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O desafio da pandemia da COVID-19: o que podemos aprender com a história?

A história é um elemento essencial na nossa formação profissional. Na graduação, aprendemos a investigar a história clínica, na anamnese, valorizando a história da moléstia atual, a história patológica pregressa e a história familiar. Sobre as diversas patologias, precisamos conhecer a história natural da doença. Na cirurgia vascular, as histórias do trauma e do transplante de órgãos são importantes para aprendermos sobre as técnicas operatórias que empregamos. Os exemplos mostram que, para atuar nos desafios que se impõem ao cotidiano da Medicina, temos a história como aliada. Neste momento, nos vemos desafiados pela pandemia da Coronavirus Disease 2019, ou COVID-19. No mundo todo, até o final de setembro de 2020, foram confirmados 33.249.563 casos e 1.000.040 óbitos11 World Health Organization. WHO Coronavirus Disease (COVID-19) Dashboard. 2020 [citado 2020 set 29]. https://covid19.who.int
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. No Brasil, foram 4.732.309 casos confirmados e 141.741 mortes11 World Health Organization. WHO Coronavirus Disease (COVID-19) Dashboard. 2020 [citado 2020 set 29]. https://covid19.who.int
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. Buscando compreender melhor a dimensão desses números, foram registrados no Brasil, em 2018, 1.316.179 óbitos, sendo 357.770 por doenças do aparelho circulatório, 155.191 por doenças do aparelho respiratório e 54.679 por doenças infecciosas e parasitárias22 Brasil. Ministério da Saúde. Mortalidade - Brasil. 2020 [citado 2020 set 29]. http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sim/cnv/obt10uf.def
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. Os dados mostram o impacto da pandemia da COVID-19 no Brasil, sendo o número de mortes, até setembro, semelhante ao total de mortes por todas as doenças respiratórias em 201811 World Health Organization. WHO Coronavirus Disease (COVID-19) Dashboard. 2020 [citado 2020 set 29]. https://covid19.who.int
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. No entanto, as ciências exatas e as da saúde não são as únicas a nos ajudar nesse momento desafiador. O que será que a história nos conta sobre as pandemias que atingiram o mundo?

As doenças infecciosas afetam a humanidade há milhares de anos. Mais de mil anos Antes de Cristo (AC), é provável que grandes epidemias tenham atingido o Egito33 Opal SM. A brief history of microbiology and immunology. Vaccines. Biography. 2009;(Nov):31-56.. Os impérios Grego e Romano também sofreram com as doenças contagiosas33 Opal SM. A brief history of microbiology and immunology. Vaccines. Biography. 2009;(Nov):31-56.. Datam de mais de 300 anos AC os estudos de Hipócrates sobre as doenças44 Berlinger GA. Doença. São Paulo: CEBES-HUCITEC; 1988.. Na Índia, 500 anos AC, encontram-se relatos sobre o adoecimento e morte por sintomas compatíveis com a cólera55 Lewisohn R. Três epidemias: lições do passado. 1. ed. Campinas: Editora UNICAMP; 2003. 318 p..

No século XIV, entre 1347 e 1352, a peste negra, ou bubônica, dominou o continente europeu, estimando-se que tenha causado a morte de cerca de um quarto da população55 Lewisohn R. Três epidemias: lições do passado. 1. ed. Campinas: Editora UNICAMP; 2003. 318 p.. A sociedade da época ainda não compreendia qual a causa, nem como se dava a transmissão da doença, o que configurava um terreno fértil para a violência, a perseguição e o preconceito55 Lewisohn R. Três epidemias: lições do passado. 1. ed. Campinas: Editora UNICAMP; 2003. 318 p.. O cenário europeu do século XIV era amplamente favorável à disseminação da peste negra, transmitida através das pulgas dos roedores55 Lewisohn R. Três epidemias: lições do passado. 1. ed. Campinas: Editora UNICAMP; 2003. 318 p.. A aglomeração dos cidadãos nos centros urbanos, sem estrutura mínima de higiene, sujeitos às intempéries climáticas, à fome e às guerras, forneceram o ambiente ideal para a propagação daquela doença55 Lewisohn R. Três epidemias: lições do passado. 1. ed. Campinas: Editora UNICAMP; 2003. 318 p.. A bactéria Yersinia Pestis foi identificada em 1894, recebendo esse nome em homenagem ao seu pesquisador, o cientista Alexandre Yersin33 Opal SM. A brief history of microbiology and immunology. Vaccines. Biography. 2009;(Nov):31-56.,55 Lewisohn R. Três epidemias: lições do passado. 1. ed. Campinas: Editora UNICAMP; 2003. 318 p.. A peste negra reapareceu em diversos países e em outros momentos da história. A cidade do Porto, em Portugal, passou por uma epidemia de peste negra em 1899, com o estabelecimento de medidas restritivas, como isolamento, quarentena e banhos obrigatórios, muito impopulares entre os moradores66 Almeida MAP. O Porto e as epidemias: saúde e higiene na imprensa diária em períodos de crise sanitária, 1854-56, 1899, 1918. Rev Hist Soc Cult. 2012;(12):371-91..

