas de expulsá-los de suas terras, apesar do reconhecimento legal do Termo de Doação.4 4 O termo foi registrado em Mariana logo após a promulgação da Lei de Terras, em 1850 (Santos, 1997).

No final do século XIX e início do XX, os Xakriabá já constituíam o único grupo indígena remanescente na região (Santos, 2013SANTOS, R. M. O gê dos gerais: elementos de cartografia para a etno-história do planalto central: contribuição à antropogeografia do cerrado. 2013. Dissertação (Mestrado Profissional em Desenvolvimento Sustentável) - Universidade de Brasília, Brasília, 2013.) e acolheram, em seu território, migrantes nordestinos que fugiram da fome e da seca. Já na primeira metade do século XX, uma série de conflitos marcou as relações entre os Xakriabá e as populações não índígenas regionais.

A partir de 1969, a possibilidade de inclusão de aldeias indígenas em um projeto de colonização capitaneado pela Ruralminas5 5 A Ruralminas, criada em 1966 e extinta em 2016, era o órgão estadual encarregado de regularizar a terra e promover a colonização em áreas “não ocupadas”. Como em instituições similares em outros estados, sua atuação foi marcada por interesses econômicos, beneficiando grandes proprietários e grupos políticos. atraiu fazendeiros e agroempresários e funcionou como catalisador dos inúmeros conflitos latentes e existentes. A Funai não tinha uma visão clara dos Xakriabá e não os reconhecia como “índios”, adotando uma postura ambígua. Apenas em 1987, com o episódio de violência que teve repercussões nacionais com o assassinato do líder Rosalino Gomes, a Funai portou a termo a homologação da TI Xakriabá, com 46.414,92 ha, menos de um terço do território doado em 1728.

Os Xakriabá sofreram constantes e sistemáticas invasões e questionamentos de sua identidade, motivados por outros interesses na sua terra, mas também, e não menos traumático, por não apresentarem as características que o senso comum atribui aos índios. Ao longo desses anos eles têm reagido a essa pressão, desencadeando processos internos que reforçam o pertencimento étnico, assim como vêm assumindo cada vez mais a cena pública. A presença dos Xakriabá se faz sentir no cenário regional, na Articulação Rosalino com as demais populações tradicionais do Norte de Minas, no cenário nacional junto à APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), assim como tem participado de movimento de mulheres e de jovens indígenas e vem compondo o grupo de jovens lideranças indígenas que despontam no cenário internacional. Além disso, venceram em 2004 as eleições municipais e desde então assumiram a gestão da Prefeitura de São João das Missões.

O povo Xakriabá vive, portanto, desde o final do século passado, um delicado processo de decisões sobre rumos e perspectivas na busca de soluções para melhorar suas difíceis condições de vida e, desde 2004, acompanhamos de perto essa trajetória. Em modo particular, buscando focalizar e problematizar o tema das possíveis alternativas ao que chamamos de economia.

3 “Conhecendo a Economia Xakriabá”6 6 Informações baseadas no Relatório Final da Pesquisa Conhecendo a Economia Xakriabá (UFMG-AIX, 2005).

O projeto de pesquisa e extensão “Conhecendo a Economia Xakriabá” nasceu da vontade das lideranças Xakriabá de terem informações sobre a produção na TIX para subsidiar projetos ligados à qualidade de vida das suas comunidades, informando eventuais estratégias coletivas de comercialização e geração de incrementos de renda. A escassez de alimentos na TIX era um problema recorrente, com várias implicações, inclusive com êxodo principalmente dos homens jovens para o trabalho nas lavouras sazonais em outros estados. Apesar das dificuldades enfrentadas, em especial com a seca (Andrade, 2019ANDRADE, R. C. Resistências semiáridas: sobre a produção e circulação de conhecimentos pela rede sociotécnica do milho, estiagem e os indígenas Xakriabá do Norte de Minas Gerais. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Educação: Conhecimento e Inclusão Social, Belo Horizonte: UFMG, 2019.), a produção agrícola entre os Xakriabá era uma atividade de referência, a qual buscavam retomar com auxílio de parcerias técnicas. A merenda escolar na TIX era uma entre as muitas questões, pensando na oferta por produtores locais organizados em cooperativas que tratassem do plantio à comercialização, eliminando os atravessadores. Nas reuniões realizadas com as comunidades ficou claro que seus produtos eram vistos nos mercados em cidades vizinhas como de baixa qualidade, quase nunca encontrando preços compatíveis aos dos demais produtores da região; os atravessadores então impunham preços que os produtores eram obrigados a aceitar. Assim, os Xakriabá vendiam produtos a preços baixos para comerciantes do entorno e as escolas da TIX compravam esses mesmos produtos por preços elevados.

Em 2004, a Associação Indígena Xakriabá (AIX), que havia proposto a pesquisa, já contava com apoio técnico de parceiros da Universidade devido à implementação do PIEI/MG7 7 Programa de Implantação das Escolas Indígenas em Minas Gerais (PIEI/MG) da Secretaria de Estado de Educação (SEE/MG), em parceria com a UFMG, a Funai e o Instituto Estadual de Florestas (IEF). . Quando a UFMG foi convidada a participar do diagnóstico da economia, já havia se iniciado a concepção do projeto e feitas reuniões em várias aldeias para sensibilização das comunidades quanto à sua importância e necessidade de colaboração. A iniciativa da pesquisa partiu, portanto, das lideranças Xakriabá (e do próprio Cacique Domingos), representando um avanço na sua (re)construção de identidade e autonomia, como afirmou um membro de uma ONG:

pela primeira vez o povo Xakriabá vai, por ele mesmo, fazer uma pesquisa sobre a produção. [As lideranças] lembraram que muitas pesquisas já foram realizadas na comunidade, mas sempre por pessoas de fora e nem sempre os resultados retornaram para a comunidade. Mas que desta vez é diferente (UFMG/AIX, 2005, p. 4).

