Acessibilidade / Reportar erro

A defesa dos direitos dos trabalhadores em tempos de Covid-19: o caso da atuação do Ministério Público do Trabalho da 3ª Região (Minas Gerais)

The defense of workers' rights in times of Covid-19: the case of the work of the Public Ministry of Labor of the 3rd Region (Minas Gerais)

Resumo

O artigo analisa a atuação de resistência do Ministério Público do Trabalho (MPT) às Medidas Provisórias 926, 927 e 936/2020 e a Lei 14.200/2020, criadas para o enfrentamento da Covid-19. Como amostragem, foram escolhidas as Notas Técnicas do MPT, Ações Civis Públicas e Ações Anulatórias de Cláusulas Convencionais relacionadas à Covid-19, no período de março de 2020 a fevereiro de 2021, de autoria da Procuradoria Regional do Trabalho da 3ª Região (PRT/Minas Gerais). O estudo confirma a hipótese de que a atuação do MPT opõe-se à desconstrução do direito do trabalho, processo que foi aprofundado pela legislação do período emergencial.

Palavras-chaves:
Ministério Público do Trabalho; Covid-19; Direito coletivo

Abstract

The article analyzes the resistance action of the Public Ministry of Labor (MPT) to Provisional Measures 926, 927 and 936/2020 and Law 14200/2020, created to confront the effects of Covid-19. As a sample, they were chosen as Technical Notes of the MPT, Public Civil Actions and Annulment Actions of Conventional Clauses related to Covid-19, in the period from March 2020 to February 2021, authored by the Regional Labor Attorney of the 3rd Region (PRT / Minas Gerais). The study confirms the hypothesis that the MPT's actions oppose the deconstruction of labor law, a process that was deepened by the legislation of the emergency period.

Keywords:
Public Ministry of Labor; Covid-19; Collective right

1. Introdução

O mundo do trabalho, que já vinha passando por um processo de transformação, foi altamente impactado pelo vírus Sars-CoV-2, causador da Covid-19. O governo brasileiro, em 03 de fevereiro de 2020, pela Portaria 188 do Ministério da Saúde, declarou Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN), em decorrência da infecção humana pelo novo Coronavírus, e promulgou a Lei Federal 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, estabelecendo diversas medidas para o enfrentamento da pandemia. Nas esferas estaduais e municipais, os governos logo começaram a editar normas relativas a medidas de enfrentamento à pandemia, muitas delas impactando diretamente as relações de trabalho, a exemplo da decretação da suspensão de atividades não essenciais, restrições de número de empregados por estabelecimento, entre outras.

Na área específica das relações trabalhistas, na esfera federal, foram editadas três medidas provisórias (MP) - MPs 927/2020, 926/2020, e 936/2020 (as duas últimas convertidas na Lei 14.020 de 2020) - flexibilizando as normas protetivas do trabalho, criando o plano emergencial para assegurar emprego e renda, bem como para amenizar os efeitos econômicos para os empregadores.

Frente a um arcabouço jurídico amplo, muitas vezes apresentando contradições entre as normas expedidas pelas unidades federativas e as leis federais relacionadas ao trabalho, deu-se continuidade à lógica de flexibilização da Reforma Trabalhista, instituída principalmente pela Lei 13.467/2017.

Durante a pandemia, quando as condições relacionadas à saúde do trabalhador ganham maior relevo e a flexibilização das leis trabalhistas se aprofunda, fica em evidência a atividade do Ministério Público do Trabalho (MPT). Nesse sentido, o presente artigo analisa a atuação judicial do MPT da 3ª Região (Minas Gerais), prioritariamente com os estudos das ações coletivas relacionadas à Covid-19 propostas no período de março de 2020 a fevereiro de 2021. Com isso, foi possível estudar o papel do MPT na implementação de políticas públicas relacionadas à saúde do trabalhador e as formas de resistência à flexibilização das normas trabalhistas editadas no período pandêmico1 1 Agradeço a leitura atenta e a interlocução de ideias à Professora Doutora Karen Artur, da Universidade Federal de Juiz de Fora. .

A escolha da PRT/Minas Gerais se justifica pela atuação do MPT neste Estado e pelo porte do mercado de trabalho local. Segundo o Relatório Periódico das Ações das PRTs, até 31 de março de 2021, o MPT já havia destinado R$ 344.555.868,32 para as ações de enfrentamento à Covid-19, provenientes, em sua maioria, de ações judiciais. Desse montante, a Procuradoria da 3ª Região foi responsável pela maior arrecadação entre as 24 Procuradorias, correspondente a 29 % do total2 2 O valor total é a soma do arrecadado com ações judiciais (R$ 98.485.535,37) e ações extrajudiciais (R$ 2.573.719,70). . A importância do mercado de trabalho em Minas Gerais é evidenciada por dados do Novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), que no período de 12 meses (de março de 2020 a março de 2021), o aponta como o segundo Estado, em termos absolutos, em geração de novos empregos, ficando atrás somente de São Paulo. Por tudo isto, o caso de Minas Gerais pode ser considerado expressivo em relação à atuação do MPT no Brasil.

Diante deste quadro, o presente trabalho busca comprovar a hipótese de que as medidas instituídas pelas MPs e pela Lei 14.020/2020 para o enfrentamento da pandemia deixaram o trabalhador mais desprotegido, aprofundando os efeitos da flexibilização da Reforma Trabalhista, embora sejam justificadas pela necessidade de encontrar alternativas para enfrentar a crise, com autonomia das partes para a negociação individual. É nesse contexto, por intermédio das denúncias dos trabalhadores e dos sindicatos, que tem atuado o MPT, acionando o Poder Judiciário para a implementação de políticas públicas relacionadas à saúde do trabalhador. Foram analisadas as ações coletivas no período de março de 2020 a fevereiro de 2021, focando nos pedidos do MPT, em quem fez a denúncia, no polo passivo e nas decisões de primeiro grau (liminar ou final).

O estudo se enquadra na vertente de análise cujo interesse é investigar como as políticas públicas são influenciadas pela ativação do Judiciário pela sociedade civil e instituições judiciais, entre elas o MPT, e quais são as decisões judiciais resultantes (VIANNA, BURGOS, 2005; TAYLOR, 2007).

A pesquisa, ao tratar da judicialização de direitos sociais, analisa a expansão do Poder Judiciário no processo decisório das democracias contemporâneas, com a ampliação da área de influência dos tribunais nas ações legislativas e executivas. Segundo Maciel e Koerner (2002MACIEL, Débora Alves; KOERNER, Andrei. Sentidos da judicialização da política: duas análises. Lua Nova: Revista de Cultura e Política , 2002, n. 57 .), é no momento da judicialização que os operadores da lei preferem participar do policy-making. Nesse sentido, o estudo se enquadra entre aqueles que entendem que os atores envolvidos neste processo - especificamente quem provocou o Judiciário e o próprio Judiciário - podem participar de uma relação de cooperação e complementariedade para a formulação ou implementação da política pública, catalisando a demanda de grupos ou indivíduos para a efetividade dos direitos fundamentais (LOPES, 2006; MACIEL, 2006MACIEL, Débora. A reconstrução institucional do Ministério Público no processo político da redemocratização. Paper apresentado no 3º Congresso Latino-americano de Ciência Política- ALACIP. Campinas/SP, 2006, 22p. (mimeo); CARELLI, 2011bCARELLI, Rodrigo de Lacerda. O Ministério Público do Trabalho na proteção do Direito do Trabalho. Cad. CRH, Salvador, v. 24, n. set, p. 59-69, 2011b.).

O estudo oferece uma contribuição para a literatura que tem tratado do papel das instituições jurídicas na implementação das políticas públicas, além de colaborar para os estudos sobre como o MPT atua, especificamente, em tempos de Covid-19.

A atuação do MPT na pandemia reforça os resultados de outras pesquisas sobre o papel exercido por essa instituição como interlocutora entre a sociedade civil e o Estado, por meio das demandas que chegam até ela, para a implementação das políticas públicas relacionadas à saúde do trabalhador (ARTUR, 2016ARTUR, Karen. Ministério Público do Trabalho: construção institucional e formação da agenda. Revista Mediações (UEL), v. 21, 2016, p. 167-198.; CARELLI, 2011; FREITAS, 2020FREITAS, Lígia Barros de. A atuação preventiva do Ministério Público do Trabalho em defesa da saúde do trabalhador no triângulo mineiro: uma análise preliminar. In: MARTINS, Juliane Caravieri et al. Direito Ambiental e Meio Ambiente do Trabalho. Desafios para as presentes e as futuras gerações. São Paulo: Editora LTr, p. 233-240, 2020; FERNANDES; LOPES, 2021). Ademais, aponta que as medidas criadas pelo Governo Federal, previstas nas MPs e na atual Lei 14.020/2020, precarizaram ainda mais o direito do trabalho, colocando a saúde do trabalhador em risco pois, entre outras medidas, flexibilizaram normas de medicina e segurança do trabalho.

