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Dossiê: Dias de pandemia: uma descida ao cotidiano da doença

O cotidiano da Covid-19 no olhar de mulheres negras cearenses

The daily life of Covid-19 in the eyes of black women from Ceará
Vera Rodrigues e Mona Lisa da Silva

Resumos

Esse artigo tem como objetivo expor percepções e experiências vivenciadas no cotidiano da atual da pandemia de Covid-19 através do relato de mulheres negras moradoras da cidade de Fortaleza/CE. Os depoimentos colhidos são das cursistas do Projeto de extensão “Mulheres Negras Resistem: processo formativo teórico-político para mulheres negras”. A perspectiva teórica e política que perpassa esses depoimentos dialoga com o feminismo negro e a luta antirracista.

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Entradas no índice

Palavras chaves:

mulheres negras, covid-19, cotidiano
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Notas da redacção

Versão original recebida em / Original Version 09/11/2020

Aceitação / Accepted 10/11/2020

Texto integral

Fortaleza e suas periferias – quadro da Covid local.

1A fim de pensar o cotidiano vivido das cursistas do Projeto Mulheres Negras Resistem em meio à pandemia ocorrida em decorrência da COVID-19, buscou-se estabelecer uma relação entre a localidade em que as cursistas se encontram e os dados publicados acerca dos casos de COVID-19 na cidade de Fortaleza/Ceará. Para tanto, faz-se necessário contextualizar onde a cidade se localiza, bem como apresentar algumas informações acerca de seus habitantes.

2De acordo com as informações oficiais fornecidas pela Prefeitura de Fortaleza1, a cidade que é capital do estado do Ceará, localizada no nordeste brasileiro é a 5ª maior capital do país. Possui 314.930km² de área total e está dividida administrativamente em sete Secretarias Executivas Regionais (SER) onde os 119 bairros da capital estão separados entre as SER I - VI e contam também com a Regional Centro (Sercefor).

3No que se refere ao número de habitantes, a pesquisadora negra Ariadne Rios (2019) em sua dissertação de mestrado intitulada: “Ser negra e negro em Fortaleza/Ceará: Uma análise interdisciplinar sobre desigualdade sociorracial e sociobiodiversidade”, aponta que dos mais de dois milhões e seiscentos mil habitantes que residem na cidade de Fortaleza, a população negra fortalezense é composta por um milhão, quinhentos e dezessete mil pessoas (entre pretas e pardas). A pesquisadora destaca ainda que a população negra é quem está nos piores índices de empregos, salários, acesso à saúde e educação.

4Em relação à divisão racial dos espaços na cidade, Rios (2019) também nos traz importantes dados que nos ajudarão a entender como a COVID-19 atingiu de forma diferente a população fortalezense. Segundo a pesquisadora, é visivelmente possível perceber as diferenças entre os bairros nobres – bairros como Meireles, Aldeota e Dionísio Torres – que apresentam em sua arquitetura enormes edifícios, casas amplas e espaçosas e bairros situados nas periferias de Fortaleza, onde as casas são verdadeiros cubículos e apresentam péssimas estruturas, ou estão localizadas em vilas. Exemplos de bairros como estes, onde a maioria da população é negra são os bairros Conjunto Ceará, Bom Jardim, Canindezinho e Presidente Vargas, dentre outros.

5O mapa a seguir nos ajudará a visualizar melhor cada bairro e sua respectiva Regional para que em seguida possamos analisar melhor cada regional e localizar onde residem as cursistas/ex-cursistas que aceitaram colaborar com esta pesquisa.

Figura 1 - Mapa Regionais de Fortaleza

Fonte: Secretaria Municipal do Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma).

  • 2 O território do Grande Bom Jardim é composto por cinco bairros: Bom Jardim, Canindezinho, Granja Li (...)

6Entre as 16 cursistas que aceitaram contribuir com relatos para esta pesquisa, temos mulheres negras moradoras de todas as regionais. Assim, da SER I: uma moradora do bairro Vila Velha; SER II: uma moradora do Joaquim Távora e uma do Meireles; SER III: uma moradora do Bonsucesso; SER IV: uma moradora do Benfica; SER V: três moradoras do Grande Bom Jardim2, uma do Conjunto Ceará, uma do Mondubim, uma do Novo Mondubim; SER VI: uma do moradora de Messejana, uma do Passaré; Sercefor: uma moradora do Centro.