No entanto, o convite para que a UFMG assumisse a coordenação da pesquisa, em 2004, indicou que ainda não havia entre os Xakriabá o domínio das questões operacionais e técnicas que implicariam a realização de uma pesquisa-diagnóstico da sua economia. Por outro lado, um dos objetivos do grupo da Universidade trabalhando com educação indígena era a capacitação das lideranças e professores para a elaboração de projetos, o que se deu ao longo da pesquisa e em outras oportunidades, apoiando-se na criação das várias associações que pudessem se relacionar com órgãos públicos e privados como potenciais financiadores.8 8 A Associação Indígena Xakriabá, inicialmente criada na aldeia Brejo do Mata Fome, onde reside o cacique e se localizava a maior escola, posto e serviços da Funai, logo foi seguida da AIX da aldeia Barreiro Preto. Outras associações foram criadas desde então e, em 2006, já eram oito AIXs em toda a área, além dos Grupos de Roça e a Associação Escolar (Clementino; Monte-Mór, 2006; Santos, 2006; Escobar, Galvão, Gomes, 2017).

Para cumprir parcialmente essa tarefa, e também para viabilizar os parcos recursos e trazer algum retorno de parte dos recursos para a própria comunidade, a UFMG procurou envolver as lideranças e comunidades indígenas, com domínio de informações sobre a realidade local. No entanto, logo se percebeu que, diante de uma área extensa como a TIX, não havia um conhecimento geral do território e a mobilidade interna era pequena. Foram feitas conversas que definiram a construção de um questionário a partir dos conhecimentos locais expressos nessas reuniões preparatórias, e que seria então o instrumento a ser aplicado em todas as aldeias.

Decidiu-se, assim, em reunião com as lideranças, que os aplicadores dos questionários seriam os próprios jovens das aldeias, com uma pequena remuneração por questionário aplicado, os quais contariam com a supervisão das lideranças ou outras pessoas experientes que poderiam ser indicadas pelas comunidades.9 9 Em alguns casos, os entrevistadores foram eleitos nas respectivas aldeias. As aldeias foram divididas em cinco grupos, cada um com seus líderes de referência já indicados para acompanhar todo o processo. Nem todas as aldeias contavam à época com jovens com a escolarização desejada (8a série) e/ou disponibilidade para participar da pesquisa, mas a ideia permaneceu e cada aldeia escolheu seus entrevistadores entre os mais capacitados, com maior escolaridade e desenvoltura, pois o trabalho apresentaria algum grau de dificuldade.

Além das conversas anteriores nas aldeias, foram organizados workshops na UFMG, com a participação de lideranças e professores Xakriabá em formação pelo PIEI/MG, para informar a montagem do questionário. Além disso, como os recursos alocados na pesquisa eram muito reduzidos, optou-se por montar um projeto adicional de captação de recursos, centrado na economia popular e solidária e incorporando alternativas econômicas para a TIX.10 10 Os recursos iniciais, 15 mil reais, vinham do Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais (CERIS) - organismo não governamental com sede no Rio de Janeiro, que apoia projetos comunitários; conseguimos recursos do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) - para a pesquisa “Educação e Alternativas de Produção”, incluindo construção civil, fitoterapia e produção cerâmica como alternativas econômicas.

A pesquisa domiciliar foi aplicada entre setembro e dezembro de 2004, em 927 domicílios (de um total estimado em 1.300), com uma perda de cerca de 9% por baixa qualidade das respostas e/ou do preenchimento nos questionários, chegando a um total de 859 questionários tabulados. Não foi um processo simples e alguns entrevistadores tiveram que ser substituídos, havendo um processo de treinamento e acompanhamento permanente, tanto por parte da equipe da UFMG, quanto dos supervisores locais. O questionário incluiu características demográficas das famílias, habilidades dos membros, bens de consumo duráveis, consumo e produção agrícola e de produtos beneficiados, animais domésticos criados, coleta, plantio e consumo de produtos extrativos, fontes de renda monetária e mobilidade de cada família, em termos de frequência e motivos de viagens dentro e fora da reserva, entre várias outras. Os dados foram também agrupados por aldeias, permitindo construir mapas temáticos.

Ficou evidente que, apesar de todas as reuniões e visitas de preparação para a montagem do questionário e aplicação do pré-teste, uma série de questões que implicavam especificidades do modo de vida Xakriabá escaparam e trouxeram surpresas na computação dos dados finais. Por exemplo, práticas como jogar versos, contar casos, tirar óleo de árvores, entre outras, surgiram com forte expressão, sem constarem como questões anteriormente levantadas. Por outro lado, práticas tradicionais, como fazer sabão, fazer telhas e outras, tinham sido abandonadas nos últimos tempos.