Este artigo é apresentado em quatro seções, além da introdução e das considerações finais. Inicia-se com a apresentação do desenho metodológico, mostrando a grade analítica para o estudo das ações em discussão. Na segunda seção, é analisada a atuação do MPT para a construção da cidadania e defesa dos direitos fundamentais, demonstrando principalmente o papel de resistência às reformas precarizantes do trabalho. Na terceira seção, são apresentadas as alterações na legislação para enfrentamento da Covid-19 e as manifestações do MPT nas Notas Técnicas e Recomendações. Na quarta seção, o foco é análise qualitativa das ações coletivas interpostas pelo PRT da 3 Região para enfrentamento da Covid-19.

2. Metodologia

Para cumprir o objetivo da pesquisa de analisar a ação do MPT para enfrentamento da Covid-19 e testar a hipótese já enunciada, foi realizada a revisão bibliográfica para construção da história de resistência do MPT, e a análise das Notas Técnicas e Recomendações do MPT expedidas em 2020 e 2021. Por meio do método quantitativo, fez-se a análise das ações coletivas propostas pela PRT da 3ª Região, no período de março de 2020, quando foi interposta a primeira ação coletiva para enfrentamento da Covid-19, até fevereiro de 2021.

Para a estruturação de um quadro de análise das ações judiciais, pensou-se nos dois estágios propostos por Gloppen (2008GLOPPEN, Siri. Litigion as a Strategy to Hold Governments Accountable for Implementing the Right to Health. Healt and Human Rights, 2008, vol. 10, nº2, pp. 21-36, 2008): 1) estágio de “entrada judicial”, considerando as denúncias que chegaram ao MPT e a base legal para as reivindicações; 2) estágio de “fase de julgamento”, analisando o resultado no tribunal (se as reivindicações do MPT são confirmadas pelos juízes de primeiro grau), para compreensão da receptividade dos argumentos do MPT3 3 Segundo a autora, que propõe um “quadro de análise” para litígios na área da saúde, ainda há outros dois estágios de análise, neste estudo não realizados: estágio de implementação e estágio dos resultados sociais. .

A informação do número das ações propostas pelo MPT, no período mencionado, foi obtida do Relatório Processual extraído do sistema interno da PRT da 3º Região, fornecido pela PRT/Uberlândia4 4 Agradeço à atenção da equipe da PRT/Uberlândia, em especial aos servidores Sergio Inocêncio Nascimento e Clésio Goncalves Caixeta, pela presteza nas informações e no fornecimento dos relatórios para pesquisas desenvolvidas por esta pesquisadora e alunos de iniciação científica da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG). , para depois serem pesquisados os correspondentes processos na plataforma do Processo Judicial Eletrônico (PJe) no site do TRT35 5 Disponível em: https://portal.trt3.jus.br/internet/servicos/pje/acesso-ao-sistema-pje. Acesso:18.ma2021. .

No relatório, constaram 34 ações. Após a análise dos processos, acompanhando a tramitação até 27 de abril de 2021, analisando especificamente a petição inicial, as decisões liminares e finais, o responsável por fazer a denúncia junto ao MPT e o polo passivo das ações, restaram 19 ações, sendo 17 Ações Civis Públicas (ACP) e duas Ações Anulatórias de Cláusulas Convencionais (ACCC). Foram selecionadas ações que têm como autor o MPT, pois após a ampliação dos seus poderes na Constituição Federal de 1988, passou de uma atuação essencialmente interveniente para uma atuação mais ativa em defesa dos direitos sociais trabalhistas em ações coletivas (CARELLI, 2011; FERNANDES E LOPES, 2018FERNANDES, Estêvão Rafael; LOPES, Dalliana Vilar. O papel do Ministério Público frente ao escravismo na Amazônia: o caso de Rondônia. Rev. Direito Práx., Rio de Janeiro, v. 9, n. 1, p. 372-393, Mar 2018. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/article/view/3271. Acesso em: 16 jan. 2021.
https://www.e-publicacoes.uerj.br/index....
). Verificou-se o fundamento jurídico dos pedidos: ou as referidas MPs e a Lei 14.020/2020; ou as normas estaduais e municipais, a Consolidação das Leis Trabalhistas - CLT, as Convenções da OIT e a própria Constituição Federal.

Desse modo, não foram analisadas ações em que o MPT exerce a função de custos legis, assim como as ações cujo o objeto não fosse relacionado à Covid-19, em razão do recorte temático da pesquisa. Também foram dispensadas as Ações de Tutelas Cautelares Antecedentes, por a fundamentação jurídica centrar em questões processuais, e ainda, as Ações de Execução (TACS ou ACPs) e Mandados de Segurança, pelo fato do pedido das respectivas ações já ter sido objeto de análise da ação principal.

De forma semelhante, quanto à análise das respostas do Judiciário, o estudo das decisões e dos prazos em que foram pronunciadas permite avaliar como o Judiciário Trabalhista tem se posicionado no enfrentamento das questões trabalhistas relacionadas à Covid-19.

Outra contribuição é a verificação de quem fez a denúncia ao MPT, possibilitando analisar a atuação conjunta do MPT com a sociedade civil e demais instituições relacionadas ao mundo do trabalho, como Ministério do Trabalho ou sindicatos.

3. A resistência do MPT às reformas trabalhistas flexibilizadoras

Os estudos sobre a reconstrução institucional do Ministério Público, ocorrida em consequência da Constituição Federal, apontam as implicações negativas do processo, com atuação corporativista para afirmação institucional, substituindo a sociedade civil na construção da cidadania e defesa de seus direitos (ARANTES, 2002ARANTES, Rogério Bastos Ministério Público e política no Brasil. São Paulo: Editora Sumaré, 2002.; ARANTES, MOREIRA, 2019), mas também o importante papel dessa instituição como interlocutora entre sociedade civil e o Estado (KERCHE, 2002KERCHE, Fábio. O Ministério Público no Brasil. Autonomia, Organização e Atribuições. Tese (Doutorado em Ciência Política), FFLCH, USP, 2002, 168p.; MACIEL, 2006MACIEL, Débora. A reconstrução institucional do Ministério Público no processo político da redemocratização. Paper apresentado no 3º Congresso Latino-americano de Ciência Política- ALACIP. Campinas/SP, 2006, 22p. (mimeo); VIANNA; BURGOS, 1999VIANNA, Luiz Werneck; BURGOS, Marcelo Baumann . A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Revan, 1999.). Nesse sentido, apontam para a ação articulada do MPT com empregados, sindicatos e órgãos estatais, como Ministério do Trabalho (MT) e órgãos estaduais e municipais, organismos internacionais, como a OIT, para o exercício de sua função extrajudicial, mais preventiva e fiscalizadora, e a judicial, especialmente nas ACPs, mas repressiva (CARELLI ET AL, 2007CARELLI, Rodrigo de Lacerda; CASAGRANDE, Cássio; PÉRISSÉ, Paulo Guilherme Santos. Ministério Público do Trabalho e tutela judicial coletiva. Brasília: ESMPU, 2007.; CARELLI, 2011a, 2011b; ARTUR, 2016ARTUR, Karen. Ministério Público do Trabalho: construção institucional e formação da agenda. Revista Mediações (UEL), v. 21, 2016, p. 167-198.; JARDIM; LIRA, 2013JARDIM, Philippe Gomes; LIRA, Ronaldo José. A Codemat em três momentos: o presente, o passado e o futuro. In: JARDIM, Philippe Gomes; LIRA, Ronaldo José (Coord.). Meio ambiente do trabalho aplicado: homenagem aos 10 anos da Codemat. São Paulo: Ltr, 2013.; ARTUR E FREITAS, 2017; FERNANDES E LOPES, 2018FERNANDES, Estêvão Rafael; LOPES, Dalliana Vilar. O papel do Ministério Público frente ao escravismo na Amazônia: o caso de Rondônia. Rev. Direito Práx., Rio de Janeiro, v. 9, n. 1, p. 372-393, Mar 2018. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/article/view/3271. Acesso em: 16 jan. 2021.
https://www.e-publicacoes.uerj.br/index....
; FREITAS, 2020).

As pesquisas revelam a forte atuação do MPT como agente fiscalizador e garantidor dos princípios constitucionais do valor social do trabalho, dignidade da pessoa humana e da justiça social, principalmente após a Lei Complementar 75/95, que dispôs sobre a organização, atribuições e o estatuto do Ministério Público da União, o qual o MPT integra. Foi a partir desse momento, que o MPT passou a ser mais ativo, defendendo os interesses coletivos do trabalho, com a utilização do inquérito civil público e da ACP (CARELLI, 2011aCARELLI, Rodrigo de Lacerda. O mundo do trabalho e os direitos fundamentais: o Ministério Público do Trabalho e a representação funcional dos trabalhadores. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Ed., 2011a.).

Antes mesmo da Reforma Trabalhista, em uma lógica de aproximação com a sociedade civil e de guardiã dos valores sociais do trabalho, através de sua associação nacional, a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), os membros do MPT já vinham expressivamente acionando o STF ou atuando como amicus curae, em questões relativas ao meio ambiente do trabalho, à terceirização e ao combate ao trabalho em condições análogas à de escravo, com o objetivo de ver a legislação trabalhista interpretada segundo convenções internacionais do trabalho e pactos de direitos humanos (ARTUR; FREITAS, 2017ARTUR, Karen; FREITAS, Lígia Barros de. Direitos do trabalho em disputa no STF: o papel dos procuradores do trabalho. Revista Debates, Porto Alegre, v. 11, n. 3, p. 101-126, set.- dez. 2017.).

