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Legislação e qualidade da educação em enfermagem no contexto da pandemia de COVID-19

RESUMO

Objetivos:

refletir sobre os atos normativos governamentais editados para a educação superior durante a pandemia de COVID-19 e sobre as repercussões desses atos na qualidade da educação em enfermagem no Brasil.

Métodos:

trata-se de uma reflexão acerca das repercussões para a qualidade do ensino de enfermagem, baseada nos atos normativos aplicados ao ensino superior, promulgados no período de março a dezembro de 2020, disponíveis no site do Ministério da Educação e na literatura vigente sobre a temática, ancorada nas Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Enfermagem.

Resultados:

a legislação educacional, no contexto da pandemia, distanciou o ensino do mundo do trabalho, assim como da qualidade da formação estabelecida nas diretrizes.

Considerações Finais:

o ensino remoto na enfermagem dificulta a formação de profissionais com capacidade para a efetividade do processo de ensinar e aprender no mundo real do cuidado e da promoção da saúde no Sistema Único de Saúde.

Descritores:
Legislação; Educação Superior; Educação em Enfermagem; Pandemias; COVID-19

ABSTRACT

Objectives:

to reflect on the governmental normative acts issued for higher education during the COVID-19 pandemic and on the repercussions of these acts on the quality of nursing education in Brazil.

Methods:

this is a reflection on the repercussions for the quality of nursing education, based on the normative acts applied to higher education, enacted from March to December 2020, available on the Ministry of Education website and in the current literature on the subject anchored in the National Curriculum Guidelines for the Undergraduate Nursing Course.

Results:

educational legislation, in the context of the pandemic, distanced education from the world of work, as well as from the quality of training established in the guidelines.

Final Considerations:

remote teaching in nursing makes it difficult to train professionals with the capacity to effectively teach and learn in the real world of care and health promotion in the Unified Health System.

Descriptors:
Legislation; Graduate Education; Nursing Education; Pandemics; Coronavirus

RESUMEN

Objetivos:

reflexionar sobre actos normativos gubernamentales editados para la educación superior durante la pandemia de COVID-19 y las repercusiones de estos en la calidad de la educación en enfermería en Brasil.

Métodos:

reflexión sobre las repercusiones para la calidad de la enseñanza de enfermería, basada en actos normativos aplicados a educación superior, promulgados entre marzo a diciembre de 2020, disponibles en sitio del Ministerio de la Educación y en la literatura vigente sobre la temática, ancorada en Directrices Curriculares Nacionales de la Graduación en Enfermería.

Resultados:

la legislación educacional, durante la pandemia, alejó la enseñanza del mundo del trabajo, así como de la calidad de la formación establecida en las directrices.

Consideraciones Finales:

la enseñanza remota en enfermería dificulta la formación de profesionales con capacidad para efectividad del proceso de enseñar y aprender en el mundo real del cuidado y promoción de salud en el Sistema Único de Salud.

Descriptores:
Legislación; Educación Superior; Educación en Enfermería; Pandemias; COVID-19

INTRODUÇÃO

Este estudo apresenta uma reflexão sobre a legislação da educação superior durante a pandemia de COVID-19 e sua repercussão na qualidade da educação em enfermagem (QEE) no Brasil.

Em março de 2020, a Organização Mundial da Saúde reconheceu a disseminação do vírus SARS-CoV-2 e decretou a pandemia de COVID-19, demandando esforços internacionais para o controle do vírus e do aparecimento de novas variantes. Além da vacinação, a principal medida implementada foi o distanciamento social, que, por sua vez, trouxe mudanças para todos os setores da sociedade contemporânea, nos quais se incluem a saúde e a educação.

Essas mudanças exigiram medidas legais e com respostas imediatas. No Brasil, o Ministério da Educação (MEC) editou vários atos legais para disciplinar a oferta da educação, determinando a suspensão de aulas presenciais em todos os níveis de ensino.