Ficou também evidente que a produção de alimentos era insuficiente em toda a TIX, com forte dependência de abastecimento alimentar nos municípios vizinhos, frustrando assim a expectativa de canalizar o excedente para comercialização nas merendas escolares. A limitação da água, fundamental para as condições locais de produção à época, não tinha perspectivas de solução. Desde então, o sistema de cisternas para recolhimento de águas da chuva para consumo domiciliar e também para uso na pequena agricultura, assim como a construção de barraginhas e um programa de proteção de nascentes, melhorou as condições hídricas microrregionais sem, contudo, resolver definitivamente o problema. Mas pode-se dizer que os Xakriabá iniciaram, neste século, um processo ainda lento, mas indicativamente sustentável de recuperação ambiental na TIX, com crescente conscientização da população.

Alguns achados da pesquisa foram, no entanto, surpreendentes para todos os participantes. Entre eles, o fato de ter sido levantada uma lista de mais de 40 produtos agrícolas conhecidos e ter um resultado que indicava a produção significativa de pouco mais de 4 deles. Entre os produtos adquiridos fora das aldeias, causou surpresa que até a farinha de mandioca fosse uma aquisição externa para a maioria das famílias. A entrada de eletrodomésticos era recente, pois a eletrificação na TIX ocorreu no ano de 2000, e era complemente inexistente a assistência de qualquer tipo. Naquele período, o acesso a recursos monetários e sua circulação interna estava começando a se expandir com o assalariamento dos professores, e os locais de vendas dentro da TIX eram também praticamente inexistentes.

Esse quadro assim precarizado reverberava, entre outros aspectos, os anos de política assistencialista e de tutela que de certa maneira cercearam uma possível proatividade interna às comunidades. Nos diversos encontros realizados nas aldeias para diagnóstico participativo buscou-se também trazer para as discussões alguns representantes das demais populações tradicionais da região, como os geraizeiros, assim como buscou-se recuperar a colaboração com o Centro de Agricultura Alternativa (CAA). Nessas interações, restava muito claro o pouco acúmulo de experiências de organização no campo da gestão de projetos e mesmo do contato com o mercado regional. Uma das primeiras reações foi a reativação de casas de farinha e a retomada do processamento da mandioca. Em conjunto com o CAA abriu-se o grande tema do enfrentamento da seca e das condições determinantes do semiárido.

À época, nosso objetivo era também trazer para discussão na comunidade Xakriabá uma série de alternativas ligadas à economia popular e solidária, que incluía o resgate de modos de construção tradicionais, eventualmente levando desde a criação de cooperativas de construtores, uma vez que existem pedreiros e mestres de obras experientes na TIX, até à identificação de possibilidades de criação de uma moeda local, acoplada a um banco social comunitário. No Brasil, havia sido criada, em 2003, a Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes), com programas e financiamentos para a implementação de experiências nessa área. Entretanto, nossas propostas não encontraram eco na comunidade naquele momento.

Poucos anos depois, surgiu um financiamento italiano11 11 Em articulação com a cena descrita no início deste artigo, a central sindical italiana ISCOS mobilizou recursos junto à província de Modena, na região da Emilia Romagna, com vistas a dar continuidade a algum trabalho junto aos Xakriabá no âmbito da economia solidária. Tratou-se, nesse caso, de uma parceria entre a AIX-Aldeia Barreiro Preto, a UFMG e a ISCOS, com a participação da organização indigenista ANAÍ. para a construção de alguma estrutura física que desse suporte à economia Xakriabá, e assim algumas possibilidades se materializaram. Experiências com cerâmica, resgatando a produção de artesanato, mas também de tijolos e telhas, começaram a ser desenvolvidas, culminando com a decisão de construção da Casa de Cultura, na aldeia do Sumaré, como espaço multifuncional que incluiria a produção de artesanato em geral. Nesse processo, muitos jovens Xakriabá foram treinados por pedreiros experientes e a Casa de Cultura foi toda construída por eles, utilizando tijolos de solo-cimento (em alusão e substituição aos tijolos de adobe tradicionais), telhas produzidas localmente de modo artesanal, vedações com material local e cobertura de palha na sua área central.

A Casa de Cultura deu origem a outras casas menores, em outras aldeias, desenhadas conjuntamente com as lideranças locais e construídas usando as mesmas técnicas construtivas que buscavam resgatar suas práticas tradicionais, acrescidas de novas tecnologias. Entretanto, as funções centrais de área de produção coletiva e comercialização nas casas de cultura não foram implementadas, e vimos enfim que não respondiam a demandas e práticas da população. Ao contrário, ficou evidente que a produção cerâmica e artesanal se dá nas próprias casas, de forma familiar ou em pequenos grupos com jovens aprendizes, e a Casa de Cultura acabou por abrigar outras funções, tais como a rádio comunitária local, encontros e rituais, atividades de ensino, além de receber a instalação do Ponto de Cultura Loas (Alkmin, 2019).

Esse panorama multifacetado de atividades e âmbitos de ação, aqui referido somente em mínima parte ao início de um movimento que veio se ampliando ao longo dos anos, já é suficiente, no entanto, para sinalizar essa intrincada relação onde o econômico, o social, o cultural e o ambiental se intersectam - diante de editais que se referiam a áreas circunscritas de atuação ou a procedimentos de prestação de contas estritamente construídos em uma lógica contábil completamente estranha ao tipo de condução local (Mendonça, 2014). Ou, como dizia uma liderança muito envolvida com as iniciativas, “a gente não separa assim essas coisas” (Oliveira, 2014OLIVEIRA, T. M. F. Os projetos Xakriabá a partir dos recursos públicos para o fomento à cultura. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Educação: Conhecimento e Inclusão Social, Belo Horizonte: UFMG, 2014.).