Conforme Mello Vieira e Dutra (2020), o desfazimento de um padrão constitucional e protetivo do trabalho já vinha ocorrendo e sendo objeto de disputa no Poder Judiciário Trabalhista desde 1988. Esse processo, que os autores identificaram como “desconstitucionalização do direito do trabalho”, iniciou-se com a ascensão das políticas econômicas neoliberais da década de 1990 e com medidas flexibilizadoras do direito do trabalho, como instituição de banco de horas, contratos de curta duração e precários e avanços das possibilidades de terceirização. A partir dos anos de 2000, o STF passa a se posicionar com entendimentos cada vez mais afastados dos pressupostos constitucionais do trabalho, pautados em decisões economicistas, supostamente em prol do aumento da competitividade das empresas brasileiras e da ampliação do mercado formal de emprego, além de revisar matérias infraconstitucionais, alargando artificialmente sua competência jurisdicional, quando revisa a jurisprudência trabalhista.

Nesse contexto, as coordenadorias nacionais do MPT incluíram em sua atuação estratégica a constituição de políticas públicas, construindo os seus projetos em respostas à mobilização que os movimentos sociais e entidades sindicais fazem ao procurar o MPT. (ARTUR, 2016ARTUR, Karen. Ministério Público do Trabalho: construção institucional e formação da agenda. Revista Mediações (UEL), v. 21, 2016, p. 167-198.). No período de pré-aprovação da Reforma Trabalhista, as inconstitucionalidades dos dispositivos da nova lei foram apontadas nas Notas Técnicas elaboradas pelo MPT6 6 Sobre as alterações flexibilizantes das relações de trabalho, o MPT expediu as Notas Técnicas de 01/2017 a 08/2017. .

Segundo Krein e Borsari (2020KREIN, José Dari; BORSARI, Pietro. Pandemia e desemprego: análise e perspectivas. Coronacrise: a pandemia, a economia e a vida. Campinas, 2020. Disponível em:https://www.economia.unicamp.br/covid19/pandemia-e-desemprego-analise-e-perspectivas. Acesso em 14maio.2020.
https://www.economia.unicamp.br/covid19/...
), o mercado de trabalho brasileiro, quando se inicia a pandemia, encontra-se desestruturado, ainda não recuperado da crise econômica de 2015/2016. As orientações políticas para enfrentamento da crise do desemprego não trouxeram os resultados prometidos, com a insistência do ajuste fiscal e progressivas ondas da reforma trabalhista e previdenciária.

Dessa forma, a Covid-19 veio para aprofundar a crise nas condições de trabalho e renda do trabalhador, que já estava em andamento. A ação estratégica do Ministério Público do Trabalho em 2020 focou preponderantemente no combate aos efeitos da pandemia. O MPT, no interior da estrutura do Ministério Público da União, foi o primeiro a apresentar um plano de ação para atuar frente à pandemia, tanto internamente, com o investimento e as adequações de estruturas físicas, equipamentos de proteção coletiva e individual de seus servidores e medidas de trabalho remoto; como pela adoção de medidas para atuação finalística do órgão, como a criação do Plano Nacional de Atuação do MPT contra a Covid 19, criação do Grupo de Trabalho “ GT COVID-19” ( Portaria PGT nº 470/2020) .

O GT COVID-19, composto pelos coordenadores e seus vices das Coordenadorias Temáticas Nacionais7 7 As Coordenadorias do MPT são em número de oito, divididas segundo temas específicos de proteção ao trabalhador. Elas são responsáveis por emitirem projetos estratégicos, orientações e comandarem grupos de estudos e forças -tarefas, direcionando e unificando à atuação das Procuradorias Regionais do Trabalho. e outros órgãos superiores do MPT8 8 Os órgãos superiores mencionados: Procurador- Geral do Trabalho e o vice, Câmara de Coordenação de Revisão, Conselho Superior do Ministério Público do trabalho, Secretaria de Relações Institucionais e Secretaria de Planejamento e Gestão Estratégica. , ficou responsável pela organização e pelo planejamento das ações para proteger a saúde do trabalhador e para reduzir os impactos negativos trabalhistas decorrentes da pandemia. Foi fruto de sua atuação, a criação do Plano de Ação Covid-19, que culminou com a criação de um plano nacional para enfrentamento da pandemia, com a finalidade de serem replicados nas unidades regionais. As PRTs foram orientadas a aplicar o Plano de Ação Covid-19, bem como elaborarem os seus.

Segundo estudo de Buarque e Cunha (2020BUARQUE, Carolina De Prá Camporez; CUNHA, Tadeu Henrique Lopes da. A tutela do ordenamento jurídico trabalhista e a atuação do Ministério Público do Trabalho na pandemia. In: OLIVEIRA, Dalila Andrade; POCHMANN, Marcio. A devastação do trabalho. A classe do labor na crise da pandemia. 1º ed. Brasília: Editora Positiva - CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação e Grupo de Estudos sobre Política Educacional e Trabalho Docente, p. 109- 140, 2020.), a atuação do MPT nesse contexto da pandemia reforçou a sua missão constitucional de defesa do ordenamento jurídico social trabalhista, em especial, pela busca de soluções negociadas para preservação das condições sanitárias do meio ambiente, evitando o adoecimento dos trabalhadores e a propagação do vírus no âmbito da sociedade, e para a manutenção dos postos de trabalho e renda dos trabalhadores.

4. O enfrentamento da Covid-19: Medidas Provisórias, Notas Técnicas e Recomendações do MPT

Em resposta à legislação criada pelo governo federal para enfrentamento à Covid-19, o Grupo de Trabalho Covid- 19 e/ou as coordenadorias do MPT expediram 22 Notas Técnicas, em 2020, e duas Notas Técnicas em 2021, apontando a incongruência das normas expedidas com a Constituição, Convenções da OIT ou com declarações de direitos humanos, gerando o aprofundamento da desproteção ao trabalhador9 9 No site da PRT/ 3ª Região é possível consultar as Notas técnicas e Recomendações mencionadas. Ver em: https://www.prt3.mpt.mp.br/procuradorias/prt-belohorizonte/1410-em-dia-com-o-mpt-na-crise-do-coronavirus%20. .

Em 02 de março de 2020, o MPT, em conjunto a Coordenadoria Nacional de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho (CODEMAT) e a Coordenadoria Nacional de Combate às Irregularidades Trabalhistas na Administração Pública (CONAP) expediu a primeira Nota Técnica, orientando aos membros do MPT acompanharem as medidas sanitárias implementadas localmente, por meio dos Planos Municipais e Estaduais de Contingência, e recomendarem às autoridade sanitárias dos estados e municípios a observância das medidas de proteção à saúde e segurança do trabalhador, notadamente dos profissionais de saúde e dos trabalhadores envolvidos em transporte.

No período entre a declaração de pandemia pela OMS, ocorrida em 11 de março de 2020, e a primeira Medida Provisória, MP 926 de 20 de março de 2020, o MPT já havia expedido mais quatro Notas Técnicas10 10 Nota Técnica nº 02/20, conjunta PGT, CODEMAT e CONAP; Nota Técnica nº 03/20, conjunta PGT, COORDIGUALDADE, CODEMAT e CONAP; Nota Técnica nº 04/20, conjunta PGT, COORDIGUALDADE, CODEMAT, CONAETE , CONAFRET e CONAP; Nota Técnica 05/20, conjunta PGT E COORINFÂNCIA. , trazendo outras recomendações de medidas que deveriam ser adotadas nas empresas, inclusive para trabalhadores de plataformas digitais, nos órgãos públicos, em todos os setores econômicos ou entidades sem fins lucrativos. As medidas sugeridas foram o fornecimento de água e sabão nos lavatórios e álcool 70%; medidas de alteração na rotina de trabalho, flexibilizando jornadas no período em que serviços de creches, escolas e transportes não estivessem funcionando; observar a quarentena e demais orientações de saúde para os trabalhadores infectados e com sintomas; aumentar o distanciamento entre os trabalhadores, reduzindo inclusive a força de trabalho se necessário, sempre observando a irredutibilidade salarial; advertir as empresas tomadoras de serviço sobre a responsabilidade de adoção das medidas para prevenção do contágio do novo coronavírus dos empregados terceirizados; recomendação para colocar em trabalho remoto trabalhadores com encargos familiares, gestantes, pessoas idosas ou com deficiência.

Para os empregados domésticos a recomendação foi de dispensa de comparecimento ao local do trabalho, com remuneração assegurada, pelo período em que vigorassem as medidas de contenção da pandemia, excetuado as pessoas cuidadoras de idosos. Em relação aos empregados, aprendizes e estagiários adolescentes, recomendou-se o afastamento das atividades presenciais, sem prejuízo da remuneração.