7No que se refere aos dados da COVID-19, o Informe Semanal da COVID-193 publicado pela Prefeitura de Fortaleza/Secretaria Municipal de Saúde (SMS) no dia 07/08/2020 referente a 32ª semana epidemiológica apresenta a seguinte figura.

Figura 2 - Densidade espacial dos óbitos acumulados por COVID-19 em Fortaleza, 2020.

Fonte: SMS Fortaleza – COVID-19 – atualizado em 07 de agosto de 2020, às 11h.

8Conforme podemos ver no mapa acima, as áreas leste e sudeste da cidade (SER 6) e Sercefor (Centro) apresentam ausência de casos acumulados, já as áreas que concentram acúmulos de casos se referem às SER I e II. Já as SER III, IV e V apresentam casos acumulados em bairros dispersos. Contudo, segundo consta no Informe Semanal de COVID-19 da Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza (p.06) são nos bairros periféricos que se encontram o maior número de óbitos. No que se refere ao número de casos de cada SER, os dados do Semanal da Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza nos mostram o seguinte:

SER

Habitantes

Casos de Covid-19

Óbitos

Regional I

392.263

4.705

717

Regional II

360.412

8.220

535

Regional III

388.643

4.421

545

Regional IV

303.586

4.358

435

Regional V

583.706

6.307

830

Regional VI

583.706

7.618

642

Sercefor (Centro)

30763

748

73

Tabela 1 - Número de casos e óbitos Covid-19 por Regional

Fonte: Elaboração das autoras com base nos dados divulgados pelo Informe Semanal de COVID-19 da Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza.

9Em relação aos dados mais gerais sobre habitantes versus casos confirmados e número de óbitos em decorrência da COVID-19 nos bairros que as cursistas e ex-cursistas se encontram, constatamos as seguintes informações:

  • 4 A divisão de habitantes, casos e óbitos confirmados no território do Grande Bom Jardim são os segui (...)
  • 5 Bairro também dividido em territórios. Conjunto Ceará I: 20. 718 habitantes, 727 casos e 34 óbitos; (...)

Bairros/ SER

Habitantes

Casos de Covid-19

Óbitos

Vila Velha/SER I

66.418

490

101

Joaquim Távora/SER II

25.278

484

34

Meireles/SER II

39.863

1674

64

Bon Sucesso/SER III

44.403

394

63

Benfica/SER IV

13.964

22

14

Grande Bom Jardim/SER V4

220.200

2.140

305

Conjunto Ceará/SER V5

46.236

785

80

Mondubim/SER V

61.259

744

81

Novo Mondubim/SER V

22.023

121

38

Messejana/SER VI

44.937

1.277

70

Passaré/SER VI

54.909

712

42

Tabela 2 - número de casos é óbitos Covid-19 por bairros/SER das cursistas

Fonte: Elaboração das autoras com base nos dados divulgados pelo Informe Semanal de COVID-19 da Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza.

10Esse é um cenário em que a dor e as perdas parecem cotidianas e que se sobrepõem a toda e qualquer aposta na emergência da vida. Na contramão ou na tentativa de dar concretude a palavras como resistência, resiliência, protagonismo feminino e negro vamos apresentar o projeto “Mulheres Negras Resistem: processo formativo teórico-político para mulheres negras”.

O Projeto Mulheres Negras Resistem

11O projeto de extensão “Mulheres Negras Resistem: processo formativo teórico-político para mulheres negras” emerge na cidade de Fortaleza como uma contrarresposta ao ideário de um contexto que se quer branco e invisibiliza a presença negra. Partimos da ideia de fomentar o protagonismo feminino e negro, por meio da formação de quadros de representação social e política. Tal representação pensada para atingir espaços públicos e privados, tais como universidades, movimentos sociais, organizações governamentais e não governamentais. Para isso nos alinhamos em uma perspectiva teórico-política com ênfase no feminismo negro, pautas democráticas e luta antirracista. Foi com essa perspectiva que uma pequena equipe de trabalho foi formada por docentes negras de universidades públicas e estudantes também negras.

12Em abril de 2018, realizamos nossa primeira reunião de trabalho, na qual definimos o cronograma, o formato e a estrutura do projeto. Adotamos o formato de um curso de extensão para fortalecer o vínculo entre universidade e sociedade. A estrutura de viabilização e manutenção do projeto se deu via parcerias de professoras negras, uma antropóloga e uma assistente social, ambas coordenadoras de núcleos de pesquisa em universidades públicas. Dessa parceria afetiva, teórica e política construímos as bases epistemológicas e materiais para a viabilização do projeto.