Durante os anos, a sociedade se interrogou a respeito da causa das doenças, sendo comumente associadas a comportamentos impróprios e/ou a uma forma de punição. No século XIX, duas hipóteses contaram com defensores e antagonistas33 Opal SM. A brief history of microbiology and immunology. Vaccines. Biography. 2009;(Nov):31-56.. A teoria miasmática, ou dos miasmas, propunha que emanações do ar, da atmosfera contaminada com maus odores, eram responsáveis pela disseminação das doenças33 Opal SM. A brief history of microbiology and immunology. Vaccines. Biography. 2009;(Nov):31-56.,66 Almeida MAP. O Porto e as epidemias: saúde e higiene na imprensa diária em períodos de crise sanitária, 1854-56, 1899, 1918. Rev Hist Soc Cult. 2012;(12):371-91.,77 Goulart AC. Revisitando a espanhola: a gripe pandêmica de 1918 no Rio de Janeiro. Hist Cienc Saude Manguinhos. 2005;12(1):101-42. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-59702005000100006. PMid:16116711.
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. Contrariando essa teoria estavam os contagionistas, defensores da teoria do contágio dos germes, afirmando que um microrganismo, invisível aos olhos humanos, era transmitido dos doentes aos não doentes33 Opal SM. A brief history of microbiology and immunology. Vaccines. Biography. 2009;(Nov):31-56.. Girolamo Fracastoro, em 1546, formulou a teoria do contágio, que foi combatida e ignorada durante várias décadas33 Opal SM. A brief history of microbiology and immunology. Vaccines. Biography. 2009;(Nov):31-56..

Ainda no século XIX, em 1817, a Europa passou por uma pandemia de cólera, doença considerada global em 1830, e que reapareceu cerca de 40 vezes entre 1831 e 191255 Lewisohn R. Três epidemias: lições do passado. 1. ed. Campinas: Editora UNICAMP; 2003. 318 p.. A Inglaterra e o País de Gales perderam, nas epidemias de cólera de 1831 e 1848, mais de 70 mil vidas88 Johnson S. O mapa fantasma: como a luta de dois homens contra o cólera mudou o destino de nossas metrópoles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 2008. 271 p.. Em 1854, a cidade de Londres tinha uma elevada densidade demográfica, com dezenas de pessoas vivendo aglomeradas em pequenos cômodos, e dificuldade na remoção do lixo e dos dejetos, que eram recolhidos nas fossas espalhadas pela cidade88 Johnson S. O mapa fantasma: como a luta de dois homens contra o cólera mudou o destino de nossas metrópoles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 2008. 271 p.. Mesmo antes da identificação do Vibrio cholerae, o médico John Snow, considerado o primeiro epidemiologista, utilizou métodos estatísticos para formular a hipótese sobre a forma de transmissão da doença, ajudando a enfraquecer a teoria miasmática99 Cerda LJ, Valdivia CG. John Snow, la epidemia de cólera y el nacimiento de la epidemiología moderna. Rev Chilena Infectol. 2007;24(4):331-4. http://dx.doi.org/10.4067/S0716-10182007000400014. PMid:17728925.
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. John Snow estudou e mapeou a incidência de cólera em diferentes localidades de Londres, demonstrando sua transmissão através da água contaminada33 Opal SM. A brief history of microbiology and immunology. Vaccines. Biography. 2009;(Nov):31-56.,99 Cerda LJ, Valdivia CG. John Snow, la epidemia de cólera y el nacimiento de la epidemiología moderna. Rev Chilena Infectol. 2007;24(4):331-4. http://dx.doi.org/10.4067/S0716-10182007000400014. PMid:17728925.
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. Ainda em Londres, o verão quente e seco de 1858 deflagrou o episódio conhecido como o grande fedor (the great stink), em uma época em que a teoria miasmática contava com muitos adeptos1010 Halliday S. Death and miasma in Victorian London: an obstinate belief. BMJ. 2001;323(7327):1469-71. http://dx.doi.org/10.1136/bmj.323.7327.1469. PMid:11751359.
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. O ar fétido e desagradável convenceu os ingleses da necessidade de ações de saneamento na cidade. O parlamento inglês aprovou a construção de um sistema de esgotos, entre 1859 e 1875, que tirou a metrópole do mapa da cólera1010 Halliday S. Death and miasma in Victorian London: an obstinate belief. BMJ. 2001;323(7327):1469-71. http://dx.doi.org/10.1136/bmj.323.7327.1469. PMid:11751359.
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. Evidências crescentes a respeito dos microrganismos, do contágio das doenças e as descobertas do pesquisador francês Louis Pasteur conduziram ao ano de 1857, considerado o início da Microbiologia33 Opal SM. A brief history of microbiology and immunology. Vaccines. Biography. 2009;(Nov):31-56.,1111 Schwartz M. The life and works of Louis Pasteur. J Appl Microbiol. 2001;91(4):597-601. http://dx.doi.org/10.1046/j.1365-2672.2001.01495.x. PMid:11576293.
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. As pesquisas de Pasteur explicaram a fermentação, combateram a teoria da geração espontânea e, somadas à identificação e ao isolamento, por Robert Koch, do bacilo causador da tuberculose, em 1882, confirmaram o papel dos microrganismos como agentes etiológicos de diversas doenças. 33 Opal SM. A brief history of microbiology and immunology. Vaccines. Biography. 2009;(Nov):31-56.,99 Cerda LJ, Valdivia CG. John Snow, la epidemia de cólera y el nacimiento de la epidemiología moderna. Rev Chilena Infectol. 2007;24(4):331-4. http://dx.doi.org/10.4067/S0716-10182007000400014. PMid:17728925.
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,1010 Halliday S. Death and miasma in Victorian London: an obstinate belief. BMJ. 2001;323(7327):1469-71. http://dx.doi.org/10.1136/bmj.323.7327.1469. PMid:11751359.
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,1212 Akkermans R. Robert Heinrich Herman Koch. Lancet Respir Med. 2014;2(4):264-5. http://dx.doi.org/10.1016/S2213-2600(14)70018-9. PMid:24717622.
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.