As Medidas Provisórias 926 e 92711 11 A MP 927/2020 por não ter sido convertida em lei, perdeu sua eficácia em 19 de julho de 2020. A MP 926 e MP 936 converteram-se na Lei 14.035, de 11 de agosto de 2020 , de 20 e 22 de março de 2020, respectivamente, criaram regramentos direcionados aos trabalhadores, com a predominância do acordo individual do trabalho e aceitando que a declaração de que a calamidade pública constitui força maior para fins trabalhistas, o que implicaria em dispensas mais facilitadas. As medidas trouxeram a flexibilização das normas do trabalho quanto à alteração de regime presencial para o teletrabalho, sobre antecipação de férias individuais e seu pagamento, banco de horas, antecipação de feriados, suspensão do contrato de trabalho por quatro meses12 12 A MP 928 de 23 de março de 2020, revogou a possibilidade de suspensão do contrato de trabalho por quatro meses. A MP 936/2020 possibilitou a suspensão do contrato de trabalho por 60 dias. , a não caracterização de doença ocupacional ao contrair Covid-19, exceto se comprovar o nexo de causalidade entre o trabalhador e o local de trabalho.

No interregno entre a publicação das duas MPs, o MPT expediu a Recomendação nº 2, em conjunto da PGT e GT COVID-19, recomendando à empresas e empregadores não inclusos nas atividades essenciais, elencadas no Decreto 10.282/2020, a aceitarem a autodeclaração do empregado a respeito do seu estado de saúde, permitindo o seu afastamento.

Na Nota Técnica nº 06, a Procuradoria Geral do Trabalho (PGT) e Coordenadoria Nacional de Promoção e Liberdade Sindical (CONALIS) recomendaram a primazia das negociações coletivas, tanto para as alterações individuais dos contratos de trabalho, quanto para as dispensas coletiva decorrentes da pandemia, e o diálogo tripartite, como preconizado pela OIT. Advertiram que os planos de demissão voluntário ou equivalente fossem as últimas medidas a tomar, e sugeriram a ultranormatividade das cláusulas coletivas no período de adoção das medidas sanitárias.

A preocupação com as medidas governamentais de contenção da pandemia para os trabalhadores com deficiência volta a ser o objeto da Nota Técnica 07, conjunta da PGT e Coordenadoria de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho (COORDIGUALDADE), com a orientação de medidas de flexibilização da prestação de serviço, a fim de assegura igualdade de oportunidades e de tratamento desses trabalhadores.

Em 28 de março de 2020, o MPT lança uma Nota Técnica sobre a MP nº 927/2020, apontando a discordância com algumas determinações. Nesse sentido, aponta a inconstitucionalidade do art. 2º, possibilitando a prevalência do acordo individual escrito sobre negociações coletivas. Em razão da imperatividade das normas de saúde e segurança do trabalho, aponta a violação aos direitos fundamentais dos artigos 3º, incisos VI e artigo 17, que permitem a suspensão unilateral, por parte do empregador, das medidas de segurança e saúde do trabalhador, inclusive com a suspensão do processo eleitoral das comissões internas de prevenção de acidentes (CIPA). Sobre o artigo 4º, permitindo o empregador alterar o regime de trabalho presencial para o teletrabalho, remoto ou outra forma à distância, podendo convocar o trabalhador retornar presencial, sem quaisquer formalidades, a referida Nota entende que a retomada deve ser condicionada à cessação das medidas de contenção previstas em lei ou decretos das autoridades sanitárias. Ainda, sobre o mesmo artigo, § 5º que não considera tempo à disposição do empregador o uso de aplicativos e programas de comunicação, o MPT entendeu que fere o devido repouso do trabalhador. Em relação à possibilidade de antecipação das férias, prevista no artigo 6º, § 2º, foi ressaltado o direito fundamental às férias anuais (artigo 7º, XVII da Constituição Federal), devendo ser observada a necessidade de gozo anual para os períodos futuros. Outras contestações foram a respeito da possibilidade de prorrogação das escalas de horas suplementares dos profissionais da saúde (art. 26); a dificuldade que a MP impôs, principalmente ao trabalhador da saúde, linha de frente de combate à Covid-19, quando dispõe que casos de contaminação de Covid-19 não serão doenças ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal; a inconstitucionalidade da prorrogação de normas coletivas a critério do empregador (art. 30) e a restrição à fiscalização pelos auditores-fiscais do trabalho, não podendo impor multas para a grande maioria das infrações trabalhistas nesse contexto de pandemia.

Ainda a respeito da MP 927/20, foram lançadas outras duas Normas Técnicas, tratando do Projeto de lei nº 18/2020, para conversão em lei, o que não ocorreu13 13 Nota Técnica sobre o art. 34 do projeto de lei de conversão da Medida Provisória nº 927/2020, que altera o art. 253 da CLT e Nota técnica sobre o art. 28, parágrafo único, do Projeto de Lei de Conversão nº 18/2020, da Medida Provisória nº 927/2020. . Em uma delas, o MPT opôs-se ao artigo 34, que modificaria o artigo 253 da CLT, restringindo a concessão de pausas intrajornadas para trabalhadores em ambiente de trabalho com temperatura inferior a 4º Celsius, o que atingiria os empregados das empresas de abate e processo de carnes (frigoríficos). Na outra Nota Técnica, apontou à inconstitucionalidade do artigo 28, que possibilitaria a suspensão do cumprimento dos acordos trabalhistas e protestos de título derivados de rescisão trabalhista ou que disponham sobre plano de demissão voluntária.

A Nota Técnica 13, conjunta da PGT e Grupo Covid-19, também volta à MP 927/20, quando apontam que a proposta de Portaria pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério Econômico retomava os artigos 15 e 16 daquela MP, sobre a suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho para trabalhadores em serviço essencial, o que fere o artigo 62, § 10, da Constituição da República, sob a vedação de reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha perdido sua eficácia por decurso de tempo.

Com a publicação da MP 936, de 1º de abril de 2020, foi editada a Nota Técnica sobre a Medida Provisória nº 936/2020. A Nota assinala a inconstitucionalidade dos artigos 7º, 8º, 9º e 12 da referida MP que autorizam a redução proporcional da jornada do trabalho e de salários dos trabalhadores por acordo individual. Elenca o tratamento discriminatório de trabalhadores, já que o seu artigo 12 estabelece que os trabalhadores que tenham salários iguais ou inferiores a R$ 3.135,00 podem pactuar por acordo individual ou negociação coletiva a redução proporcional da jornada de salário ou suspensão do contrato de trabalho, e os que recebem salários maiores a esse patamar, somente através de convenção ou acordo coletivo. O MPT, ainda, aponta a lacuna da MP 936/2020 em relação à proteção adequada ao trabalhador com deficiência para o recebimento do Benefício Emergencial e a ausência de medidas protetivas aos aprendizes e empregados adolescentes, tanto em relação à percepção diferenciada do Benefício Emergencial, como quanto à necessidade de proteção em face do contágio laboral enquanto perdurar o estado de calamidade.14 14 Esse tema também é objeto das Nota Técnica nº 10 e nº 12, ambas conjunta da PGT e Coordinfância . Pelo lado das empresas a serem beneficiárias do Programa Emergencial, a Nota aponta que somente deverão ser destinadas às empresas que enfrentam redução de faturamento e/ou produção em razão da pandemia.

A PGT e o GT COVID-19, em razão da Norma Reguladora nº 4 da Secretaria Especial de Relações do Trabalho- Ministério da Economia, expedem a 2º Recomendação, orientando que o Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest) e a vigilância epidemiológica mantenham contato com as empresas, identifiquem os responsáveis técnicos pela elaboração e implementação do plano de contingência para gerenciamento da pandemia.

Outras Notas Técnicas expedidas pelo MPT reforçaram as lacunas de disciplina para trabalhadores em condições especiais e a necessidade de medidas de enfrentamento da Covid-19. Essas Notas Técnicas se direcionam às condições de trabalho dos refugiados15 15 Nota Técnica n° 09/20, em conjunto Grupo de Trabalho Migrantes e Refugiados, CONAETE e COORDIGUALDADE . , indígenas16 16 Nota Técnica n º 14/2020, do GT Nacional Covid-19 , professores trabalhando em plataformas virtuais e home-office17 17 Nota Técnica nº 11/20, do GT COVID-19. , trabalhadores de grupo de risco18 18 Nota Técnica nº 16/20, do GT COVID-19. , trabalhadores em geral em trabalho remoto (“home office”)19 19 Nota Técnica nº 17/20, conjunta do GT COVID- E GT NANOTECNOLOGIA. . Ainda, três Notas Técnicas que reforçaram as medidas gerais para evitar assédio e violência no trabalho20 20 Nota Técnica nº 08/20, conjunta do PGT e COORDIGUALDADE e CONALIS, reforça medidas previstas nas Nota Técnica/MPT nº 1,2,3, 4, 6 e 7/20. , sendo que os regramentos também se direcionam aos terceirizados21 21 Nota Técnica nº 18, do GT COVID-19. e para profissionais da saúde 22 22 Nota Técnica nº 15/20, conjunta do GT Nacional Covid-19 e GT Saúde na Saúde Covid-19 .

No ano de 2021, o MPT, atento aos estudos a respeito do aumento da morbimortalidade de gestantes e puérperas por Covid-19 no Brasil, expediu a Nota Técnica 01/21, do GT COVID-19, com normas de proteção às trabalhadoras gestantes. Além disso, frente ao início da vacinação contra COVID-19 no país, expede a Nota Técnica 02/21, do GT COVID-19, para defender a ordem preferencial dos trabalhadores considerados essenciais ao controle de doenças, abrangendo também os terceirizados que prestam serviços auxiliares aos profissionais da saúde no meio ambiente do trabalho.