O distanciamento social estabeleceu o ensino não presencial, sob a forma de ensino remoto. Os cursos de graduação passaram a adequar seus planos de ensino de modo a contemplar atividades síncronas e assíncronas dos conteúdos teóricos; docentes, discentes e técnico-administrativos passaram a ter interação virtual; as aulas práticas e os estágios foram suspensos, e as atividades de pesquisa e extensão ficaram sensivelmente comprometidas; foi possibilitada a adoção de metodologias remotas, como forma de evitar a interrupção do ano letivo, sem, contudo, considerar as especificidades que envolvem o ensino de práticas e estágios na formação em saúde, bem como as condições atuais dos cenários das práticas no enfrentamento da pandemia(11 Fernandes JD, Silva RMO, Cordeiro ALAO, Teixeira GAS. Estágio Curricular Supervisionado em tempos de pandemia da COVID-19. Esc Anna Nery. 2021;25(spe):e20210061. https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2021-0061
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).

Na área da saúde e, mais especificamente, na graduação em Enfermagem, o ensino remoto não favoreceu o atendimento das exigências que essa modalidade de ensino requer, e isso pode comprometer a qualidade das atividades acadêmicas, particularmente no que se refere à integração ensino-pesquisa-extensão e às atividades práticas e de estágio(22 Geremia DS, Vendruscolo C, Celuppi IC, Schopf K, Maestri E. Pandemia covid-2019: formação e atuação da enfermagem para o sistema único de saúde. Enferm Foco. 2020;11(1Esp):40-7. https://doi.org/10.21675/2357-707X.2020.v11.n1.ESP
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).

A formação de profissionais críticos, reflexivos, qualificados para o exercício da profissão com rigor científico, intelectual e pautado em princípios éticos, conforme orientado pelas Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Enfermagem (DCNs/ENF)(33 Presidência da República (BR). Resolução CNE/CES nº.3, de 7 de novembro de 2001. Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Enfermagem. 2001[cited 2021 Nov 2]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm
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), requer a inserção de estudantes nos diversos cenários de práticas, para que possam vivenciar a totalidade do processo de trabalho em saúde/enfermagem. As atividades de ensino na enfermagem são reiteradas no envolvimento discente com a dimensão cuidadora e de produção do cuidado, indispensáveis ao desenvolvimento de habilidades profissionais, logo, inviável no ensino à distância.

Ainda, a literatura que aborda as leis sobre a QEE, na pandemia de COVID-19, tem sido pouco explorada, tanto sob o prisma técnico quanto teórico. Tal fato justifica a realização do presente estudo, o qual procura subsidiar a adoção de medidas que possam assegurar padrões de qualidade compatíveis com as orientações das DCNs/ENF. O estudo se justifica, também, por oferecer às instituições de ensino uma fonte de consulta para novos estudos que possam contribuir para o avanço do conhecimento da área de enfermagem.

OBJETIVOS

Refletir sobre os atos normativos governamentais editados para a educação superior durante a pandemia de COVID-19 e sobre as repercussões desses atos na qualidade do ensino de enfermagem no Brasil.

METODOLOGIA

Trata-se de uma reflexão acerca das repercussões para a qualidade do ensino de enfermagem dos atos normativos governamentais promulgados para a educação superior durante a pandemia, entre de março a dezembro de 2020, e disponíveis no site do MEC.

Foram analisados 12 documentos relativos à legislação educacional, na perspectiva crítica e ancorada nas DCNs/ENF, o que permitiu discutir a realidade da educação em enfermagem, na sua dinamicidade e contradições, reconhecendo-a e relacionando-a com o momento pandêmico de provisoriedade e transformação; e na totalidade de sua inserção nas políticas públicas de educação no contexto da pandemia.

LEGISLAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR

A legislação educacional (LE) se constitui num conjunto de leis sob a ótica do ensino e das questões relacionadas ao setor educacional. Abrange as leis emergentes da Constituição Federal e aquelas aprovadas pelo Congresso Nacional e sancionadas pela Presidência da República. Pode abarcar, também, decretos, medidas provisórias, portarias, resoluções e pareceres ministeriais e interministeriais; tem caráter regulador e regulamentador. A legislação reguladora se manifesta por meio de leis federais, estaduais ou municipais. Já a legislação regulamentadora é prescritiva e institui normas para a execução das leis, prescrevendo ações fundamentais para o funcionamento das instituições educacionais(44 Martins V. O que é Legislação Educacional. DireitoNet [Internet]. 2002[cited 2021 Nov 2]. Available from: https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/579/O-que-e-Legislacao-Educacional
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).

No Brasil, o padrão de qualidade do ensino está garantido na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394/96 (LDB/96), que explicita a garantia do “padrão mínimo de qualidade de ensino”; estabelece, dentre outras, a necessidade de se estimular o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo; de se incentivar a investigação científica, o desenvolvimento da ciência e da tecnologia; promover a extensão, aberta à participação da população, visando à difusão das conquistas e benefícios resultantes da pesquisa científica e tecnológica geradas na instituição(55 Presidência da República (BR). Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (BR). Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. 23 dezembro de 1996[cited 2021 Nov 2];34(248)Seção 1:27.833-41. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm
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).

Na área da enfermagem, o ensino está fundamentado na LDB/96(55 Presidência da República (BR). Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (BR). Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. 23 dezembro de 1996[cited 2021 Nov 2];34(248)Seção 1:27.833-41. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm
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) e nas DCNs/ENF(33 Presidência da República (BR). Resolução CNE/CES nº.3, de 7 de novembro de 2001. Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Enfermagem. 2001[cited 2021 Nov 2]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm
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), que regulamentam os princípios, fundamentos, condições e procedimentos para a formação. Também explicitam os princípios que fundamentam uma educação de qualidade, tais como: formação integral, interdisciplinaridade, articulação teoria e prática, indissociabilidade ensino/pesquisa/extensão, competências e habilidades gerais e específicas para a promoção de conhecimentos requeridos para a atenção à saúde, no âmbito individual e coletivo, em todos os níveis de complexidade; comunicação e interatividade com pacientes, grupos e comunidades; liderança no trabalho em equipe multiprofissional; entre outros(33 Presidência da República (BR). Resolução CNE/CES nº.3, de 7 de novembro de 2001. Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Enfermagem. 2001[cited 2021 Nov 2]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm
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).

Além dos princípios destacados, as DCNs/ENF apontam a necessidade de uma formação comprometida e direcionada à concretização dos princípios da Reforma Sanitária e do Sistema Único de Saúde (SUS), bem como ao avanço da formação de um indivíduo crítico, cidadão, preparado para aprender, criar, propor e construir(33 Presidência da República (BR). Resolução CNE/CES nº.3, de 7 de novembro de 2001. Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Enfermagem. 2001[cited 2021 Nov 2]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm
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).

ATOS NORMATIVOS EDITADOS PARA A EDUCAÇÃO SUPERIOR DURANTE A PANDEMIA DE COVID-19

Diante da emergência sanitária provocada pelo novo coronavírus, o Ministério da Saúde, mediante a Portaria MS/GM nº 188, de 03/02 de 2020, decretou Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional. Essa Portaria, como instrumento de regulação de políticas, definiu instruções para a execução da Lei nº 13.979, de 06/02 de 2020, adotando, dentre outras medidas, o distanciamento social. Tal Lei foi regulamentada pelo Decreto nº 10.282, de 20/03 de 2020, que estabeleceu as atividades essenciais durante a pandemia de COVID-19. A educação, nesse Decreto, não foi incluída como atividade essencial à sociedade. Por isso, o funcionamento da educação superior passou a ser regulamentado, temporariamente, por Portarias e Pareceres do MEC e do Conselho Nacional de Educação (CNE). A Tabela 1 apresenta um panorama desses atos legais editados para a educação superior com repercussões no ensino de graduação em Enfermagem.