13Cabe dizer que a epistemologia, substantivo feminino, soa aos nossos ouvidos e sentidos como o que Patricia Hill Collins (2019) escreveu no prefácio à primeira edição (1990) do seu Livro “Pensamento Feminista negro” como colocar as “experiências e ideias das mulheres negras no centro da análise” (p.16). Essa perspectiva define o nosso fazer teórico e político de, para e com mulheres negras. Ou seja, realizamos um curso para mulheres negras, ministrado por professoras negras e com um referencial teórico-político de intelectuais negras. Assim iniciaram os primeiros passos para tirar essa ideia do papel e dar-lhe concretude. Os módulos foram nomeados com base no contexto sociopolítico de luta das mulheres negras, atentando para expressões de ativismo e produção de conhecimento. Esse cuidado visou que cada cursista e formadora se reconhecesse no processo formativo e que fizesse sentido em suas trajetórias coletivas de vida.

14No dia 14 de maio de 2018 demos início ao primeiro módulo e o encerramento se deu em novembro do mesmo ano, com a cerimônia de entrega simbólica de certificados. Em cada módulo, também estavam previstos atos de intervenção. Esses momentos se constituíram em ações que ocorreram em espaços públicos e tiveram formatos diversos, tais como: roda de conversa, sarau, cine-debate etc. Tanto os módulos quanto os atos de intervenção foram pensados de forma a estimular o protagonismo das cursistas em diálogo com um público externo, formado em sua maioria por outras mulheres negras.

15Assim, foram aplicadas técnicas que aliassem a experiência vivenciada enquanto mulheres negras com um referencial teórico-político que permitia a reflexão e a aplicação do conteúdo desenvolvido. Por conta disso fizemos uso de leituras seguidas de debates, dinâmicas de grupo, elaboração e produção de material audiovisual com depoimentos das cursistas e produção de textos. Para fins de registro e sistematização das atividades mantivemos dados atualizados sobre o desenvolvimento do curso e suas etapas nas redes sociais; o compartilhamento e a participação em ações de redes e coletivos de mulheres negras e a aplicação de questionários de autoavaliação ao final de cada módulo.

16Para trilhar o caminho das “Mulheres Negras Resistem” a escolha das cursistas passou por um processo seletivo em que elas preencheram um questionário online com dados pessoais: nome, endereço, escolaridade, ocupação ou profissão. Para além dessas informações que nos ajudaram a traçar um perfil do grupo, duas questões nortearam o processo: como a candidata se declarava em termos de raça/cor e qual era a sua motivação para realizar o curso. Na primeira edição do curso, em 2018, oferecemos vinte e cinco (25) vagas em função do espaço disponível, bem como priorizarmos um grupo pequeno para um projeto que estava no seu início. Para nossa grata surpresa e confirmação de que estávamos no caminho certo, obtivemos 92 inscrições. Isso se tornou valioso para um projeto-piloto em um estado em que se diz que negras (os) não existem.

17Em 2019 fomos surpreendidas com o poder de alcance das redes sociais que fez com que obtivéssemos 808 inscrições. Eram mulheres negras de todo o país, ligadas ou não a movimentos sociais ou organizações não governamentais, bem como oriundas ou não de centros urbanos, quilombolas, estudantes e trabalhadoras em geral. Diante desse quadro foi preciso explicar que nosso curso era presencial, sem recursos para trazer bolsistas de outras regiões do país e que depois disso nos sentíamos ainda mais motivadas a dar continuidade ao nosso projeto.

18 Foi assim que chegamos em 2020 com 103 inscritas, dessa vez de Fortaleza e região metropolitana, e fomos novamente surpreendidas. Dessa vez, pela pandemia da Covid-19 e a necessidade do isolamento social. Por conta desse contexto nosso curso teve apenas a aula inaugural com as 25 cursistas selecionadas em evento presencial. Nós decidimos manter o funcionamento do curso virtualmente, apesar das dificuldades de acesso à internet de nossas cursistas e do não saber se daríamos conta de manter os laços afetivos, teóricos e políticos que nos unem. A boa notícia é que estamos conseguindo nos manter unidas e atuantes. Isso é importante não só para analisarmos o projeto em si, como um espaço de acolhimento e fortalecimento, mas também porque a partir desse espaço nos chegam depoimentos sobre o cotidiano vivido no contexto de pandemia. Na sequência compartilharemos esses olhares.