5. Análise das ações coletivas interpostas pela PRT da 3ª Região- Minas Gerais

A pesquisa das 19 ações selecionadas, interpostas pelo MPT, não teve o propósito de esgotar a análise de toda a atuação da PRT da 3ª Região, que foi muito mais ampla no enfrentamento às consequências da Covid-19 nas relações de trabalho23 23 Vide Relatório de Atividades da PRT/ 3ª Região, segundo os tópicos do Plano de Ação regional, com ações até agosto de 2020. Disponível em: https://mpt.mp.br/pgt/noticias/resultados-da-atuacao-parametrizados-pelo-plano-de-acao-nacional-covid-19-prt-3-por-eixos-revisado-1.pdf. e ainda está em andamento. Para facilitar a exposição da análise, passa-se a apresentá-la em subseções.

5.1. Quadro geral das ações

Em relação às ACPs, em três delas são encontrados, no polo passivo, o município e instituições da área de saúde ligadas ao poder público, ainda que as ações tenham sido propostas contra as fundações privadas encarregadas em administrá-las. Em outras duas ACPs, também são tratadas as situações de servidores e empregados públicos, mas, de modo geral, incluem outros trabalhadores além do setor da saúde, propostas contra uma empresa pública prestadora de serviços e, na outra, contra um município. Todas têm como objeto as medidas de medicina e segurança no trabalho para enfrentamento da Covid-19, desde o fornecimento de álcool e máscaras, como questões mais complexas de afastamento de empregados do grupo de risco (com comorbidades, acima de 60 anos e gestantes) e a extrapolação da jornada de trabalho.

Ainda sobre as ACPs, em que é parte a Administração Pública, há uma ação proposta em face do Departamento de Estrada e Rodagem, pleiteando o afastamento imediato dos servidores e empregados terceirizados que comprovem o enquadramento nos critérios de risco24 24 Os critérios: acima de 60 anos ou mais, gestantes, imunossuprimidos, diabéticos, hipertensos, pneumopatas, cardiopatas e portadores de nefropatias. e a aplicação em massa de testagem da doença.

As empresas de transportes figuram em três ACPs e; em duas delas, em litisconsórcio passivo, mais de três empresas, e em uma das ações, o MPT ingressa em litisconsórcio ativo com o sindicato dos trabalhadores dos transportes. Em duas das ACPs, os pedidos foram em torno das dispensas em massa realizadas e do pagamento das verbas rescisórias e, na outra, sobre medidas de enfrentamento à Covid-19.

Também foram alvos das ACPs três grandes mineradoras, e em todas são pleiteadas as medidas de medicina e segurança do trabalho. Pelas constatações prévias do MPT, nos inquéritos civis, foram desrespeitadas as medidas sanitárias, o que deu causa, nas três ações, a pedido de liminar de suspensão das atividades, com o afastamento imediato de todos os trabalhadores, inclusive os terceirizados, das atividades que não fossem inadiáveis, dentre outras medidas. Como será visto mais adiante, nas três ações as tutelas de urgência foram indeferidas.

Outras quatro ACPs, foram propostas contra empresas, de atuação em setores diversificados, nas seguintes áreas: educação, hoteleira, indústria, comércio. Tanto na área de educação como na hoteleira, os pleitos foram para pagamento das verbas rescisórias e sobre a irregularidade das dispensas em massa. Em relação às ações propostas contra empregadores da indústria e do comércio, ambas foram acionadas para implementação de medidas de medicina e segurança de enfrentamento da Covid-19; uma delas trata-se de uma empresa pública bélica.

As duas ações anulatórias, AACC, requerendo a anulação de cláusulas abusivas em acordos coletivos, foram interpostas em face dos respectivos sindicatos e das empresas de transportes convenentes.

Das 19 ações analisadas, somente em uma AACC não foi possível identificar se a denúncia da situação irregular partiu da ação dos próprios procuradores ou se foram provocados por outras instituições. O sindicato da categoria realizou a denúncia ao MPT em seis das ações e, na área da saúde, uma associação médica foi a responsável por uma das denúncias.

Seguindo as diretrizes expedidas pelas NT, percebe-se o esforço de integração do MPT com os órgãos públicos, principalmente os responsáveis pela vigilância sanitária, como Secretarias de Saúde municipais e os Cerest, revelado nas denúncias desses órgãos em três das ACPs.

As denúncias realizadas no MPT podem ser anônimas, como foi o caso de quatro casos estudados. Empregados denunciantes e identificados foram responsáveis por duas denúncias. A denúncia partiu da própria PRT/Minas em duas ACPs, geralmente a respeito de fatos que ganharam muita repercussão na mídia local.

O Quadro 1, abaixo, traz as informações resumidas das ações.

Quadro 1
ACP e AACC sobre Covid 19 interpostas pela PRT/MG, no período fevereiro/20 a março/21.

5.2. Fundamentação Jurídica do Pedido

O estudo da fundamentação jurídica dos pedidos das ações apontou para a inexpressiva utilização das MPs e da mencionada lei, mesmo que somente uma das ACPs tenha sido proposta anteriormente à publicação das referidas normas. Nas 16 ACPs restantes, apenas em duas delas é utilizada a legislação mencionada, não como o principal argumento de direito, mas para ressaltar que as empresas tinham as opções de flexibilização oferecidas pelo Plano Emergencial de Manutenção de Emprego e Renda referente à jornada e ao salário e que, ao invés disso, preferiram violar direitos fundamentais, reduzindo ou suprimindo direitos já tão flexibilizados pelas novas normas governamentais.

A primeira delas foi interposta contra empresas de transporte de passageiros intermunicipal e interestadual e seus sócios, que trata da dispensa em massa de trabalhadores, sem assistência do sindicado, das irregularidades no pagamento das verbas rescisórias de forma parcelada25 25 Chegando a ser acordado o pagamento em 48 parcelas e em parcelas crescentes, com as primeiras em valores ínfimos, que não chegam a R$ 100,00 mensal. e do desrespeito à estabilidade para os empregados que tiveram seus contratos suspensos, nos moldes do Plano Emergencial de Manutenção de Emprego e Renda, o pedido principal de reintegração dos empregados. Sustentou-se constitucionalmente a proibição de demissão arbitrária (art. 7º, I da CFRB), a função social da empresa (art. 170, III da CFRB), o valor social do trabalho (art. 1º, IV da CFRB) e a proteção da dignidade da pessoa do trabalhador (art. 1º, III da CFRB), bem como o entendimento da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA)26 26 Enunciado 57 aprovado na 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, realizada em Brasília, em outubro de 2017. . Em relação à questão da necessidade de negociação coletiva para a dispensa coletiva, o MPT menciona os posicionamentos do STF27 27 Julgamento do RODC-309/2009-000-15-00 entendimento reafirmado mesmo após a Reforma Trabalhista nos julgados: RR -670- 63.2011.5.09.0006, AIRR-940-70.2015.5.23.0002 e um julgado do TRT328 28 RO- 0011159- 57.2016.5.03.0005 (RO). , que afirmam a sua imprescindibilidade e o controle de convencionalidade do art. 477- A da CLT, frente às Convenções da OIT e às normas de Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH).

Em pedido sucessivo, é pleiteada a condenação das rés ao pagamento das verbas rescisórias, incluindo a indenização da estabilidade provisória prevista na Lei 14.020/2020, já que haviam sidos celebrados acordos para redução de jornada de trabalho e de salário ou para suspensão temporária do contrato de trabalho, entretanto, mesmo mencionando a lei, faz a ressalva da necessidade do empregador utilizar-se com cautela das suas previsões: “Vale dizer, a empresa deveria realizar uma análise dos riscos da opção por qualquer ação prevista na norma mencionada, já que os riscos do negócio não devem ser transferidos ao empregado, que também resta prejudicado no caso, por ter perdido a sua fonte de subsistência”29 29 ACP 0010651-53.2020.5.03.0173, Petição inicial, página 32. .

Na outra ação, cujos réus são dois hotéis que celebraram acordo coletivo com o sindicato sobre a redução de jornada, redução de salário e concessão de férias, anteriormente à publicação da MP 936, desrespeitando princípios constitucionais, o MPT pleiteia que seja ao menos seguida as disposições da MP 936/2020, convertida na Lei 14.020/2020, a fim de garantir alguma proteção aos trabalhadores e para a adequação do conteúdo claramente ilegal firmando anteriormente. Igualmente ao caso anterior, a extensa fundamentação jurídica baseou-se em dispositivos constitucionais sobre a real proteção da saúde do trabalhador, com a efetiva redução dos riscos afetos ao meio ambiente laboral (art. 1º, IV; 5º, XXIII; 7º, XXII; 170, caput, III e VI; 196 e 225 da CFRB), na Declaração Universal dos Direitos do Homem, na Portaria nº 188 do Ministério da Saúde, que declarou a ESPIN, na Portaria nº 454, de 20 de março de 2020, do mesmo Ministério, que declarou o estado de transmissão comunitária do novo coronavírus e adotou critérios de isolamento domiciliar da pessoa com sintomas. Ainda menciona artigos da própria CLT sobre férias (art. 135 e 139 da CLT), redução salarial (art. 503) que foram desrespeitados, já que o acordo foi firmado anteriormente à MP, e mesmo os artigos acrescidos pela Reforma Trabalhista (art. 611-A e 611-B da CLT).