OS ATOS NORMATIVOS E A QUALIDADE DA EDUCAÇÃO EM ENFERMAGEM

Os atos normativos editados refletem o ideário do mundo contemporâneo, no qual problemas sociais podem ser solucionados com a açodada criação de normas legais que, diante da pandemia de COVID-19, estabeleceram a substituição do ensino presencial pelo ensino remoto em todas as instituições de ensino superior do país.

O ensino foi remodelado pela adoção de ferramentas tecnológicas digitais de informação e comunicação e passou a ser chamado “Ensino Remoto Emergencial”, ou seja, houve a mudança temporária da modalidade de ensino presencial para a modalidade remota, a fim de cumprir as regras do distanciamento social(66 Maciel MAC, Andreto LM, Ferreira TCM, Mongiovi VG, Figueira MCS, Silva SL, et al. The challenges of using active methodologies in remote teaching during the Covid-19 pandemic in a higher nursing course: an experience report. Braz J Develop. 2020;6(12):98489-504. https://doi.org/10.34117/bjdv6n12-367
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).

O ensino remoto emergencial demandou das instituições de ensino superior (IES) tomada de decisões rápidas, limitando ou não contemplando a execução de etapas fundamentais, tais como planejamento, capacitação dos envolvidos, preparo da infraestrutura tecnológica e atividades administrativas, revisão de atividades acadêmicas de práticas e estágios, particularmente no que se refere à integração ensino-pesquisa-extensão, inviabilizando uma educação de qualidade(11 Fernandes JD, Silva RMO, Cordeiro ALAO, Teixeira GAS. Estágio Curricular Supervisionado em tempos de pandemia da COVID-19. Esc Anna Nery. 2021;25(spe):e20210061. https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2021-0061
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,77 Lira ALBC, Adamy EK, Teixeira E, Silva FV. Nursing education: challenges and perspectives in times of the COVID-19 pandemic. Rev Bras Enferm. 2020;73(Suppl 2):e20200683. http://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0683
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, 88 Hodges C, Moore S, Lockee B, Trust T, Bond A. The difference between emergency remote teaching and online learning. Educause Rev [Internet]. 2020[cited 2021 Nov 2]. Available from: https://er.educause.edu/articles/2020/3/the-difference-between-emergency-remote-teaching-and-online-learning
https://er.educause.edu/articles/2020/3/...
).