O cotidiano vivido na perspectiva de nossas cursistas

19Embora a inclusão do quesito raça/cor nos formulários dos sistemas de informação de saúde seja obrigatória, conforme Portaria Nº344, de 01/02/2017, o quesito raça/cor não apareceu nos primeiros boletins epidemiológicos acerca da situação da Covid-19 no Brasil. Isso se deu mesmo em casos onde essas informações constavam em instrumentos de registro, monitoramento e avaliação dos casos suspeitos da Covid-19, tais como as fichas de notificação para Síndrome Gripal e para Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) (Santos et al., 2020).

20Os dados sobre Covid-19 no Brasil apontam para o fato de que a população negra (pretos e pardos) é a mais afetada pela pandemia. Tanto no que se refere ao número de casos confirmados quanto ao número de óbitos. Uma pesquisa encomendada pela revista ÉPOCA6, por exemplo, demonstra que das fichas em que foram identificados dados sobre raça/cor, 61% das vítimas que vieram a óbito foram identificadas enquanto pretas e pardas. Além disso, em decorrência de desigualdades sociodemográficas e socioeconômicas e do racismo estrutural existentes no Brasil, é a população negra que infelizmente sempre apresenta as piores condições de vida, educação, taxa de mortalidade e acesso à saúde. Importante também ressaltar que, segundo o IBGE (2019), 47% da população negra trabalha informalmente, o que pode ter dificultado que essas pessoas permanecessem em casa, em isolamento social, quando precisavam de alguma forma garantir minimamente condições de subsistência.

  • 7 Os dados coletados se deram a partir de um formulário on-line que foi disponibilizado para as cursi (...)

21No que se refere a comunidade/território das nossas cursistas, os dados sobre Covid-19 em Fortaleza apontam que as regionais (Secretarias Executivas Regionais - SER) onde a maioria de nossas cursistas se encontram foram as mais afetadas pela Covid-19. A saber, as SER com maiores índices foram as SER II, V e VI. Para além disso, em dados coletados 7para o desenvolvimento desta pesquisa sobre o cotidiano de nossas cursistas em meio à pandemia, constatamos que a) 37,5% apresentaram sintomas da COVID-19; b) 43,7% tiveram parentes que testaram positivo para COVID-19 e c) 18% não apresentaram sintomas ou testaram positivo para COVID-19. Com relação ao período de pandemia de forma geral, as maiores preocupações das nossas cursistas estão ligadas à incerteza financeira e à saúde mental (aumento de crises de ansiedade, medo e instabilidade emocional). Nesse universo em que todas se autodeclaram negras, tendo como ocupação principal o fato de serem estudantes (56,3%) seguidas de trabalhadoras formais (37,5%) e em que 25% são mães, a agenda de cuidados durante a pandemia está sendo desempenhada em geral, como enfatizado por uma cursista, “pelas mulheres da casa”, ou seja, as cursistas e/ou suas mães. Também é consenso nos depoimentos de que essa agenda de cuidados se intensificou no cotidiano vivido como as respostas abaixo denotam:

Sim, se intensificou muito, pois aqui em casa somos três, eu e duas crianças, e preciso me desdobrar em todos os afazeres. (Turma 2018)

Sim, a casa é o único ambiente que temos acesso neste período então isso demanda um aumento nos afazeres de comida, limpeza, higienização contra a covid... (Turma 2018)

Sim, cuidados relacionados à limpeza dos espaços e individual, cuidado em tentar manter uma alimentação equilibrada para manter a imunidade e cuidados com o corpo em geral. (Turma 2020).

22A intensificação da agenda de cuidados aparece em um contexto em que 93,8% delas conseguiram cumprir o isolamento social. Isso nos faz refletir que o “ficar em casa” incrementou a jornada de trabalho dessas mulheres, já que a responsabilidade recaiu muito sobre elas como os relatos a seguir sobre esse cotidiano nos permitem pensar:

A rotina mudou abruptamente, no início foi bastante difícil, pois a mídia relatava as mortes e o pavor crescia, mesmo estando em isolamento. As crises de ansiedade vieram à tona, a baixa autoestima se tornou companheira de dias e dias, se sentir e ser improdutiva foi o sentimento diário, fora os cuidados com os familiares que são grupo de risco, todo cuidado é pouco. Mas aos poucos fui me adaptando e reinventando, me permitindo sentir para quando "retornar", estivesse melhor (Turma 2019).