Nessa primeira experiência, em que se evidenciaram dificuldades e distância nas formas de comunicação e elaboração quanto aos dados e informações gerados com a pesquisa, pode-se afirmar que a novidade dos procedimentos talvez tenha deixado um espaço mais decisivo para condução por parte dos pesquisadores. Apesar disso, a experiência produziu muitos desdobramentos, ao mesmo tempo que teceu muitas e duradouras relações. Já na cena que vai caracterizar o segundo momento, o protagonismo dos Xakriabá se faz muito mais presente ao conduzir a situação de pesquisa. Ainda que os parceiros pesquisadores estejam participando ativa e efetivamente de tudo o que vem acontecendo, a condução, o sentido, o ritmo e a direção que a investigação veio a assumir nesse segundo momento, ou seja, todo esse conjunto foi efetivamente protagonizado pelos Xakriabá.

4 Monitoramento comunitário e a pandemia de Covid-19: emergência da gestão territorial

As atividades que deram origem ao projeto de extensão “Monitoramento Comunitário - Terra Indígena Xakriabá” surgiram no bojo das ações preliminares de um projeto de pesquisa cuja abordagem é da contracartografia ou da cartografia social.12 12 Projeto de pesquisa em colaboração entre a UFMG e a Univ. Sheffield (UK), com a participação da UFPA e financiamento do Global Challenges Research Fund GCRF (2020-2021). A pesquisa prevê a condução de seis estudos de caso: dois em MG - com os Xakriabá e com uma aldeia Pataxó na Região Metropolitana de Belo Horizonte; e quatro casos no Pará, nas regiões periurbanas de Belém e Santarém (Horn; Cardoso; Monte-Mor, 2020). As atividades estavam ainda na etapa de preparação das equipes para as ações em campo quando fomos interrompidos, em março/2020, pelo início das restrições de circulação decretadas por todo o país em função da pandemia de Covid-19.

A suspensão das viagens de campo, assim como das viagens nacionais e internacionais, gerou uma necessária readequação das ações de investigação, que passaram a se concentrar em atividades que pudessem ser realizadas de maneira remota. Enquanto o grupo de pesquisa passou a se reorganizar através de reuniões virtuais periódicas, instauraram-se uma discussão e iniciativas de rearticulação dos contatos com todas as comunidades envolvidas. A metodologia, que já estava sendo discutida em uma abordagem colaborativa (Kennemore; Postero, 2020KENNEMORE, A.; POSTERO, N. Collaborative ethnographic methods: dismantling the ‘anthropological broom closet’? Latin American and Caribbean Ethnic Studies, 30th January 2020, DOI: 10.1080/17442222.2020.1721091.
https://doi.org/10.1080/17442222.2020.17...
), passou a integrar aspectos e desenvolver os modos de uma possível investigação remota e digital, a ser desenhada em função das características especificas de cada comunidade.

A oscilação e precariedade dos serviços de rede em todas as comunidades revelou-se de imediato um desafio, quase obstáculo à comunicação, ao mesmo tempo que assistimos a uma reorganização em novas bases da interatividade entre pesquisadores e as pessoas de referência em cada uma das comunidades para a proposição das ações conjuntas. Na Universidade Federal do Pará (UFPA), tratou-se de acionar relações com estudantes da Universidade que são membros residentes das diferentes comunidades. Na UFMG, tratou-se de retomar contatos com professores indígenas, lideranças e, posteriormente, com figuras profissionais indígenas do campo da saúde, alguns dos quais alunos ou ex-alunos do curso Formação Intercultural para Educadores Indígenas (FIEI)13 13 A parceria com o PIEI/MG levou à criação em 2006, na Faculdade de Educação da UFMG, do curso de licenciatura intercultural voltado exclusivamente para a formação de professores e professoras indígenas. O FIEI foi um dos quatro cursos de graduação que se iniciaram com o financiamento do Programa de Apoio à Formação Superior e Licenciaturas Interculturais Indígenas (Prolind), criado na então SECAD/ MEC, secretaria que não existe mais no governo atual. Alguns dos programas existentes foram mantidos com financiamento residual, entre eles o Prolind. e de outros cursos de graduação. A comunicação com os Xakriabá nas aldeias passou a ser realizada através do uso exclusivo de e-mails e aplicativos de celular.

A retomada - termo caro aos Xakriabá - das atividades de pesquisa entrou novamente em cena pelo convite de lideranças e do Cacique Xakriabá. Tratava-se, segundo eles próprios especificaram, de retornar ao tema da possível criação de uma moeda local, além de reavaliar alternativas ou formas econômicas que explorassem diferentes interfaces entre as atividades das aldeias, ou internas à TIX, em suas relações com o entorno, especialmente com os municípios limítrofes.

A experiência anterior já havia revelado que o rótulo de pesquisa-ação, ou pesquisa participativa, não era suficiente para dar conta de um processo muito mais articulado e intensivamente recursivo, no qual se percebia de ambas as partes um movimento de investigação e progressivo (re)conhecimento. Esse movimento gerava inúmeras ocasiões de convergência, sempre parciais e circunscritas, mas que se mantinham no médio prazo como um pacto de colaboração em avançar quanto ao que tinha sido definido de forma compartilhada, inicialmente, como objetivo da pesquisa. E, mais uma vez, tratava-se de tentar compreender melhor “a economia”, ou mais pragmaticamente, o contexto de trocas que coloca em permanente e ampla circulação pessoas, bens e serviços.