Quadro 1 Atos normativos editados para a educação superior no período da pandemia de COVID-19
ORD ATO LEGAL ÓRGÃO CONTEÚDO
01 Portaria nº 343, de 17 de março de 2020 Ministério da Educação Dispõe sobre a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais enquanto durar a situação de pandemia de COVID-19.
02 Portaria nº 345, de 19 de março de 2020 Ministério da Educação Altera a Portaria MEC nº 343, de 17/03 de 2020.
03 Portaria nº 356, de 20 de março de 2020 Ministério da Educação Dispõe sobre a atuação dos alunos dos cursos da área de saúde no combate à pandemia de COVID-19.
04 Portaria nº 492, de 23 de março de 2020 Ministério da Saúde Institui a Ação Estratégica “O Brasil Conta Comigo”, voltada aos alunos dos cursos da área de saúde, para o enfrentamento da pandemia de COVID-19.
05 Portaria nº 374, de 3 de abril de 2020 Ministério da Educação Dispõe sobre a antecipação da colação de grau para os alunos dos cursos de Medicina, Enfermagem, Farmácia e Fisioterapia, exclusivamente para atuação nas ações de combate à pandemia de COVID-19.
06 Portaria nº 383, de 9 de abril de 2020 Ministério da Educação Dispõe sobre a antecipação da colação de grau para os alunos dos cursos de Medicina, Enfermagem, Farmácia e Fisioterapia, como ação de combate à pandemia de COVID-19 e revoga a Portaria MEC nº 374, de 03/04 de 2020.
07 Parecer nº 5, de 28 de abril de 2020 Conselho Nacional de Educação Dispõe sobre a reorganização do Calendário Escolar e da possibilidade de cômputo de atividades não presenciais para fins de cumprimento da carga horária mínima anual, em razão da pandemia de COVID-19.
08 Portaria nº 544, de 16 de junho de 2020 Ministério da Educação Dispõe sobre a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais enquanto durar a pandemia de COVID-19 e revoga as Portarias MEC nº 343, de 17/03 de 2020; nº 345, de 19/03 de 2020; e nº 473, de 12/05 de 2020.
09 Recomendação nº 4, de 1 de julho de 2020 Conselho Nacional de Educação Recomenda ao Ministério da Educação que observe o Parecer Técnico nº 162/2020 quanto a estágios e práticas na área da saúde durante a pandemia de COVID-19.
10 Lei nº 14.040, de 8 de agosto de 2020 Presidência da República Estabelece as normas educacionais excepcionais a serem adotadas durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20/03 de 2020; e altera a Lei nº 11.947, de 16/06 de 2009.
11 Portaria nº 1.030, de 1 de dezembro de 2020 Ministério da Educação Dispõe sobre o retorno às aulas presenciais e utilização de recursos educacionais digitais para integralização da carga horária das atividades pedagógicas enquanto durar a pandemia de COVID-19.
12 Portaria nº 1.038, de 7 de dezembro de 2020 Ministério da Educação Altera a Portaria MEC nº 544, de 16/06 de 2020, que dispõe sobre a substituição das aulas presenciais por aulas em meio digitais enquanto durar a pandemia de COVID-19; e a Portaria MEC nº 1.030, de 01/12 de 2020, que dispõe sobre o retorno às aulas presenciais e utilização de recursos educacionais digitais para integralização da carga horária das atividades pedagógicas enquanto durar a pandemia de COVID-19.
  • Ainda sob a ótica do comprometimento da qualidade do ensino, as IESs ficaram dispensadas da obrigatoriedade do número de dias de efetivo trabalho acadêmico previsto na LDB, mantendo-se, contudo, a exigência da carga horária observada nos projetos pedagógicos (Portaria nº 544 e Lei nº 14.040). Contraditoriamente, foi permitida a abreviação da duração dos cursos da área da saúde, desde que cumpridos 75% da carga horária de internato em medicina ou 75% do estágio curricular nos demais cursos da área da saúde.

    Outro aspecto contraditório foi a convocação pública de estudantes de último semestre e profissionais recém-egressos da formação superior em saúde, para a atuação em serviços de saúde, sem garantias adequadas de segurança, indo de encontro ao preconizado para o ensino não presencial, que objetivava a proteção de estudantes e profissionais.

    Ademais, observa-se que, na substituição do ensino presencial pelo ensino remoto para cumprimento do calendário acadêmico, não foram estabelecidas as condições para a manutenção real das finalidades da educação superior propostas pela LDB/96, como o estímulo ao conhecimento dos problemas do mundo presente, a prestação de serviços e estabelecimento de uma relação de reciprocidade com a comunidade(55 Presidência da República (BR). Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (BR). Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. 23 dezembro de 1996[cited 2021 Nov 2];34(248)Seção 1:27.833-41. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm
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    ). O ensino remoto contraria, ainda, as DCNs/ENF, cuja recomendação é de que as atividades teóricas e práticas estejam presentes desde o início do curso, permeando toda a formação da(o) enfermeira(o), com vistas ao desenvolvimento de conhecimentos, habilidades e atitudes para o alcance de uma formação de qualidade(33 Presidência da República (BR). Resolução CNE/CES nº.3, de 7 de novembro de 2001. Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Enfermagem. 2001[cited 2021 Nov 2]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm
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    ).

    Assim, entende-se que as medidas adotadas omitiram os inúmeros desafios estruturais e organizacionais das instituições formadoras e prestadoras de serviços de saúde. Nesse sentido, apontaram, prioritariamente, uma preocupação em prevenir a disseminação do vírus e suprir as deficiências dos serviços de saúde, sem a devida atenção com a qualidade da formação dos futuros profissionais de saúde e de enfermagem.