Os microscópios, as técnicas de identificação e a classificação de inúmeras espécies de bactérias não impediram que outras pandemias chegassem às comunidades. As doenças virais trouxeram novos desafios, com epidemias de varíola e febre amarela. Os vírus foram estudados por Dimitri Ivanovsky em 1892, e por Martinus Beijerinck em 1898 na doença do mosaico do tabaco, tendo sido definidos como agentes filtráveis submicroscópicos33 Opal SM. A brief history of microbiology and immunology. Vaccines. Biography. 2009;(Nov):31-56.,1313 Domingo E. Introduction to virus origins and their role in biological evolution. In: Domingo E, editor. Virus as populations: composition, complexity, quasispecies, dynamics, and biological implications. London: Academic Press; 2020. http://dx.doi.org/10.1016/B978-0-12-816331-3.00001-5.
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. No ano de 1918, a gripe espanhola encontrou a população sob o impacto da Primeira Guerra Mundial, sendo responsável pela morte de cerca de 50 milhões de pessoas66 Almeida MAP. O Porto e as epidemias: saúde e higiene na imprensa diária em períodos de crise sanitária, 1854-56, 1899, 1918. Rev Hist Soc Cult. 2012;(12):371-91.,1414 Bertucci-Martins LM. Memória que educa: epidemias do final do século XIX e início do XX. Educ Rev. 2005;21(25):75-89. http://dx.doi.org/10.1590/0104-4060.367.
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,1515 Jester B, Uyeki T, Jernigan D. Readiness for responding to a severe pandemic 100 years after 1918. Am J Epidemiol. 2018;187(12):2596-602. http://dx.doi.org/10.1093/aje/kwy165. PMid:30102376.
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. O nome da gripe é motivo de controvérsia. É provável que a epidemia tenha se iniciado nos Estados Unidos, onde, considerando-se as três ondas da doença, ceifou cerca de 675.000 vidas77 Goulart AC. Revisitando a espanhola: a gripe pandêmica de 1918 no Rio de Janeiro. Hist Cienc Saude Manguinhos. 2005;12(1):101-42. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-59702005000100006. PMid:16116711.
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,1414 Bertucci-Martins LM. Memória que educa: epidemias do final do século XIX e início do XX. Educ Rev. 2005;21(25):75-89. http://dx.doi.org/10.1590/0104-4060.367.
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15 Jester B, Uyeki T, Jernigan D. Readiness for responding to a severe pandemic 100 years after 1918. Am J Epidemiol. 2018;187(12):2596-602. http://dx.doi.org/10.1093/aje/kwy165. PMid:30102376.
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-1616 Glezen WP. Emerging Infections: Pandemic Influenza. Epidemiol Rev. 1996;18(1):64-76. http://dx.doi.org/10.1093/oxfordjournals.epirev.a017917. PMid:8877331.
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. Mais recentemente, através do estudo genético de tecido preservado, o vírus Influenza A, H1N1, foi identificado e considerado o subtipo responsável pela pandemia de 19181717 Reid AH, Fanning TG, Hultin JV, Taubenberger JK. Origin and evolution of the 1918 “Spanish” influenza virus hemagglutinin gene. Proc Natl Acad Sci USA. 1999;96(4):1651-6. http://dx.doi.org/10.1073/pnas.96.4.1651. PMid:9990079.
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. Os subtipos H2N2 e H3N2 causaram pandemias em 1957 e 1968, respectivamente1616 Glezen WP. Emerging Infections: Pandemic Influenza. Epidemiol Rev. 1996;18(1):64-76. http://dx.doi.org/10.1093/oxfordjournals.epirev.a017917. PMid:8877331.
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,1818 Kilbourne ED. Influenza Pandemics of the 20th Century. Emerg Infect Dis. 2006;12(1):9-14. http://dx.doi.org/10.3201/eid1201.051254. PMid:16494710.
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. De maneira geral, as diversas epidemias passaram por períodos de desconhecimento, negação, incompreensão e negociação entre os grupos sociais, chegando a momentos de adoção de medidas preventivas, mais ou menos restritivas, estimulando o progresso da ciência66 Almeida MAP. O Porto e as epidemias: saúde e higiene na imprensa diária em períodos de crise sanitária, 1854-56, 1899, 1918. Rev Hist Soc Cult. 2012;(12):371-91.

