ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Resenha - Ano 2020 - Volume 10 - Número 2

A importância da investigação da COVID-19 em gestantes e recém-nascidos

The importance of COVID-19 research in pregnant women and newborns

RESUMO

O objetivo desse trabalho é destacar a importância da investigação da COVID-19 em gestantes e recém-nascidos. Visou-se também analisar, através de estudos publicados em 2020, se o novo coronavírus pode ser transmitido de forma vertical e se há diferenças das manifestações clínicas da doença entre gestantes e não gestantes.

Palavras-chave: Coronavírus, Gestantes, Infecções por Coronavírus, Transmissão Vertical de Doença Infecciosa.

ABSTRACT

The objective of this paper is to highlight the importance of the investigation of COVID-19 in pregnant women and newborns. It was also aimed to analyze, through studies published in 2020, if the new coronavirus can be transmitted vertically and if there are differences in the clinical manifestations of the disease between pregnant and non-pregnant women.

Keywords: Coronavirus, Pregnant Women, Coronavirus Infections, Infectious Disease Transmission, Vertical.


No final de 2019, em Wuhan, na China, surgiram uma série de casos de pneumonia de etiologia inicialmente desconhecida. Logo em seguida, serviços de saúde da China, alertaram a população sobre a descoberta de um novo coronavírus, causador da COVID-191. Foram relatados sintomas como tosse, febre e desconforto respiratório1, e, então, foram conhecidos os primeiros sinais e sintomas da COVID-192.

O desconhecimento sobre os riscos dessa doença e sua fisiopatologia nas gestantes trouxeram dúvidas e preocupações, uma vez que há a possibilidade de transmissão vertical, como acontece em outras doenças virais como a rubéola, por exemplo. Não se conhecem também as condições peri e pós-natais, que podem influenciar sobre os riscos de infecção dos recém-nascidos e a manifestação clínica da COVID-193 nessa população.

Neste sentido, o estudo de Chen et al.4 procurou avaliar as características clínicas da COVID-19 em gestantes e o potencial de transmissão vertical intrauterina pelo vírus. Ou seja, pode ocorrer a infecção intraútero?

Até a finalização do estudo de Chen et al.4, as características clínicas e o potencial de transmissão entre gestantes eram desconhecidos pela literatura científica, em que os estudos realizados correspondiam à população adulta, no qual as gestantes não estavam incluídas. É importante salientar que a COVID-19 é uma doença descoberta recentemente, portanto, há muitas perguntas que ainda precisam de respostas e que poderão ser elucidadas no futuro.

Entretanto, pela vulnerabilidade e maior risco de agravos, estudos relevantes sobre a saúde da gestante e dos recém-nascidos são importantes e devem ser realizados para que se conheçam as diferenças clínicas e compreendam os mecanismos de transmissibilidade e infectividade na população.

O estudo acima citado concluiu, então, que não houve evidências claras de transmissões verticais ao final da gravidez das nove mulheres participantes e que as características clínicas, como a pneumonia, nas gestantes foram similares às características de adultas não gestantes. Além disso, amostras de líquido amniótico, cordão umbilical, swab de nasofaringe e amostras de leite materno de seis dos nove recém-nascidos, filhos de mães diagnosticadas com COVID-19, foram testadas e consideradas negativas para SARS-CoV-2. Assim como em outras doenças causadas pelo coronavírus como a MERS (Síndrome Respiratória do Oriente Médio), descoberta em 2012, e a SARS, descoberta em 2003, o vírus não parece ser transmitido por via intrauterina5-7. Entretanto, um recém-nascido foi diagnosticado com o vírus após 36 horas de nascimento, e os autores salientam que pode ter acontecido uma possível transmissão vertical. Porém, a confirmação dessa hipótese não foi realizada, visto que testes laboratoriais não foram realizados.

A infecção em um dos recém-nascidos reforça a importância da atenção dos profissionais da saúde que prestam assistência a essa população e reforça a importância do fomento às pesquisas que investiguem e esclareçam a possibilidade de transmissão vertical, assim como uma possível influência da via de parto, visto que todas as participantes do estudo foram submetidas à cesariana. Ademais, destaca-se a importância da identificação, investigação e diagnóstico precoce de COVID-19 em recém-nascidos. Pois, aqueles suspeitos e confirmados devem ser isolados e as famílias devem ser orientadas sobre as medidas de higiene, que já são rotina nas Unidades de Terapia Intensiva Neonatal (UTINs), mas que devem ser reforçadas e intensificadas nessas situações. Isso é importante para o controle da doença nas UTINs e em relação aos demais indivíduos que os acompanham, como pais, profissionais de saúde e outros recém-nascidos.

Como sugerido pelos autores, o estudo possui limitações, como o número pequeno de participantes, totalizada em nove gestantes no terceiro trimestre de gestação, o que causou a ausência de informações e efeitos sobre mulheres em outros períodos da gestação; e o local do estudo, uma vez que todas as gestantes foram admitidas em um único hospital da cidade de Wuhan e com diagnóstico de COVID-19. Logo, a validade externa desse trabalho é questionável.