    Os atos normativos analisados, ao adotarem o distanciamento social, não consideraram as especificidades que envolvem as práticas e estágios na formação em saúde e, mais especificamente, em enfermagem, nem tampouco a realidade dos cenários das práticas no enfrentamento da pandemia. Não consideraram que algumas habilidades e competências não são passíveis de desenvolvimento no ensino não presencial, tais como habilidades sociais básicas e habilidades técnicas, além da necessidade de oportunidades de ensino-aprendizagem decorrentes da convivência dos estudantes nos serviços de saúde(11 Fernandes JD, Silva RMO, Cordeiro ALAO, Teixeira GAS. Estágio Curricular Supervisionado em tempos de pandemia da COVID-19. Esc Anna Nery. 2021;25(spe):e20210061. https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2021-0061
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    ).

    O desenvolvimento do ensino no mundo do trabalho estimula o aluno a refletir sobre suas atitudes, a construir o pensamento crítico sobre seu desempenho nos cenários das práticas e a criar laços e relações de confiança, desenvolvendo habilidades de relacionamento interpessoal e desafiando as possibilidades da educação não presencial(11 Fernandes JD, Silva RMO, Cordeiro ALAO, Teixeira GAS. Estágio Curricular Supervisionado em tempos de pandemia da COVID-19. Esc Anna Nery. 2021;25(spe):e20210061. https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2021-0061
    https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-20...
    ).

    Entende-se, pois, que uma formação em enfermagem desarticulada do mundo do trabalho pode reduzir a formação a um ensino meramente teórico, sem desenvolver e/ou problematizar questões sociais; sem adotar o SUS como eixo fundante da formação; e sem levar em conta o entorno social nas questões do ensino, da pesquisa e da extensão.

    O ensino distante do mundo do trabalho impossibilita a operacionalização da relevância social da prática de enfermagem e dificulta tanto o desenvolvimento do pensamento crítico diante das situações vividas para a tomada de decisão quanto a sustentação de uma relação reflexiva e ativa com base nas experiências no mundo do trabalho(99 Chirelli MQ, Sordi MRL. Pensamento crítico na formação do enfermeiro: a avaliação na área de competência Educação na Saúde. Rev Bras Enferm. 2021;74(suppl 5):e20200979 https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0979
    https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0...
    ).

    O desenvolvimento do ensino presencial no mundo do trabalho em enfermagem favorece a realização de atividades práticas essenciais voltadas para ações de acolhimento do paciente, família e comunidade. O mundo do trabalho se constitui, destarte, em espaços que envolvem a dimensão de produção do cuidado, indispensáveis à formação e desenvolvimento de habilidades profissionais, impossíveis de serem realizadas à distância, como atributos da qualidade do cuidado e da educação em saúde(99 Chirelli MQ, Sordi MRL. Pensamento crítico na formação do enfermeiro: a avaliação na área de competência Educação na Saúde. Rev Bras Enferm. 2021;74(suppl 5):e20200979 https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0979
    https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0...
    ).

    Outro destaque é que, ao se estabelecer a substituição do ensino presencial pelo remoto, a legislação deixou, a critério das instituições de ensino, a responsabilidade pela disponibilização de ferramentas aos alunos. Porém, não se considerou a baixa nos orçamentos que as instituições de ensino já vêm sofrendo, com infraestruturas deficitárias (acadêmica e administrativa) e dificuldades para dispor de equipamentos adequados, de acesso à internet de qualidade e capacitação de seus docentes para o uso pedagógico de ferramentas virtuais.

    Os documentos legais analisados não levaram em consideração, tampouco, os resultados das avaliações realizadas pelo INEP, em 2019, em que o Conceito Preliminar de Curso mensurou a qualidade dos cursos de graduação. Dos 793 cursos de graduação em Enfermagem avaliados, a maioria (51,4%) só teve desempenho correspondente ao Conceito 3(1010 Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, Inep (BR). Indicadores de Qualidade da Educação Superior [Internet]. 2019 [cited 2021 Nov 2]. Available from: https://www.gov.br/inep/pt-br/assuntos/noticias/indicadores-de-qualidade-da-educacao-superior/conheca-o-cpc-2019-de-cursos-da-saude.htm
    https://www.gov.br/inep/pt-br/assuntos/n...
    ).