A intensificação dessa circulação entre a TIX e seu entorno era evidente, e havia crescido significativamente em função de diversos fatores. Em pouco mais de 20 anos, ou seja, intervalo considerado inferior a uma geração, os Xakriabá passaram a ter uma população com nível de escolaridade expressivamente alterado e hoje mantêm praticamente toda a população em idade escolar obrigatória, cerca de 2.500 estudantes, atendida nas escolas das aldeias. Ampliaram-se também as ofertas dos demais níveis - educação infantil e ensino médio - assim como a oferta de modalidades como a educação de jovens e adultos e o início da formação de professores em nível médio, antes a cargo do PIEI/MG, agora também nas escolas das aldeias. Além disso, somente no FIEI da Faculdade de Educação/UFMG são quase 200 estudantes Xakriabá que concluíram a graduação, além dos primeiros ingressantes em pós-graduação lato e stricto sensu. A rede escolar que se instalou passou ela própria a ser geradora de demandas que, com o caráter institucional e contínuo do funcionamento das escolas, ampliou o pessoal assalariado e, consequentemente, a circulação de recursos monetários. Gerou também demandas quanto aos serviços necessários relativos ao funcionamento das escolas, como o fornecimento de merenda, assim como de materiais e utensílios para a manutenção dos equipamentos escolares.

Paralelamente ao sistema de educação escolar, ampliou-se a instalação da rede de atendimento da saúde indígena. Nesse caso, ainda se conta com a maioria de profissionais não indígenas, com um inicial ingresso de indígenas nas funções técnicas e de nível de graduação. No conjunto, são 10 Unidades Básicas de Saúde (UBS) distribuídas pela TIX.

Esse novo quadro, empiricamente evidente e contundente, e aqui somente esboçado a partir de alguns de seus elementos, é que se colocava como o novo desafio de investigação sobre o qual se iniciava uma nova pactuação. Em março de 2020, com o início da pandemia, os Xakriabá, como muitos povos indígenas no Brasil, decidiram por restringir a circulação em suas terras e passaram a controlar os acessos à TIX por meio de barreiras sanitárias. Ou seja, grupos de pessoas, escaladas por aldeia, se alternam nos pontos de ingresso da TI para impedir a entrada de pessoas externas, sendo também recomendado aos indígenas residentes na TIX que buscassem reduzir ao mínimo sua circulação para fora do território. Em outras palavras, um dos principais focos da investigação - o fluxo de pessoas, bens e serviços - passava a se alterar significativamente. Ao mesmo tempo, a instalação das barreiras sanitárias havia criado a ocasião e as condições para que tal fluxo pudesse ser efetivamente aferido.

Dessa convergência entre o estado de emergência que a pandemia gerou e a intenção de se aferir os movimentos de circulação na TIX, surgiu a ideia de se instaurar um monitoramento comunitário que foi motivado, em primeira instância, pela necessidade de se identificar as possíveis rotas de contágio que poderiam trazer o vírus para dentro do território. As relações entre pandemia e economia, tão exasperadamente colocadas em cena neste período, assumiram feições locais bem específicas. A circulação de pessoas é o veículo fundamental do contágio e, portanto, essa circulação motivada pelo “normal” funcionamento das atividades da vida cotidiana - envolvendo pessoas em trânsito por motivo de trabalho, idas às cidades do entorno para compras ou para retirada de dinheiro nos bancos, assim como viagens para atendimento médico em hospitais e serviços da região - esse conjunto inicial de motivações, passou a ser objeto da preparação de um instrumento de coleta de dados a ser utilizado nas barreiras sanitárias, únicos pontos de ingresso na TIX que permaneciam abertos desde então.

Através de intensa comunicação por celular, e com uso de aplicativos de redes sociais, foi discutida com figuras de referência locais - profissionais e estudantes da saúde e da educação - a constituição de equipes de monitoramento para cada um dos seis acessos à TIX e à TIX-Rancharia. A configuração das equipes contemplava, contemporaneamente, características espaciais/territoriais com aspectos da organização social e relações entre as comunidades. Em trocas com as pessoas que coordenavam as atividades em cada uma dessas equipes, foi definido e testado o instrumento: uma ficha de coleta de dados que seria aplicada a todas as pessoas em circulação pelas barreiras. Com apoio e participação da Prefeitura de São João das Missões e contando com a coordenação do enfermeiro-chefe do Polo Base de Saúde Indígena, cuja sede está no município, a ficha foi testada no final de maio e colocada em modo operacional a partir de junho em todas as seis barreiras sanitárias. Iniciava-se, assim, o Monitoramento Comunitário - Terra Indígena Xakriabá.

Para o processamento dos dados coletados, foi definida uma sistemática que envolvia a equipe de pesquisa da UFMG. Foi estabelecido um esquema de transferências das informações das fichas por meio de fotografias/scan de cada uma delas, enviadas por celular para a equipe da UFMG, para serem armazenadas em um arquivo onde tais fichas eram disponibilizadas para a coordenação da Saúde Indígena no Polo Base de Missões. Ao mesmo tempo, foram introduzidas planilhas de Excel para tabulação dos dados, e equipes de digitação foram organizadas também por barreiras. Esse grupo de digitadores passou a interagir no arquivo de comum acesso com os pesquisadores da UFMG, e foi-se progressivamente agilizando o esquema de trabalho de tal forma que, em pouco mais de dois meses, passou-se ao armazenamento direto no arquivo e gestão do inteiro procedimento por parte das equipes locais.