Ver a minha mãe sair para trabalhar se expondo na rua. Além disso, as dificuldades diárias para manter o alimento na mesa, as contas básicas pagas em dia. Manter o mínimo de controle emocional (Turma 2020).

Do ponto de vista pessoal é não poder manter relações presenciais com familiares e amigos (as), com impactos mentais e emocionais; do ponto de vista coletivo, os impactos em diversas famílias materiais e mentais, que mesmo não as conhecendo, muitas vezes sinto-me impactada (Turma 2018).

A nova rotina dentro de casa; a impossibilidade de sair e encontrar os amigos para relaxar; de não ter aulas presenciais, pois nas remotas a concentração não é a mesma e a concentração para estudar com todas as notícias desastrosas diariamente (Turma 2018).

A alteração profunda na rotina familiar e a impossibilidade de encontrar pessoas queridas. Quanto à alteração de rotina, me preocupo com a aprendizado do meu filho, pois não consegui cumprir uma rotina de estudos para ele. Profissionalmente, também foi difícil estabelecer uma rotina para trabalhar em casa, há muitas demandas, os trabalhos domésticos são infindáveis (Turma 2020).

Lidar com o medo excessivo do que poderia vir a acontecer. Medo de adoecer, medo de morrer, medo de ver alguém próximo morrer, medo de passar necessidade, medo do futuro (Turma 2020).

23 Nos relatos acima há um cotidiano de incertezas quanto ao presente e ao futuro. Esse sentimento se agrava pela impossibilidade do contato afetivo que poderia minimizar essas incertezas. Além disso, o medo da proximidade da morte sugere o quanto esse dia a dia se tornou incerto e frágil. Diante desse quadro podemos pensar quais as estratégias mobilizadas para lidar com esses sentimentos:

No começo fazia exercícios, agora não faço mais nada de atividade física. Cuido do meu emocional desde o início: lendo, vendo filmes e séries, conversando com amigos, participando de projetos. (Turma 2020)

Medianamente, tenho buscado ler, produzir artes e fazer cursos para distrair e amenizar a ansiedade (Turma 2018)

De início meu mental ficou muito sobrecarregado, pois ainda tinha que finalizar o semestre remotamente e os professores davam bastante tarefas e exigiam a entrega em um curto período de tempo, isso foi bastante sobrecarregado, pois a produtividade não fluía. Os dias se passaram e tornaram-se meses, e a escrita vem sendo algo difícil de se desenrolar, mas com calma e no meu tempo está fluindo. Estou me organizando para voltar a caminhar, faz bem para minha saúde, física e mental. Cuidados com pele e cabelo, oscilam, mas ainda sim são cuidados. (Turma 2019)

Bom, no geral tenho conseguido me manter estável tanto física como mentalmente. Porém, gostaria muito de ter condições financeiras para custear um acompanhamento psicológico. (Turma 2020)

Tenho tentado. Tem dias de muita ansiedade, angústia, até difícil elencar, mas que mexe e o trabalho remoto intenso, e a relação âmbito privado e profissional dentro de casa tem me causado angústias e tensão. (Turma 2018)

24 As estratégias de autocuidado têm sido uma iniciativa buscada pelas cursistas. No entanto, as dificuldades de ordem financeira ou emocional impactam na continuidade e/ou intensidade das mesmas. Essa pode ser mais uma face das desigualdades que a pandemia evidencia. E por falar em desigualdades e de como impactam o cotidiano de quem vive nas periferias das grandes cidades, perguntamos às nossas cursistas: em relação ao seu bairro/cidade, como está sendo vivenciar as experiências cotidianas nesse período? O que mudou? E elas nos responderam:

Como em boa parte dos bairros de periferia, segundo relatos de amigos e colegas, a dinâmica praticamente se manteve igual ao período anterior a pandemia. O cotidiano de manteve. Exceto na minha casa onde tomamos todos os cuidados possíveis para não contrair a doença. (Turma 2020)

Acho que as pessoas não respeitaram o isolamento, seguiram suas vidas "normalmente", acredito que por conta da necessidade mesmo. Uma questão de não ter a escolha de cumprir o isolamento. (Turma 2020)

Complicado. As pessoas ainda pensam e agem muito individualmente. Uns se cuidaram e cuidam dos outros (minoria). Já outros não veem a importância de seguir algumas orientações pensando nos outros. Mudaram os olhares. Acredito que o julgamento sobre o comportamento do outro ganhou força além do aumento das vidas invisibilizadas. (Turma 2020)

Moro em um bairro da periferia, por aqui a rotina não mudou muito desde o início da pandemia. Mas, percebo que boa parte das pessoas tentam usar a máscara como procedimento de segurança (Turma 2020).