7 Goulart AC. Revisitando a espanhola: a gripe pandêmica de 1918 no Rio de Janeiro. Hist Cienc Saude Manguinhos. 2005;12(1):101-42. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-59702005000100006. PMid:16116711.
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-88 Johnson S. O mapa fantasma: como a luta de dois homens contra o cólera mudou o destino de nossas metrópoles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 2008. 271 p.,1414 Bertucci-Martins LM. Memória que educa: epidemias do final do século XIX e início do XX. Educ Rev. 2005;21(25):75-89. http://dx.doi.org/10.1590/0104-4060.367.
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,1515 Jester B, Uyeki T, Jernigan D. Readiness for responding to a severe pandemic 100 years after 1918. Am J Epidemiol. 2018;187(12):2596-602. http://dx.doi.org/10.1093/aje/kwy165. PMid:30102376.
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. Os avanços tecnológicos trouxeram contribuições ao enfrentamento das epidemias, com a chegada dos antibióticos, antivirais e equipamentos, entre muitos outros progressos.

Localizando o Brasil no panorama das epidemias, estima-se que a cólera tenha causado o óbito de 200.000 pessoas entre 1855 e 185655 Lewisohn R. Três epidemias: lições do passado. 1. ed. Campinas: Editora UNICAMP; 2003. 318 p.. No século XX, o país passou pela sétima pandemia de cólera, entre os anos de 1991 e 1996, com mais de 150 mil casos notificados1919 Gerolomo M, Penna MLF. Os primeiros cinco anos da sétima pandemia de cólera no Brasil. Inf Epidemiol SUS. 1999;8(3):49-58.. Epidemias de varíola e febre amarela foram favorecidas pelas condições insalubres das cidades brasileiras, tendo impacto no comércio marítimo e na vida econômica da população1414 Bertucci-Martins LM. Memória que educa: epidemias do final do século XIX e início do XX. Educ Rev. 2005;21(25):75-89. http://dx.doi.org/10.1590/0104-4060.367.
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,2020 Hochman G. Vacinação, varíola e uma cultura da imunização no Brasil. Cien Saude Colet. 2011;16(2):375-86. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232011000200002. PMid:21340314.
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. Em 1904, a adoção de medidas coercitivas, que incluíam a obrigatoriedade da vacinação contra varíola, levou ao protesto popular conhecido como Revolta da Vacina2020 Hochman G. Vacinação, varíola e uma cultura da imunização no Brasil. Cien Saude Colet. 2011;16(2):375-86. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232011000200002. PMid:21340314.
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. A gripe espanhola chegou ao Brasil em setembro de 1918, encontrando um cenário de crise financeira, conflitos políticos, pobreza e estrutura sanitária precária2121 Souza CMC. A gripe espanhola em Salvador, 1918: cidade de becos e cortiços. Hist Cienc Saude Manguinhos. 2005;12(1):71-99. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-59702005000100005. PMid:16116710.
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. A literatura relata o impacto da gripe nas cidades do Rio de Janeiro, Salvador e Campinas77 Goulart AC. Revisitando a espanhola: a gripe pandêmica de 1918 no Rio de Janeiro. Hist Cienc Saude Manguinhos. 2005;12(1):101-42. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-59702005000100006. PMid:16116711.
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,1414 Bertucci-Martins LM. Memória que educa: epidemias do final do século XIX e início do XX. Educ Rev. 2005;21(25):75-89. http://dx.doi.org/10.1590/0104-4060.367.
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,2121 Souza CMC. A gripe espanhola em Salvador, 1918: cidade de becos e cortiços. Hist Cienc Saude Manguinhos. 2005;12(1):71-99. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-59702005000100005. PMid:16116710.