Impressiona a rapidez com que foi possível instalar esse conjunto de procedimentos, se pensamos as dificuldades enfrentadas e as distâncias existentes entre os operadores locais e a equipe de pesquisa no momento anterior. A organização comunitária - marcada hoje inclusive pela forte presença de jovens, responsáveis pelo manejo do aparato tecnológico que foi mobilizado - foi capaz de dar uma resposta à emergência sanitária que não tinha sido providenciada pelos órgãos que por ela deveriam responder. O registro da circulação foi um efetivo instrumento de acompanhamento da evolução da pandemia no período inicial da chegada e identificação dos primeiros casos de contágio na TIX.

Por outro lado, mais uma vez fomos todos surpreendidos pelas dimensões que esse registro sistemático acabou por assumir, e mais ainda por seus primeiros resultados. De uma estimativa inicial que previa cerca de 800 a 1.000 deslocamentos, o primeiro mês de circulação atingiu a marca de mais de 20.000 movimentos de entrada e saída da TIX. A intensa movimentação entre a TIX e seu entorno, ainda que arrefecida com as muitas providências assumidas e implementadas, foi, de longe, muito maior do que quaisquer dos envolvidos, na UFMG e nas equipes locais, haviam considerado. As mais de 200 pessoas envolvidas nesse amplo e extenso processo de registro tornaram-se testemunhas em primeira mão da visibilização de uma dimensão da vida dessa população que até então não tinha sido suficientemente dimensionada - embora fosse conhecida em vários de seus aspectos.

Diante de tal resultado, foi organizado um encontro virtual da equipe de pesquisadores com as equipes locais, lideranças e outros convidados, no qual foi esboçada uma primeira reação diante do quadro que havia se revelado. Nesse encontro, os pesquisadores abordaram três temas fundamentais: o tema da soberania de dados (Campos, 2016CAMPOS, M. B.; ESTANISLAU, B. R. Demografia dos povos indígenas: os censos demográficos como ponto de vista. Revista Brasileira de Estudos Populacionais, Rio de Janeiro, v. 33, n. 2, p. 441-449, 2016.; 2018), em função da ampla produção de informações pelos agentes locais, com metodologia que era de seu inteiro domínio; o tema do desenvolvimento de ferramentas tecnológicas para monitoramento do fluxo de pessoas, um passo proposto como sucessivo diante das dimensões que se revelaram nessa primeira fase de coleta de dados; e o tema das relações entre pandemia e economia, tendo em vista futuros desdobramentos das atividades de pesquisa.

Da parte de membros das equipes locais, foi enfatizado que não somente a produção de informações provocara fortes efeitos. Foi o movimento gerado com a mobilização e recorrente ação das equipes que instituiu uma realidade antes não existente, ou seja, como referiu Célia Xakriabá: pela primeira vez havia sido realizada uma efetiva ação de gestão territorial. Uma ação que, segundo ela, havia sido discutida e prognosticada quando da elaboração do Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA-TIX), mas que até então não tinha sido implementada.

5 Considerações finais

A emergência, em seu duplo sentido - da urgência, e daquilo que emerge, que aparece - da gestão territorial foi gerada pela prática em si do monitoramento, muito mais do que pelos “dados” gerados. A base de dados ainda está em elaboração e a troca de informações entre as equipes locais de pesquisa e a equipe da UFMG a partir dela ainda é incipiente em vista de seu enorme potencial. Já se revelam, no entanto, algumas facetas importantes da circulação de pessoas que serão objeto de maior aprofundamento, na direção de identificar as linhas de força que caracterizam a integração da TIX com as atividades econômicas de seu entorno.

A centralidade das relações com o território para o povo Xakriabá é expressa de infinitas formas, inclusive em sua dimensão simbólica e cosmológica. Pode ser aferida também nas propostas pedagógicas que são desenvolvidas em suas escolas, que se ocupam intensamente de elaborar e reelaborar essa dimensão territorial nas atividades escolares (Corrêa; Xakriabá, 2018CORRÊA, C. N.; XAKRIABÁ, C. O barro, o jenipapo e o giz no fazer epistemológico de autoria Xakriabá: reativação da memória por uma educação territorializada. Dissertação (Mestrado) - Centro de Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília, 2018.).

Existem muitos aspectos do processo acelerado de modificações na vida do povo Xakriabá que não serão aqui abordados.14 14 Cabe registrar que essa intensidade do processo de escolarização produz também processos paralelos que nem sempre se configuram como algo possível de ser acompanhado pelas próprias comunidades, provocando problemas de diferentes ordens, incluindo a saúde mental, além de outras disfunções sociais. Por outro lado, uma reação inesperada ocorreu: nos últimos anos houve a realização, pelas direções das escolas, de editais voltados para a exclusiva participação de produtores da TIX. A suspensão das compras na pandemia, devido à suspensão das aulas presenciais, gerou uma reativação de um possível “mercado interno” entre as aldeias, fenômeno ainda recente a ser melhor conhecido.

No início das nossas pesquisas na TIX, em 2004, partimos da compreensão do processo de “urbanização extensiva” (Monte-Mór, 1994; 2006), que implica a penetração do “tecido urbano-industrial” e das condições de (re)produção próprias do meio urbano a todo o espaço social, inclusive à TIX. Desde então, acompanhamos vários estágios da transformação do território e das práticas sociais, levando ao aumento da motorização, à modificação nos padrões de consumo (consequente aumento do uso da moeda) e nas infraestruturas de transportes e de comunicações, nos serviços urbanos e sociais, entre outros. Enfim, melhorias em vários aspectos, mas também a extensão do que Lefebvre (1999LEFEBVRE, H. A revolução urbana. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1999.) chama de “espaço abstrato” a todo o espaço social, inclusive o território Xakriabá, levando consigo as relações sociais de produção capitalistas, com o consequente desenraizamento da economia da realidade concreta, transformando pessoas, natureza e riqueza coletiva em “abstrações”.