As demais ACPs, não fundamentadas nas MPs e na Lei 14.020/20, podem ser classificadas em dois grupos.

No primeiro grupo, encontram-se duas ACPs cujo objeto é o cumprimento da legislação trabalhista em relação, principalmente, ao pagamento das verbas rescisórias. Em uma delas, foi pago a menos aos seus empregados dispensados, com forte suspeita de coação para assinarem o acordo da dispensa, e na outra, os aproximadamente setenta empregados foram dispensados sem a realização do acerto rescisório, a entrega das guias para o levantamento do FGTS e a entrada no seguro desemprego, não contando também com o acompanhamento do sindicato para a prévia negociação coletiva. De forma semelhante às ações acima expostas, a fundamentação jurídica perpassa os dispositivos constitucionais, tratados internacionais, posicionamentos do TST e do TRT 3, sobre questão de convencionalidade e artigos da CLT.

No segundo grupo, encontram-se 13 ACPs que, de modo geral, demandam medidas de saúde e segurança do trabalho para o enfrentamento da Covid-19, como o fornecimento de álcool 70%; adequações de distanciamento nos locais de trabalho e nos transportes, quando fornecido; afastamento dos empregados com sintomas da Covid-19, segundo autodeclaração, e dos infectados; aferição de temperatura; testagem em massa nos empregados. Nessas, os pedidos foram fundamentados nas normas constitucionais que disciplinam o direito ao meio ambiente hígido do trabalho (art. 1º, IV; 5º, XXIII; 6º; 7º,XXII; 200, VIII 225 da CFRB, dentre outros), na Convenção 155 da OIT, nas leis federais (exemplos Lei 8080/90, Lei 6.938/81), nos artigos da CLT, nas Normas Regulamentadoras (NRs), nas portarias do Ministério da Saúde (MS) e nas leis estaduais e municipais.

Chama a atenção a recorrente menção às Portarias do Ministério da Saúde, que foram publicadas no início da pandemia, quando o Ministro ainda era Luiz Henrique Mandetta, defensor de medidas como o distanciamento físico. Nesse rol, encontram-se a Portaria nº 188 do MS, declarando a ESPIN, a Portaria 454 do MS, a qual declara o estado de transmissão comunitária do coronavírus, a Portaria nº 428 do MS, que dentre outras medidas estipula sobre medidas de isolamento para servidores e empregados públicos.

Além disso, destaca-se a utilização das leis municipais para disciplinar o isolamento, a quarentena e outras medidas para o enfrentamento, bem como o Decreto n° 47.886 /2020 do Governo de Minas Gerais que, além de prever as medidas de prevenção e enfrentamento da Covid-19, instituiu o Comitê Gestor do Plano de Prevenção e contingenciamento em Saúde do Covid-19 (Comitê Extraordinário). Quando isso ocorre, geralmente também se cita o art. 3º da Lei 13.979/2020, para reforçar o entendimento da competência dos municípios e Estados adotarem as referidas medidas.

Já nas duas Ações Anulatórias de Cláusulas Convencionais (AACC)30 30 Ambas interpostas perante a Comarca de Belo Horizonte, com diferença de cinco dias, figurando no polo passivo empresas de transportes de passageiros urbanos e o sindicato correspondente da base territorial, a primeira AACC 0011425-20.2020.5.03.0000, com 37 empresas e o sindicato de Belo Horizonte, e AACC 0011478-98.2020.5.03.0000, com 20 empresas e o sindicato com base territorial na região metropolitana de Belo Horizonte. Embora sindicatos diferentes, os acordos coletivos replicam basicamente as mesmas cláusulas contestadas nas referidas ações. , o MPT pede a declaração de nulidade de cláusulas estipuladas em acordos coletivos com os respectivos sindicatos, por falta de sustentação legal, eis que previam o pagamento das verbas rescisórias em até 5 vezes; o não pagamento de salário e de auxílio alimentação por 15 dias, podendo ser prorrogado por igual período, a critério da empresa; pagamento das férias coletivas a partir do 60º dia da normalização das atividades da empresa; cobrança pela empresa da compensação do banco de horas, além das horas extras permitidas por lei. As cláusulas pactuadas revelam o mais alto patamar de despublicização e desproteção do direito do trabalho até então atingido, com o apoio dos sindicatos profissionais. A maior parte da fundamentação jurídica, contestando as cláusulas, remete à Constituição Federal e aos artigos modificados pela própria Reforma, no sentido de interpretar restritivamente esses artigos acrescidos à CLT pela Lei 13.647/2017, a exemplo do art. 484-A da CLT que dispõe sobre a possibilidade de acordo entre empregado e empregador quanto ao pagamento de metade do aviso prévio indenizado e 20 % da indenização do FGTS, mas sem alterar a regra de pagamento integral dos valores rescisórios.

Mesmo com as possibilidades de flexibilização e precarização ofertada pelo arsenal de medidas criadas pelo Governo, o sindicato réu e as empresas, por meio dos acordos coletivos firmados, precarizam as condições de trabalho para além do permitido na nova legislação”31 31 BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. AACC 0011425-20.2020.5.03.0000. Petição Inicial, p. 9-10, 2020. . Nessas ações, novamente o MPT menciona as MPs e a Lei 14.020/2020 como a solução possível, mas não aplicada pelas empresas que, ao invés de se utilizarem de normas já tão flexibilizadoras, avançaram ainda mais no sentido de descumprir a legislação e deixar o trabalhador mais desprotegido.

5.3. Posicionamento da Justiça do Trabalho

A primeira instância da Justiça do Trabalho, no Estado de Minas Gerais, nas ACPs, de modo geral, atendeu aos pedidos do MPT e prestou a jurisdição mais rapidamente. Em 2019, a média para sentenciar, nesta Justiça, era de, aproximadamente, oito meses (245 dias)32 32 Dados extraídos do site do TST. Disponível em: http://www.tst.jus.br/web/estatistica/jt/prazos. Acesso: 25abr.20221. . Os processos aqui analisados, na média, levaram seis meses (187 dias) para a decisão de primeiro grau33 33 Para o cálculo da média aritmética simples, utilizou-se apenas os processos que já contam com sentenças de primeiro grau. .

Nas ACPs em que os pedidos de tutela de urgência já haviam sido analisados, ainda que em sete ações tenham sidos julgados procedentes e parcialmente procedentes, concedendo a maioria dos pedidos, tiveram menos receptividade por parte do Judiciário se comparadas com as sentenças. Houve um número considerável de indeferimento das tutelas de urgência, totalizando cinco ACPS. Em três dessas ações, contra mineradoras, que foram ajuizadas em comarcas diferentes, houve o indeferimento das liminares pelo argumento de que o art. 3º, § 1º, I do Decreto Federal nº 10.282/2020 enquadrou a atividade das mineradoras como essencial. Embora, em duas delas, tenha havido acordo sobre as medidas de proteção aos trabalhadores, ou seja, confirmando muitos fatos relatados pelo MPT e os pedidos da inicial, e uma tenha sido extinta sem resolução de mérito, impossibilitando analisar como seria a resposta do Judiciário, a constatação do indeferimento das três liminares aponta para a cautela dos juízes de primeiro grau para deferir tutelas de urgência para atividade essencial da mineração.

No TRT da 3ª Região, houve igual deferimento dos pedidos do MPT nas AACC. As tutelas de urgência foram de plano deferidas, inclusive reproduzindo a fundamentação legal da petição inicial sobre a observação de que as cláusulas negociadas não encontravam guarida: Medida Provisória 927 ou na Lei 14.020/2020, que, como acima asseverado, já trazem significativas modificações na legislação trabalhista para permitir às empresas a manutenção da atividade no período da calamidade pública causada pela COVID-19”34 34 AACC nº0011478-98.2020.5.03.0000 .

Já em relação às ações julgadas, não houve improcedência, já que, em três ACPs, houve homologação de acordo, duas foram julgadas procedentes e três parcialmente procedentes, com a maioria dos pedidos aceitos. Em cinco ACPs, ainda não há sentença de primeiro grau e, em duas, houve extinção sem resolução do mérito. De modo geral, os pedidos julgados procedentes foram feitos sob a mesma fundamentação apresentada pelo MPT.

Em relação às AACCs, nas duas ações, os magistrados julgaram no mesmo sentido, de que as cláusulas questionadas eram incompatíveis com os artigos constitucionais, extrapolando inclusive os limites da MP 927 e da Lei 14.020/20, assim como fundamentado pelo MPT, e mencionam que a capacidade negocial dos entes sindicais deve observar o artigo 611-A da CLT. Em ambos os casos foi afastado o sobrestamento da demanda, como pedido pelos sindicatos rés, para aguardar o julgamento do Recurso Extraordinário em Agravo nº 1.121.633/GO pelo plenário do STF, dada a decisão do Ministro Gilmar Mendes sobre o sobrestamento de todos os processos que versassem sobre a possibilidade de redução de direitos por meio de negociação coletiva.