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. No Rio de Janeiro, estima-se que a pandemia tenha causado em torno de 15.000 óbitos, com maior morbimortalidade nas áreas com estrutura sanitária deficiente77 Goulart AC. Revisitando a espanhola: a gripe pandêmica de 1918 no Rio de Janeiro. Hist Cienc Saude Manguinhos. 2005;12(1):101-42. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-59702005000100006. PMid:16116711.
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A aparente democracia das epidemias carece de um olhar mais atento1414 Bertucci-Martins LM. Memória que educa: epidemias do final do século XIX e início do XX. Educ Rev. 2005;21(25):75-89. http://dx.doi.org/10.1590/0104-4060.367.
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. Ao longo da história, más condições de vida, fome, moradias insalubres, acúmulo de lixo, ausência de esgotamento sanitário e de tratamento da água foram condições favoráveis às grandes epidemias33 Opal SM. A brief history of microbiology and immunology. Vaccines. Biography. 2009;(Nov):31-56.,1414 Bertucci-Martins LM. Memória que educa: epidemias do final do século XIX e início do XX. Educ Rev. 2005;21(25):75-89. http://dx.doi.org/10.1590/0104-4060.367.
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,2121 Souza CMC. A gripe espanhola em Salvador, 1918: cidade de becos e cortiços. Hist Cienc Saude Manguinhos. 2005;12(1):71-99. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-59702005000100005. PMid:16116710.
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. No Brasil, dados publicados em 2017 mostraram que 61,4% da população contavam com rede coletora de esgotos e 42,6% com coleta e tratamento, sendo a região Sudeste a única em que o tratamento dos esgotos chegava a mais da metade da população2222 Brasil. Agência Nacional de Águas. Atlas esgotos: despoluição de bacias hidrográficas. Brasília: ANA; 2017..

Fazemos parte de um mundo em constante evolução1313 Domingo E. Introduction to virus origins and their role in biological evolution. In: Domingo E, editor. Virus as populations: composition, complexity, quasispecies, dynamics, and biological implications. London: Academic Press; 2020. http://dx.doi.org/10.1016/B978-0-12-816331-3.00001-5.
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. Estima-se que, na biosfera, haja um número maior de partículas virais do que o total de células1313 Domingo E. Introduction to virus origins and their role in biological evolution. In: Domingo E, editor. Virus as populations: composition, complexity, quasispecies, dynamics, and biological implications. London: Academic Press; 2020. http://dx.doi.org/10.1016/B978-0-12-816331-3.00001-5.
http://dx.doi.org/10.1016/B978-0-12-8163...
. A breve retrospectiva histórica deste editorial não tem a intenção de apresentar uma cronologia detalhada ou de esgotar o tema a respeito das epidemias que marcaram a história da humanidade. O texto pretende trazer alguns acontecimentos históricos, contribuindo para a reflexão sobre os diferentes caminhos que podemos encontrar para enfrentar os desafios dessa pandemia, que considerem a interação dinâmica entre o homem e o meio ambiente, que pensem a solidariedade e a vida em comunidade e que dialoguem sobre uma proposta interdisciplinar, na qual as ciências exatas, humanas, biológicas, sociais e ambientais colaborem para uma melhor qualidade de vida para todos nós.

  • Como citar: Santos VP. O desafio da pandemia da COVID-19: o que podemos aprender com a história? J Vasc Bras. 2021;20:e20200209. https://doi.org/10.1590/1677-5449.200209
  • Fonte de financiamento: Nenhuma.
  • O estudo foi realizado na Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, BA, Brasil.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Mar 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    03 Nov 2020
  • Aceito
    10 Nov 2020
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