O que apontamos como antídoto a esse sentido destruidor - ou (des)envolvimentista - da urbanização extensiva sobre as bases locais se expressa no processo de politização do espaço social (em particular, do espaço de vida) e a construção do próprio sentido de cidadania que se estende a partir da “polis” e da cidade como um germe que vem com o “tecido urbano”. De fato, nas últimas décadas, ao lado do processo de urbanização extensiva no país, vimos surgirem os movimentos sociais (antes chamados de “urbanos”, por estarem restritos às cidades) em várias dimensões, no campo e na cidade, desde os Povos da Floresta até os “sem-terra’” e os “‘sem-teto’” nas periferias urbanas. A capacidade de resistência e resiliência depende, em cada caso, da força identitária e mobilizadora das várias comunidades.

No caso dos Xakriabá, ao longo dessas duas décadas vimos um forte processo de politização e construção de cidadania e, mais recentemente, maior clareza no sentido de (re)construir seus espaços de vida, seu oikós. É evidente sua preocupação crescente com as condições ambientais na TIX; com cuidados na organização dos serviços sociais implicando a participação crescente de profissionais Xakriabá, tanto na educação como na saúde; a conscientização da necessidade de fortalecer a economia local; a preocupação com o resgate de práticas culturais e a valorização de suas referências identitárias, entre várias outras.

De outra parte, a crescente importância das condições de reprodução coletiva que informam os movimentos sociais contemporâneos, em todo o mundo, combina questões da vida quotidiana nas cidades e nos espaços rurais (extensivamente) urbanizados com as preocupações ambientais, que nos remetem a outras relações entre a sociedade e a natureza. Nesse sentido, pode-se dizer que o movimento social contemporâneo busca superar o urbano-industrial, centrado no produtivismo e na acumulação capitalista de base industrial e financeira, através da valorização do que chamamos de um “tecido urbano-natural”, que busca combinar à urbanização extensiva uma naturalização extensiva (Monte-Mór, 1994; 2018). Isto só será possível através da superação da dicotomia urbano-rural, e mais especificamente, buscando as articulações entre o novo campesinato “urbanizado”, em suas manifestações várias (que incluem os povos tradicionais) e as populações urbanas mobilizadas em torno da qualidade da vida quotidiana.

As relações sociais de produção capitalistas predominantes vêm crescentemente dando lugar a outros modos de integração social e econômica, nunca extintos, mas invisibilizados pelo “campo cego” do industrialismo (Lefebvre, 1999LEFEBVRE, H. A revolução urbana. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1999.), onde a economia se dirige não mais para a acumulação capitalista, mas sim para a reprodução coletiva, em formas ecológicas e solidárias (entre várias outras denominações) que encontramos com forte manifestação no contexto brasileiro, particularmente em comunidades como os Xakriabá.

A economia deixa de ser o estudo da formação da riqueza e/ou dos preços no mercado para se transformar na luta pela “reprodução ampliada da vida” (Coraggio, 1994CORAGGIO, J. L. Economia urbana: la perspectiva popular. Quito, Ecuador: Instituto Fronesis, 1994.). Nesse contexto, a desalienação do espaço de vida e a preocupação com sua gestão - o nomos do oikós, ou oiko-nomos - passam a ser o valor central que orienta as práticas econômicas e socioculturais.

Nossa experiência com os Xakriabá nessas duas décadas exemplifica esse processo a partir das constantes interações entre acadêmicos - alunos e professores, inclusive os próprios Xakriabá - e a população da TIX. As questões ligadas à economia, entendida como gestão do espaço de vida, e levantadas para discussão anos atrás, hoje ganham predominância e vários desdobramentos nas nossas pesquisas e interações com eles, como descrito anteriormente. Construir esse novo universo e aprender com essa construção conjunta, fortalecendo as possibilidades e reinvenções das “outras” práticas econômicas, é um dos desafios mais interessantes que nos é colocado enquanto pesquisadores, professores e cidadãos.

Agradecemos ao povo Xakriabá pela parceria de tantos anos, pelo acolhimento indiscutível que recebemos em suas aldeias, mas também pela decisiva presença na UFMG de suas autoridades (líderes políticos, pajés, sábios e sábias, conhecedores e conhecedoras tradicionais de diferentes campos) assim como dos/das jovens estudantes. Essa presença continuada tem proporcionado inúmeras ocasiões de aprendizado e colaboração, com os Xakriabá protagonizando, ao lado de representantes de outros povos, o cenário das políticas voltadas para os povos indígenas nessa instituição. Agradecemos em especial ao Cacique Domingos Nunes de Oliveira e à liderança Seu Hilário Corrêa que guiaram em diversos momentos as discussões relativas aos projetos aqui mencionados. E, mais recentemente, a todos/as envolvidos/as no Monitoramento Comunitário Xakriabá, na pessoa dos coordenadores de equipes: Marciel, Geovane, Eder, Fernanda, Joel, Sidiney, Maurício, Edvan, Fernando, e aos pesquisadores Célia e Edgar Xakriabá. Essa resposta coletiva potente e tão bem articulada nos animou e apontou horizontes futuros, fundamentais em tempos de crise e de tantas incertezas. A Seu Valdinho, in memoriam, pela presença marcante.