Na AACC nº 0011425-20.2020.5.03.000, entretanto, as rés não se conformaram com a decisão e solicitaram Medida Cautelar na Reclamação 45.056/MG junto ao STF, requerendo a suspensão da tramitação do processo e dos efeitos da decisão dada em sentença naquele processo, por desrespeito à decisão do Ministro Gilmar Mendes supramencionada. Tal medida foi deferida pelo Ministro Nunes Marques, em 19 de fevereiro de 2021.

6. Considerações finais

Em um contexto de desemprego e redução da renda dos trabalhadores, iniciado em 2015 e agravado com a flexibilização das normas trabalhistas, a pandemia foi uma oportunidade para aprofundar o processo de desconstitucionalização e despublicização do direito do trabalho. Com isso, as MPs 926 927, 936 e a Lei 14.020/2020 fragilizam ainda mais as condições de trabalho e as negociações coletivas do trabalho.

A partir de 2020, o MPT, que já vinha atuando contra a precarização das normas trabalhistas e em favor de um meio ambiente saudável ao trabalhador, articulou-se por meio do GT-COVID 19 e de suas coordenadorias para combater os efeitos nocivos da pandemia e colocar em prática o plano de ação que as PRTs deveriam seguir coordenadamente. Dentre inúmeras inciativas, o MPT elaborou Notas Técnicas e Recomendações para pautar a sua própria ação e orientar instituições privadas e públicas.

As Normas Técnicas foram surgindo à medida que houve necessidade de regramentos ainda não existentes sobre medidas de contenção à Covid-19 e, após a edição das MPs e da Lei 14.020/2020, como reação a elas, geralmente apontando sua incompatibilidade com a Constituição Federal, os tratados internacionais e a legislação mais benéfica prévia, além de orientar situações de trabalho específicas, como no caso de trabalhadores em frigoríficos, de empregados domésticos, de trabalho de pessoas com deficiência, dentre outros.

Num aparente movimento de resistência e de valorização da constitucionalização dos direitos do trabalho, que tem sido atacada pelo próprio STF e pelas alterações à legislação trabalhista, o MPT tem feito a fundamentação jurídica das ações, que envolvem o enfrentamento da Covid-19, com base nos princípios constitucionais e nas Convenções da OIT, em parte reproduzidas no texto da Constituição Federal de 1988.

O grau de aprofundamento da desproteção ao trabalhador gerado pelas MPs e pela Lei 14.020/2020, amplamente apontado nas Notas Técnicas, também é percebido na fundamentação jurídica dos pedidos. Nas poucas vezes em que foram mencionadas, as novas normas foram apontadas como o último recurso que o empregador poderia se valer, como a suspensão do contrato de trabalho ou redução de jornada de trabalho, normas já bastante flexibilizadoras.

Quando o MP utiliza-se de normas modificadas pela Reforma Trabalhista, como o artigo 484-A da CLT que possibilita a rescisão de trabalho acordada, o faz para criticar o uso que os empregadores têm feito das MPs e da Lei 14.020/2020, estipulando acordos rescisórios com valores menores e prazos alargados para o pagamento.

Diferentemente da legislação federal publicada na pandemia, não utilizada pelo MPT em suas peças, a legislação municipal e estadual foram fartamente mencionadas, apontando com isso que se tratavam de normas mais benéficas ao trabalhador para o enfrentamento da infecção no local de trabalho e nos meios de transportes utilizados para chegar ao trabalho.

Em um forte movimento de resistência do MPT, as AACCs foram fundamentadas em dissonância com os artigos da Reforma Trabalhista, das MPs e da Lei 14.020/20, sobre negociação coletiva do trabalho, quando há o pedido de declaração de nulidade de normas estipuladas em acordos coletivos, por precarizarem as condições de trabalho. Nesta questão, inclusive, os magistrados que julgaram as ações procedentes, fizeram-no contrariando a norma do STF de sobrestamento dos processos que tratam do assunto, expedida em um Recurso Extraordinário. Em um dos processos, houve a intervenção direta do STF, por meio de uma Medida Cautelar em uma Reclamação, suspendendo a tramitação do processo e os efeitos da decisão de primeiro grau

De forma semelhante ao TRT, no julgamento das AACCs, os juízes de primeira instância que julgaram as ACPs, acataram, se não todos os argumentos do MPT, a maior parte deles. Entretanto, na análise dos pedidos de tutela de urgência, os magistrados foram mais resistentes, principalmente em relação aos processos que envolviam as mineradoras, sendo que, nesse caso, a legislação federal (Decreto 10.282/2020) acabou trazendo óbice na aplicação de medidas mais severas liminarmente, pelo fato da atividade do empregador estar inclusa na classificação de atividades essenciais.

Por fim, o estudo reitera que o MPT é uma instituição intermediadora entre o Estado e a sociedade civil, exercendo um importante papel canalizador das demandas de grupos ou instituições mais fracas para o Judiciário, principalmente em momentos de crise, como é o vivenciado com a pandemia de Covid-19.