    Percebe-se, portanto, que as instituições formadoras e os serviços de saúde, cenários de ensino-aprendizagem, não foram considerados em suas necessidades nem convidados a discutir caminhos possíveis e seguros para que a formação em enfermagem estivesse articulada com o mundo do trabalho, tendo em vista a realidade brasileira e a situação sanitária vivenciada com a pandemia de COVID-19. Os atos normativos foram editados de maneira verticalizada, sem espaço para diálogo e buscas de outras possibilidades.

    CONSIDERAÇÕES FINAIS

    Os atos normativos governamentais promulgados para a educação superior durante a pandemia de COVID-19 repercutiram na manutenção do “padrão mínimo de qualidade” assegurado pela LDB/96 ao abreviar a duração dos cursos da área da saúde, desde que cumpridos 75% da carga horária do estágio curricular; ao realizar convocação pública de estudantes de último semestre e profissionais recém-egressos para a atuação em serviços de saúde, sem garantias adequadas de segurança; e ao substituir o ensino presencial pelo ensino remoto, fragilizando a formação de profissionais com capacidade para a efetividade do cuidado e promoção da saúde no SUS.

    Nesse entendimento, diante do que foi experienciado no ensino superior, é importante destacar que a modalidade de ensino remoto não contempla a formação do profissional de enfermagem em sua totalidade. Portanto, é preciso atentar para possibilidades de pressões pós-pandemia para generalização dessa modalidade, em razão dos interesses econômicos envolvidos e da falta de um compromisso com a educação de qualidade.

    A mediação tecnológica no ensino de enfermagem não implica transpor meramente o ensino presencial para o contexto remoto. A sua adoção, em substituição à totalidade das atividades presenciais, alerta para o amplo uso da modalidade de ensino remoto como forma de ampliar o espaço aberto para o ensino à distância. Essa modalidade limita a perspectiva de uso de metodologias e tecnologias destinadas a laboratórios e processos de interação que possam viabilizar atividades práticas e estágios em espaços de trabalho da enfermagem, ferindo os princípios da qualidade emanados pelas DCNs/ENF.

    A presente reflexão evidencia a necessidade do processo formativo da(o) enfermeira(o) estar fundamentado na produção de conhecimentos mediante a inserção em realidades concretas, ou seja, formação centrada na práxis. Não há como transladar de forma açodada o planejamento de cursos presenciais em cursos baseados em trabalho remoto. O uso de tecnologias virtuais deve ser incorporado como dispositivo pedagógico auxiliar no processo de ensino, não para substituir o ensino presencial, mas, sim, para fortalecê-lo e qualificá-lo a fim de consolidar seu uso de forma coerente com a qualidade do ensino.

    A busca da garantia da QEE reafirma o compromisso com a defesa da formação presencial nos cenários de práticas que disponibilizam condições de trabalho, medidas adequadas de proteção física e psicossocial dos sujeitos do processo formativo e de fortalecimento do SUS. Nesses cenários, devem ser desenvolvidos os mais altos padrões das práticas de atenção e do ensino da saúde/enfermagem no país.

    As contribuições deste estudo são no sentido de destacar as fragilidades e lacunas das medidas legais editadas pelo MEC, no contexto da pandemia, e relacioná-las com os princípios de qualidade da educação de enfermagem nas DCNs/ENF.

    • FOMENTO

      Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) Processo nº 205736/2018-1

    REFERENCES

    Editado por

    EDITOR CHEFE: Dulce Barbosa
    EDITOR ASSOCIADO: Carina Dessotte

    Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Set 2022
    • Data do Fascículo
      2022

    Histórico

    • Recebido
      23 Nov 2021
    • Aceito
      18 Maio 2022
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