Agradecemos aos parceiros de pesquisa na UFMG e fora dela, estudantes e docentes ao longo desses 20 anos; e à equipe do projeto Sheffield/UFPA/UFMG, em especial Marden Campos, Suzana Escobar, Philipp Horn e Ana Cláudia Cardoso com quem dividimos a coordenação das atividades.

Referências

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  • UFMG/AIX. Conhecendo a Economia Xakriabá. Relatório Final. Belo Horizonte, 2005. 68 p.
  • Códigos JEL:

    Z13
  • JEL Codes:

    Z13
  • Ambos os autores são bolsistas de produtividade de pesquisa pelo CNPq.
  • 1
    “Específica, diferenciada, intercultural e bilíngue” - estes são os termos usados nos artigos que tratam da educação escolar indígena na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9.394/1996).
  • 2
    Dados históricos utilizados em Clementino & Monte-Mór (2006), com base em várias publicações, sendo as principais: Funai (1969), José (1965), Marcato (1978), Paraíso (1987), Saint-Adolphe (1845) Santos (1997).
  • 3
    Existem hoje duas TIs em contiguidade: TIX e TIX-Rancharia, essa última homologada em 2003. Há alguns anos os Xakriabá estão em “processo de retomada”, qual seja, estão buscando ampliar suas terras de modo a englobar territórios e comunidades de “parentes” - famílias que aceitaram sair da TIX décadas atrás e que hoje estão dispostas a ceder suas terras privadas para serem incorporadas à terra coletiva. A “retomada” proposta se estende, a sudeste, até as margens do rio São Francisco. Essa “área de retomada” foi reconhecida em relatório publicado pela Funai em 2015, sem que fosse, porém, dada continuidade aos procedimentos para chegar à homologação pelo governo brasileiro.
  • 4
    O termo foi registrado em Mariana logo após a promulgação da Lei de Terras, em 1850 (Santos, 1997).
  • 5
    A Ruralminas, criada em 1966 e extinta em 2016, era o órgão estadual encarregado de regularizar a terra e promover a colonização em áreas “não ocupadas”. Como em instituições similares em outros estados, sua atuação foi marcada por interesses econômicos, beneficiando grandes proprietários e grupos políticos.
  • 6
    Informações baseadas no Relatório Final da Pesquisa Conhecendo a Economia Xakriabá (UFMG-AIX, 2005).
  • 7
    Programa de Implantação das Escolas Indígenas em Minas Gerais (PIEI/MG) da Secretaria de Estado de Educação (SEE/MG), em parceria com a UFMG, a Funai e o Instituto Estadual de Florestas (IEF).
  • 8
    A Associação Indígena Xakriabá, inicialmente criada na aldeia Brejo do Mata Fome, onde reside o cacique e se localizava a maior escola, posto e serviços da Funai, logo foi seguida da AIX da aldeia Barreiro Preto. Outras associações foram criadas desde então e, em 2006, já eram oito AIXs em toda a área, além dos Grupos de Roça e a Associação Escolar (Clementino; Monte-Mór, 2006; Santos, 2006; Escobar, Galvão, Gomes, 2017).
  • 9
    Em alguns casos, os entrevistadores foram eleitos nas respectivas aldeias.
  • 10
    Os recursos iniciais, 15 mil reais, vinham do Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais (CERIS) - organismo não governamental com sede no Rio de Janeiro, que apoia projetos comunitários; conseguimos recursos do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) - para a pesquisa “Educação e Alternativas de Produção”, incluindo construção civil, fitoterapia e produção cerâmica como alternativas econômicas.
  • 11
    Em articulação com a cena descrita no início deste artigo, a central sindical italiana ISCOS mobilizou recursos junto à província de Modena, na região da Emilia Romagna, com vistas a dar continuidade a algum trabalho junto aos Xakriabá no âmbito da economia solidária. Tratou-se, nesse caso, de uma parceria entre a AIX-Aldeia Barreiro Preto, a UFMG e a ISCOS, com a participação da organização indigenista ANAÍ.
  • 12
    Projeto de pesquisa em colaboração entre a UFMG e a Univ. Sheffield (UK), com a participação da UFPA e financiamento do Global Challenges Research Fund GCRF (2020-2021). A pesquisa prevê a condução de seis estudos de caso: dois em MG - com os Xakriabá e com uma aldeia Pataxó na Região Metropolitana de Belo Horizonte; e quatro casos no Pará, nas regiões periurbanas de Belém e Santarém (Horn; Cardoso; Monte-Mor, 2020).
  • 13
    A parceria com o PIEI/MG levou à criação em 2006, na Faculdade de Educação da UFMG, do curso de licenciatura intercultural voltado exclusivamente para a formação de professores e professoras indígenas. O FIEI foi um dos quatro cursos de graduação que se iniciaram com o financiamento do Programa de Apoio à Formação Superior e Licenciaturas Interculturais Indígenas (Prolind), criado na então SECAD/ MEC, secretaria que não existe mais no governo atual. Alguns dos programas existentes foram mantidos com financiamento residual, entre eles o Prolind.
  • 14
    Cabe registrar que essa intensidade do processo de escolarização produz também processos paralelos que nem sempre se configuram como algo possível de ser acompanhado pelas próprias comunidades, provocando problemas de diferentes ordens, incluindo a saúde mental, além de outras disfunções sociais.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    20 Out 2020
  • Aceito
    26 Nov 2020
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