25 A média das respostas recebidas dialoga de forma próxima com a ideia de uma rotina, um cotidiano que em certa medida não mudou, pois se refere às dinâmicas de sobrevivência e de organização. Se tecermos um olhar para esse cotidiano, não em busca de uma lógica almejada como ideal mas aquela possível dentro de outras experiências vividas, nos filiamos às reflexões de Gisele Britto, uma jovem negra, paulistana, jornalista e estudante que escreveu o provocativo texto “Só o seu mundo parou”:

Ouço as conversas, vejo os vídeos e em quase todos há essas afirmações de que "o mundo parou" de que "agora que está todo mundo em casa"... O mundo não parou. A Disney fechou. Mas um monte de gente segue se divertindo da mesma forma que se divertia antes da pandemia. Se o parque mais perto da sua casa fica a duas horas, você não sente falta de parque. Quem frequenta o bar do Raimundo não está sentindo falta de bar nenhum. Se você ganha R$ 1200 para trabalhar 40 horas, R$ 600 para ficar em casa dormindo é quase uma alforria (...). Na base da pirâmide social é, em sua maioria, a população negra que segue embarcando em ônibus e metrôs para garantir que a vida não pare e que itens básicos e contas de consumo não deixem de ser pagas. (...) A decepção com a falta de engajamento na quarentena tem a ver com essa forma umbiguista de vermos as formas de viver a cidade, numa perspectiva marcadamente de classe, gênero e raça. O isolamento social baseado na família nuclear, nas condições de habitabilidade e sociabilidade das classes médias não funcionou e nem vai funcionar. Não se trata só da miséria que orientou movimentos sociais a distribuir alimento, se trata de uma forma de organizar a vida que é diferente e que é historicamente ignorada ou criminalizada. (Brito, 2020).

26 A provocativa ideia de que na contramão de um mundo parado há um mundo que se movimenta em plena pandemia e, mais ainda, que são as desigualdades de raça, gênero e classe que determinam quem pode parar ou quem tem que continuar a se movimentar, levam ao questionamento levantado por outro autor: o que fazer? Essa foi a pergunta lançada pelo sociólogo Deivison Faustino (Nkosi) no seu texto “O coronavírus e a quarentena que não chegam na periferia”. Sem negar a impossibilidade do cumprimento absoluto das regras de isolamento para quem vive em espaços pequenos e compartilhados com muita gente e/ou ainda de quem faz uso de transporte público, geralmente lotado, o autor se afasta de um certo “fatalismo” e se propõe a dialogar em termos de soluções possíveis dentro da realidade social das periferias localizadas nos grandes centros urbanos. Foi nessa lógica do “que fazer” que um processo de mobilização em diferentes frentes foi se constituindo nas periferias locais. São exemplos disso, os bairros Bom Jardim e Jangurussu, onde desenvolvem-se campanhas de conscientização da comunidade e formação de redes de ajuda mútua. Essas são ações de resistência e potência criativa das periferias.

27 Por fim, a pergunta que é nosso ponto de partida para o projeto em si e para embasar as experiências cotidianas aqui compartilhadas: ser negra (preta ou parda) tem influenciado na forma como você está vivenciando esse período de pandemia e isolamento social? Como?

Sim. A questão racial nos atravessou de forma contundente através das dificuldades vivenciadas pelo trabalho da minha mãe, empregada doméstica, que experienciou inúmeros conflitos com a patroa para poder permanecer em casa. O que afetou toda a família. O maior obstáculo entre raça e gênero para nós foi a partir deste fato. (Turma 2018)

Sim. Sinto meu corpo negro, assim como o de meus/minhas irmãos/as tem sido ainda mais violentado em todas as esferas sociais, inclusive, em relação à família. (Turma 2020)

Sim, pois fiquei mais solitária (Turma 2018)

Creio que perceber o aumento da violência e descaso direcionada aos nossos corpos tem sido adoecedor (Turma 2018)

A desconfiança sempre recai sobre o corpo negro, percebo isso quando entro no mercado, os olhares caem sobre mim e a desconfiança reina no ambiente. Mas sigo de cabeça erguida nesses espaços. (Turma 2019)