O estudo realizado por Schwartz et al.3 foi uma análise adicional aos estudos de Chen et al.4. Por isso, os objetivos assemelham-se e a pesquisa foi realizada com uma maior amostra. Eles concluíram que nas 38 mulheres grávidas não houve óbito de nenhuma participante, assim como não houve transmissão vertical para nenhum dos recém-nascidos. Entretanto, nesse estudo, havia um subgrupo em que os autores não comunicaram o trimestre de gestação das mulheres no qual ocorreu a notificação da doença. Acredita-se que esse fator contribuiria para o conhecimento dos efeitos do vírus em outros períodos da gestação. O número de participantes deve ser ampliado e estudos coortes fornecerão ainda mais informações sobre esse público.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) realizou um estudo sobre as condições da gestação com mais participantes, totalizando 147. Dessas, mais de 60 participantes estavam infectadas pelo novo coronavírus. Embora o número de participantes do estudo da OMS tenha sido maior do que os estudos mencionados anteriormente, o estudo não investigou se houve transmissão vertical. Além disso, de acordo com os resultados da pesquisa realizada pela OMS, as gestantes não apresentaram alto risco de desenvolver a forma grave da doença. Ou seja, o estudo concluiu que as gestantes não apresentam um risco maior de desenvolver doença severa devido à COVID-19 quando comparadas às não gestantes. Essa gravidade foi definida por taquipneia, saturação de oxigênio ≤93% em repouso ou pressão arterial de oxigênio (PaO2)/fração inspirada de oxigênio (FiO2) menor que 300mmHg. Considerando esses critérios, apenas 8% das grávidas do estudo da OMS estavam em situação de gravidade8.

Mesmo com o número reduzido do estudo de Chen et al.4, salienta-se a importância do estudo por ser o primeiro a indagar sobre a transmissão vertical e fornecer dados importantes para a literatura científica, e servir de base para estudos futuros.

Diante do exposto, ratifica-se que as intervenções padrões de cuidado de qualquer infecção respiratória grave devem subsidiar o tratamento de mulheres grávidas diagnosticadas com COVID-19 e essas intervenções devem ser realizadas por uma equipe multiprofissional9.

Portanto, destaca-se a necessidade da atenção ao cuidado com as gestantes diagnosticadas com COVID-19 e seus filhos. Além da vulnerabilidade das gestantes, ocasionada pelas alterações fisiológicas10, como a redução do volume respiratório11, não se sabe os efeitos da doença em longo prazo para a gestante e os recém-nascidos.


REFERÊNCIAS

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2. Wang D, Hu B, Hu C, Zhu FF, Liu X, Zhang J, et al. Clinical characteristics of 138 hospitalized patients with 2019 novel coronavirus–infected pneumonia in Wuhan, China. JAMA. 2020 Feb;323(11):1061-9. DOI: https://doi.org/10.1001/jama.2020.1585

3. Schwartz DA. An analysis of 38 pregnant women with COVID-19, their newborn infants, and maternal fetal transmission of SARS-CoV-2: maternal coronavirus infections and pregnancy outcomes. Arch Pathol Lab Med. 2020 Mar 17; [Epub ahead of print]. DOI: https://doi.org/10.5858/arpa.2020-0901-SA

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7. Schwartz DA, Graham AL. Potential maternal and infant outcomes from coronavirus 2019-nCoV (SARS-CoV-2) Infecting pregnant women: lessons from SARS, MERS, and other human coronavirus infections. Viruses. 2020 Fev;12(2):194.

8. World Health Organization (WHO). Report of the WHO-China joint mission on coronavirus disease 2019 (COVID-19) [Internet]. Geneva: WHO; 2020 Feb; [acesso em 2020 Jun 04]. Disponível em: https://www.who.int/docs/default-source/coronaviruse/who-china-joint-mission-on-covid-19-final-report.pdf

9. Dashraath P, Wong JLJ, Lim MXK, Lim LM, Li S, Biswas A, et al. Coronavirus disease 2019 (COVID-19) pandemic and pregnancy. Am J Obstet Gynecol. 2020 Jun;222(6):521-31.

10. Rasmussen SA, Smulian JC, Lednicky JA, Wen TS, Jamieson DJ. Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) and pregnancy: what obstetricians need to know. Am J Obstet Gynecol. 2020 Mai;222(5):415-26.

11. Katamalli K, Priyadarshnni H, Sharma Y, Dhaliwal K, Sagireddy S, Burri B, et al. A comparative study of physiological variations in pulmonary function testes during pregnancy. Int J Physiol. 2019;7(3):80-4.










1. Universidade Federal do Espírito Santo, Curso de Fonoaudiologia - Vitória - Espírito Santo - Brasil
2. Universidade de Pernambuco, Centro Integrado de Saúde Universitário Amaury de Meideiros - Recife - Pernambuco - Brasil
3. Santa casa de Misericórdia de São Paulo, Departamento de Pediatria e Puericultura - São Paulo - São Paulo - Brasil

Endereço para correspondência:
Gabriel Trevizani Depolli
Universidade Federal do Espírito Santo - Colegiado do Curso de Fonoaudiologia
Av. Marechal Campos, nº 1468, Maruípe
Vitória - ES. Brasil. CEP: 29.040-090
E-mail: gabrieltrevizanidepolli@gmail.com

Data de Submissão: 19/06/2020
Data de Aprovação: 06/07/2020