Referências bibliográficas

  • ARANTES, Rogério Bastos Ministério Público e política no Brasil. São Paulo: Editora Sumaré, 2002.
  • ARANTES, Rogério Bastos; MOREIRA, Thiago M. Queiroz. Democracia, instituições de controle e justiça sob a ótica do pluralismo estatal. Opinião Pública, Campinas, vol.25, nº 1, p. 97-135, 2019.
  • ARTUR, Karen. Ministério Público do Trabalho: construção institucional e formação da agenda. Revista Mediações (UEL), v. 21, 2016, p. 167-198.
  • ARTUR, Karen; FREITAS, Lígia Barros de. Direitos do trabalho em disputa no STF: o papel dos procuradores do trabalho. Revista Debates, Porto Alegre, v. 11, n. 3, p. 101-126, set.- dez. 2017.
  • BUARQUE, Carolina De Prá Camporez; CUNHA, Tadeu Henrique Lopes da. A tutela do ordenamento jurídico trabalhista e a atuação do Ministério Público do Trabalho na pandemia. In: OLIVEIRA, Dalila Andrade; POCHMANN, Marcio. A devastação do trabalho. A classe do labor na crise da pandemia. 1º ed. Brasília: Editora Positiva - CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação e Grupo de Estudos sobre Política Educacional e Trabalho Docente, p. 109- 140, 2020.
  • CARELLI, Rodrigo de Lacerda; CASAGRANDE, Cássio; PÉRISSÉ, Paulo Guilherme Santos. Ministério Público do Trabalho e tutela judicial coletiva. Brasília: ESMPU, 2007.
  • CARELLI, Rodrigo de Lacerda. O mundo do trabalho e os direitos fundamentais: o Ministério Público do Trabalho e a representação funcional dos trabalhadores. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Ed., 2011a.
  • CARELLI, Rodrigo de Lacerda. O Ministério Público do Trabalho na proteção do Direito do Trabalho. Cad. CRH, Salvador, v. 24, n. set, p. 59-69, 2011b.
  • FERNANDES, Estêvão Rafael; LOPES, Dalliana Vilar. O papel do Ministério Público frente ao escravismo na Amazônia: o caso de Rondônia. Rev. Direito Práx., Rio de Janeiro, v. 9, n. 1, p. 372-393, Mar 2018. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/article/view/3271 Acesso em: 16 jan. 2021.
    » https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/article/view/3271
  • FREITAS, Lígia Barros de. A atuação preventiva do Ministério Público do Trabalho em defesa da saúde do trabalhador no triângulo mineiro: uma análise preliminar. In: MARTINS, Juliane Caravieri et al. Direito Ambiental e Meio Ambiente do Trabalho. Desafios para as presentes e as futuras gerações. São Paulo: Editora LTr, p. 233-240, 2020
  • GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Meio ambiente do trabalho hígido como direito fundamental e responsabilidade civil do empregador. Revista do Ministério Público do Trabalho, núm. 39, mar 2010.
  • GLOPPEN, Siri. Litigion as a Strategy to Hold Governments Accountable for Implementing the Right to Health. Healt and Human Rights, 2008, vol. 10, nº2, pp. 21-36, 2008
  • HONÓRIO, Claudia; VIEIRA, Paulo Joarês. Em defesa da Constituição: primeiras impressões do MPT sobre a “reforma trabalhista”. Brasília: Gráfica Movimento, 2018.
  • JARDIM, Philippe Gomes; LIRA, Ronaldo José. A Codemat em três momentos: o presente, o passado e o futuro. In: JARDIM, Philippe Gomes; LIRA, Ronaldo José (Coord.). Meio ambiente do trabalho aplicado: homenagem aos 10 anos da Codemat. São Paulo: Ltr, 2013.
  • KERCHE, Fábio. O Ministério Público no Brasil. Autonomia, Organização e Atribuições. Tese (Doutorado em Ciência Política), FFLCH, USP, 2002, 168p.
  • KREIN, José Dari; BORSARI, Pietro. Pandemia e desemprego: análise e perspectivas. Coronacrise: a pandemia, a economia e a vida. Campinas, 2020. Disponível em:https://www.economia.unicamp.br/covid19/pandemia-e-desemprego-analise-e-perspectivas Acesso em 14maio.2020.
    » https://www.economia.unicamp.br/covid19/pandemia-e-desemprego-analise-e-perspectivas
  • LIMA, Carlos Eduardo de Azevedo et al. Hermenêutica infraconstitucional da Lei nº 13.467/2017- Reforma Trabalhista. Brasília: Gráfica Movimento, 2018.
  • MACIEL, Débora Alves; KOERNER, Andrei. Sentidos da judicialização da política: duas análises. Lua Nova: Revista de Cultura e Política , 2002, n. 57 .
  • MACIEL, Débora. A reconstrução institucional do Ministério Público no processo político da redemocratização. Paper apresentado no 3º Congresso Latino-americano de Ciência Política- ALACIP. Campinas/SP, 2006, 22p. (mimeo)
  • MELLO FILHO, Luiz Philippe Vieira de ; DUTRA, Renata Queiroz. Desafios da tutela do trabalho no contexto de pandemia: desconstitucionalização, despublicização e desproteção. In: OLIVEIRA, Dalila Andrade; POCHMANN, Marcio. A devastação do trabalho. A classe do labor na crise da pandemia. 1º ed. Brasília: Editora Positiva- CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação e Grupo de Estudos sobre Política Educacional e Trabalho Docente, p. 141- 172, 2020.
  • MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO; ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Observatório Digital de Saúde e Segurança No Trabalho - Smartlab de Trabalho Decente MPT - OIT. 2018. Disponível em: http://observatoriosst.mpt.mp.br Acesso em : 04mai.2021.
    » http://observatoriosst.mpt.mp.br
  • NOGUEIRA, Bernardo Gomes Barbosa; FARIA, Fernanda Nigri. Direito do Trabalho em tempos de pandemia de Convid-19.In: In:MELO, Ezilda; BORGE, Liza; SERAU JÚNIOR, Marco Aurélio. (org). Covid-19 e direito brasileiro:mudanças e impactos. São Paulo: Tirant lo Blanch, 2020, p. 226-242
  • PORTO, Lorena Vasconcelos; BELTRAMELLI NETO, Silvio; RIBEIRO, Thiago Gurjão Alves. Temas da Lei n.º 13.467/2017 (Reforma Trabalhista):à luz das normas internacionais. Brasília: Gráfica Movimento, 2018
  • VIANNA, Luiz Werneck; BURGOS, Marcelo Baumann. Entre Princípios e Regras: Cinco Estudos de Caso de Ação Civil Pública. Dados, Rio de Janeiro, v. 48, n. 2005, p.777-843.
  • VIANNA, Luiz Werneck; BURGOS, Marcelo Baumann . A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Revan, 1999.
  • 1
    Agradeço a leitura atenta e a interlocução de ideias à Professora Doutora Karen Artur, da Universidade Federal de Juiz de Fora.
  • 2
    O valor total é a soma do arrecadado com ações judiciais (R$ 98.485.535,37) e ações extrajudiciais (R$ 2.573.719,70).
  • 3
    Segundo a autora, que propõe um “quadro de análise” para litígios na área da saúde, ainda há outros dois estágios de análise, neste estudo não realizados: estágio de implementação e estágio dos resultados sociais.
  • 4
    Agradeço à atenção da equipe da PRT/Uberlândia, em especial aos servidores Sergio Inocêncio Nascimento e Clésio Goncalves Caixeta, pela presteza nas informações e no fornecimento dos relatórios para pesquisas desenvolvidas por esta pesquisadora e alunos de iniciação científica da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG).
  • 5
    Disponível em: https://portal.trt3.jus.br/internet/servicos/pje/acesso-ao-sistema-pje. Acesso:18.ma2021.
  • 6
    Sobre as alterações flexibilizantes das relações de trabalho, o MPT expediu as Notas Técnicas de 01/2017 a 08/2017.
  • 7
    As Coordenadorias do MPT são em número de oito, divididas segundo temas específicos de proteção ao trabalhador. Elas são responsáveis por emitirem projetos estratégicos, orientações e comandarem grupos de estudos e forças -tarefas, direcionando e unificando à atuação das Procuradorias Regionais do Trabalho.
  • 8
    Os órgãos superiores mencionados: Procurador- Geral do Trabalho e o vice, Câmara de Coordenação de Revisão, Conselho Superior do Ministério Público do trabalho, Secretaria de Relações Institucionais e Secretaria de Planejamento e Gestão Estratégica.
  • 9
    No site da PRT/ 3ª Região é possível consultar as Notas técnicas e Recomendações mencionadas. Ver em: https://www.prt3.mpt.mp.br/procuradorias/prt-belohorizonte/1410-em-dia-com-o-mpt-na-crise-do-coronavirus%20.
  • 10
    Nota Técnica nº 02/20, conjunta PGT, CODEMAT e CONAP; Nota Técnica nº 03/20, conjunta PGT, COORDIGUALDADE, CODEMAT e CONAP; Nota Técnica nº 04/20, conjunta PGT, COORDIGUALDADE, CODEMAT, CONAETE , CONAFRET e CONAP; Nota Técnica 05/20, conjunta PGT E COORINFÂNCIA.
  • 11
    A MP 927/2020 por não ter sido convertida em lei, perdeu sua eficácia em 19 de julho de 2020. A MP 926 e MP 936 converteram-se na Lei 14.035, de 11 de agosto de 2020
  • 12
    A MP 928 de 23 de março de 2020, revogou a possibilidade de suspensão do contrato de trabalho por quatro meses. A MP 936/2020 possibilitou a suspensão do contrato de trabalho por 60 dias.
  • 13
    Nota Técnica sobre o art. 34 do projeto de lei de conversão da Medida Provisória nº 927/2020, que altera o art. 253 da CLT e Nota técnica sobre o art. 28, parágrafo único, do Projeto de Lei de Conversão nº 18/2020, da Medida Provisória nº 927/2020.
  • 14
    Esse tema também é objeto das Nota Técnica nº 10 e nº 12, ambas conjunta da PGT e Coordinfância .
  • 15
    Nota Técnica n° 09/20, em conjunto Grupo de Trabalho Migrantes e Refugiados, CONAETE e COORDIGUALDADE .
  • 16
    Nota Técnica n º 14/2020, do GT Nacional Covid-19
  • 17
    Nota Técnica nº 11/20, do GT COVID-19.
  • 18
    Nota Técnica nº 16/20, do GT COVID-19.
  • 19
    Nota Técnica nº 17/20, conjunta do GT COVID- E GT NANOTECNOLOGIA.
  • 20
    Nota Técnica nº 08/20, conjunta do PGT e COORDIGUALDADE e CONALIS, reforça medidas previstas nas Nota Técnica/MPT nº 1,2,3, 4, 6 e 7/20.
  • 21
    Nota Técnica nº 18, do GT COVID-19.
  • 22
    Nota Técnica nº 15/20, conjunta do GT Nacional Covid-19 e GT Saúde na Saúde Covid-19
  • 23
    Vide Relatório de Atividades da PRT/ 3ª Região, segundo os tópicos do Plano de Ação regional, com ações até agosto de 2020. Disponível em: https://mpt.mp.br/pgt/noticias/resultados-da-atuacao-parametrizados-pelo-plano-de-acao-nacional-covid-19-prt-3-por-eixos-revisado-1.pdf.
  • 24
    Os critérios: acima de 60 anos ou mais, gestantes, imunossuprimidos, diabéticos, hipertensos, pneumopatas, cardiopatas e portadores de nefropatias.
  • 25
    Chegando a ser acordado o pagamento em 48 parcelas e em parcelas crescentes, com as primeiras em valores ínfimos, que não chegam a R$ 100,00 mensal.
  • 26
    Enunciado 57 aprovado na 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, realizada em Brasília, em outubro de 2017.
  • 27
    Julgamento do RODC-309/2009-000-15-00 entendimento reafirmado mesmo após a Reforma Trabalhista nos julgados: RR -670- 63.2011.5.09.0006, AIRR-940-70.2015.5.23.0002
  • 28
    RO- 0011159- 57.2016.5.03.0005 (RO).
  • 29
    ACP 0010651-53.2020.5.03.0173, Petição inicial, página 32.
  • 30
    Ambas interpostas perante a Comarca de Belo Horizonte, com diferença de cinco dias, figurando no polo passivo empresas de transportes de passageiros urbanos e o sindicato correspondente da base territorial, a primeira AACC 0011425-20.2020.5.03.0000, com 37 empresas e o sindicato de Belo Horizonte, e AACC 0011478-98.2020.5.03.0000, com 20 empresas e o sindicato com base territorial na região metropolitana de Belo Horizonte. Embora sindicatos diferentes, os acordos coletivos replicam basicamente as mesmas cláusulas contestadas nas referidas ações.
  • 31
    BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. AACC 0011425-20.2020.5.03.0000. Petição Inicial, p. 9-10, 2020.
  • 32
    Dados extraídos do site do TST. Disponível em: http://www.tst.jus.br/web/estatistica/jt/prazos. Acesso: 25abr.20221.
  • 33
    Para o cálculo da média aritmética simples, utilizou-se apenas os processos que já contam com sentenças de primeiro grau.
  • 34
    AACC nº0011478-98.2020.5.03.0000

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Out 2021
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2021

Histórico

  • Recebido
    01 Jun 2021
  • Aceito
    03 Ago 2021
Universidade do Estado do Rio de Janeiro Rua São Francisco Xavier, 524 - 7º Andar, CEP: 20.550-013, (21) 2334-0507 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: direitoepraxis@gmail.com