Classe, raça e gênero sempre vai nos atravessar de forma mais dolorosa. Acho que pior coisa foi que os nossos continuaram sendo mortos e deixados morrer. (Turma 2020)

Coletivamente, sim. As pessoas mais afetadas são as pessoas negras e isso me afeta profundamente. (Turma 2020)

Acredito que sim! Principalmente se considerar as condições de acesso à saúde e outros direitos básicos, que deveriam ser garantidos. Historicamente o nosso grupo é negligenciado de várias maneiras. (Turma 2018)

Sim. Sobretudo a partir das pesquisas que têm sido realizadas e os números mostram que a democratização do vírus tão propalada, na verdade, não procedem. A população negra tem sido a mais atingida, e foi negligenciada nos primeiros registros e a taxa de letalidade em Fortaleza é maior na periferia, onde a maior parte da população negra se encontra. São muitos elementos a se refletir. (Turma 2018)

Neste ponto as notícias que nos mostram que a mortalidade da pandemia no Brasil tem cor, raça e gênero me afetam psicologicamente, tornando alguns dias mais difíceis. (Turma 2018)

Sim. Desde as estratégias de autocuidado até a necessidade de ir a alguma farmácia, por exemplo. Ser negra me atravessa quando a escrita não flui por uma necessidade de estar sempre perfeito. Me atravessa quando vou a uma farmácia e não me dão a devida atenção ao entrar, por exemplo. (Turma 2020)

Pessoalmente há um agravamento nos medos que já sentia anteriormente. Tenho bastante receio de adoecer, pois acredito que não serei bem tratada nos hospitais. Profissionalmente, pude atravessar esse momento com tranquilidade, pois tive meus direitos trabalhistas respeitados como servidora pública. (Turma 2020)

Ser negra influencia em tudo. Parece que a morte, o sofrimento a injustiça sempre estão muito mais próximos de nós que dos outros. Isso não é muito diferente do que sempre vivi, mas com certeza a pandemia intensificou. Como o isolamento em si, o constante medo, a falta de acesso aos serviços básicos de saúde… (Turma 2018)

28 Nos depoimentos que finalizam nosso artigo trazemos as inquietações que atravessam o cotidiano de mulheres que se percebem e são lidas socialmente como negras. Esse sentir na própria pele, por mais essencializado que pareça para alguns, não é nada mais do que o sentir vivenciado por um marcador histórico proveniente da hierarquização racial. Então, esse medo da “solidão”, “da violência e descaso direcionada aos nossos corpos”, “que a morte, o sofrimento a injustiça sempre está muito mais próximo de nós que dos outros” ou ainda de “de adoecer, pois acredito que não serei bem tratada nos hospitais” é sintomático da constatação do quanto “Vidas Negras não Importam”. Essa constatação não deve ser lida na chave de um vitimismo, fatalismo ou coisa que o valha, mas nas leituras que trazem a noção de racismo estrutural (Almeida, 2018) para o cotidiano vivido na sociedade brasileira. Muito tem se falado que essa pandemia tem uma dimensão racializada que impacta diretamente corpos negros como tratado por Faustino (2020), Oliveira (2020) e Pinto (2020). Nesse sentido, é compreensível frases como “meu corpo negro, assim como o de meus/minhas irmãos/as tem sido ainda mais violentado em todas as esferas sociais, inclusive, em relação à família” ou “as notícias que nos mostram que a mortalidade da pandemia no Brasil tem cor, raça e gênero me afetam psicologicamente, tornando alguns dias mais difíceis”.

29O contraponto ao racismo estrutural é a luta antirracista e por essa razão investimos na continuidade do curso, em formato remoto, durante a pandemia como resposta às desigualdades impostas, à ineficiência do Estado e à Covid-19 que avança sobre suas vidas. Não só nós temos feito isso, enquanto coletivo de mulheres negras, mas há outras experiências no país. Destacamos aqui as ações da Cufa - Central Única de Favelas (RJ), que vem arrecadando doações em dinheiro para o projeto “Mães da Favela”, o qual prioriza as mulheres como gestoras de renda familiar. Temos também o exemplo da Uneafro - União de Núcleos de Educação Popular para Negras/os e Classe (RJ e SP), a qual vem doando cestas básicas e material de higiene para as periferias metropolitanas. Ocorrem ações também diretamente das próprias comunidades, como são os casos de Paraisópolis (SP) que desenvolve um projeto de monitoramento de moradias, a fim de mapear possíveis casos de Covid-19, além de ter obtido apoio financeiro e logístico para contratar uma equipe médica para atendimento local e somado a isso realizar a distribuição de cestas básicas para a comunidade de Paraisópolis.

30Ações semelhantes vêm de outras periferias como o Morro do Alemão (RJ), Morro do Papagaio (MG), Bom Jardim (CE), Jangurussu (CE), onde desenvolvem-se campanhas de conscientização da comunidade e formação de redes de ajuda mútua. Isso vai ao encontro de algo em que temos investido: a formação de redes afetivas, teóricas e políticas. Apostamos no protagonismo feminino e negro que desconsidera uma divisão cartesiana entre sentimentos inerentes ao ser humano, produção de conhecimento e lutas sociais. Esperamos que esse texto demonstre o porquê, o quanto e como “Mulheres Negras Resistem”.

31ALMEIDA, Silvio. “O que é racismo estrutural?”. Belo Horizonte (MG): Letramento, 2018.

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Bibliografia

BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n.344, de 1º de fevereiro de 2017. Dispõe sobre o preenchimento do quesito raça/cor nos formulários dos sistemas de informação em saúde. Disponível em:< http://pncq.org.br/uploads/2017/Portaria%20344%202017.pdf>. Acesso em: 29 jul. 2020.

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Notas

1 As informações estão disponíveis em: http://fortaleza.ce.gov.br/a-cidade.

2 O território do Grande Bom Jardim é composto por cinco bairros: Bom Jardim, Canindezinho, Granja Lisboa, Granja Portugal e Siqueira.

3 Informe Semanal disponível em:<https://juventude.fortaleza.ce.gov.br/images/coronavirus/Informe%20semanal%20COVID-19%20SE%2032%C2%AA%202020%20-%20SMS%20FORTALEZA.pdf>. Acesso em 12 ago.2020.

4 A divisão de habitantes, casos e óbitos confirmados no território do Grande Bom Jardim são os seguintes: Bom Jardim: 40.700 habitantes, 666 casos e 66 óbitos; Canindezinho: 44.412 habitantes, 264 casos e 43 óbitos; Granja Lisboa 56.096 habitantes, 377 casos e 88 mortes; Granja Portugal: 42.742 habitantes, 480 casos e 61 mortes; Siqueira: 36.250 casos habitantes, 353 casos e 47 óbitos.

5 Bairro também dividido em territórios. Conjunto Ceará I: 20. 718 habitantes, 727 casos e 34 óbitos; Conjunto Ceará II: 25.518 habitantes, 58 casos e 46 óbitos.

6 A matéria está disponível em:< https://epoca.globo.com/sociedade/dados-do-sus-revelam-vitima-padrao-de-covid-19-no-brasil-homem-pobre-negro24513414?utm_source=Facebook&utm_medium=Social&utm_campaign=compartilhar&fbclid=IwAR0sAI1nkcdxSsqz-1iNruS1g1vFhhqjaxA9ZK0vmBEZWIbh0GJNIKItkF8>. Acesso em 20 jul.2020.

7 Os dados coletados se deram a partir de um formulário on-line que foi disponibilizado para as cursistas e ex-cursistas do projeto. A saber, obtivemos dezesseis respostas. O formulário dividiu-se em duas seções. Na primeira, as cursistas e ex-cursistas foram convidadas a apresentarem suas informações básicas, tais como nome, idade, bairro onde morava, quantas pessoas residiam em sua morada, que tipo de moradia possuíam, qual sua ocupação e de que turma fazia ou fez parte. Na segunda seção, apresentamos perguntas que as motivaram a destacar aspectos que evidenciassem como estava sendo sua vivência no período de isolamento social.

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Para citar este artigo

Referência eletrónica

Vera Rodrigues e Mona Lisa da Silva, «O cotidiano da Covid-19 no olhar de mulheres negras cearenses»Ponto Urbe [Online], 27 | 2020, posto online no dia 28 dezembro 2020, consultado o 17 abril 2024. URL: http://journals.openedition.org/pontourbe/9203; DOI: https://doi.org/10.4000/pontourbe.9203

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Autores

Vera Rodrigues

Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira-Unilab, Doutora em antropologia social/Universidade de São Paulo.

E-mail: vera.rodrigues@unilab.edu.br – ORCID 0000-0002-0202-8010

Mona Lisa da Silva

Universidade Federal da Bahia-UFBA, Doutoranda em antropologia social.

E-mail: silva.mona@ufba.br – ORCID 0000-0001-6881-157X

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