ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Editorial - Ano 2021 - Volume 11 - Número 3

Nutrição infantil, atividade física e a pandemia pelo coronavírus

Child nutrition, physical activity and the corona virus pandemic


A pandemia pelo coronavírus (COVID-19) nos últimos anos apresentou um impacto em vários setores da vida. Forte impacto nas condições socioeconômicas dos países e na saúde das pessoas. As crianças podem ser consideradas como as mais vulneráveis e sofreram as consequências da pandemia. Além do adoecimento físico, o acometimento do estado emocional pode ser constatado. Medidas de contenção de propagação do vírus levaram ao fechamento das escolas e ao isolamento social das crianças. As consequências foram a mudança dos hábitos alimentares, com aumento do ganho de peso e o aumento do sedentarismo. Tais condições favorecem a obesidade infantil e ao maior risco de doenças cardiovasculares. O prejuízo pode ser considerado imenso e a ampliação da vacinação nesta faixa etária é uma perspectiva que pode minimizar os efeitos da pandemia pelo retorno das atividades habituais da criança antes da pandemia.

Os coronavírus constituem uma grande família de vírus que podem infectar animais e seres humanos. Foram identificados pela primeira vez em meados da década de 1960 e são conhecidos sete tipos diferentes de coronavírus humanos. Destes, quatro causam infecções respiratórias leves a moderadas e dois causam infecções respiratórias graves, que são coronavírus da síndrome respiratória aguda grave (SARS-CoV) e coronavírus da síndrome respiratória do oriente médio (MERS-CoV). Em 2019, um sétimo tipo foi identificado, novo SARS-CoV-2, que ganhou importância pela sua patogenicidade em humanos. O “Comitê Internacional de Taxonomia de Vírus” da OMS identificou como “coronavírus 2 da síndrome respiratória aguda grave (SARS-CoV-2)”. Este nome foi mudado para “COVID-19” devido às suas semelhanças genéticas com o coronavírus da SARS responsável pelo surto em 2003. Posteriormente, em 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou emergência de saúde pública o surto da doença causada pelo novo coronavírus uma epidemia global.

A obesidade, considerada como problema importante de saúde em vários países, consiste no acúmulo exacerbado de gordura corporal resultante de um balanço energético positivo que acarreta danos à saúde dos indivíduos. Como consequência pode comprometer a saúde física e emocional. Além disso, é considerada fator de risco para doenças não transmissíveis e o surgimento precoce de doença cardiovascular. Quanto aos aspectos psíquicos e cognitivos, a obesidade pode predispor à ansiedade, depressão e distúrbios de sono. Neste cenário, a pandemia de COVID-19 tornou-se um grande desafio para o mundo, com mudanças profundas nos hábitos de vida de diversas populações. De maneira súbita ocorreu uma rápida quebra de paradigmas que resultaram em amplas repercussões nos diversos âmbitos de interação social. O isolamento social foi uma estratégia junto com outras medidas impostas para reduzir a propagação viral.

Embora tenham efeitos positivos, medidas de isolamento podem ter impacto indesejáveis, principalmente em crianças e adolescentes, em decorrência do distanciamento social imposto como estratégia de enfretamento à disseminação da COVID-19. Com a mobilidade restrita, a interrupção de aulas e de atividades grupais, as crianças e adolescentes ficaram mais expostas às telas e alterações na alimentação. A restrição da mobilidade limita a frequência de compras de gêneros alimentícios, com consequência de maior consumo de alimentos processados e enlatados, mais fáceis de adquirir e armazenar bem como a entrega de comidas a domicílio foi incorporado pela maioria da população. A Sociedade Brasileira de Pediatria (2020)8 ressalta que as estratégias para conter a disseminação da COVID-19 impactam diretamente na alimentação infantil, já que a restrição da mobilidade limita a frequência de compras de gêneros alimentícios. A consequência é o maior consumo de alimentos processados e enlatados que são mais fáceis de adquirir e armazenar e possuem maior prazo de validade. As mudanças dos hábitos alimentares contribuíram para o aumento ou agravamento de sobrepeso e obesidade em crianças e adolescentes.

Na saúde deve-se considerar os possíveis impactos do distanciamento social imposto pela pandemia da COVID-19 na obesidade infantil. A COVID-19 continua assolando o mundo, ultrapassando fronteiras e atingindo pessoas de diversas classes e idades. O contato, o toque e a convivência estão restritos devido à alta transmissibilidade viral. Atividades que implicam aglomeração de pessoas, como as aulas presenciais paralisadas, exigiu de todos os envolvidos a criação de estratégias para reinventar a educação. A interrupção das aulas presenciais, além de todos os possíveis impactos na formação dos estudantes, gera também uma lacuna no que se refere à alimentação, já que a merenda escolar é fonte segura e equilibrada de alimentação, sendo, em alguns casos, a única refeição com essas características acessível a vários alunos. O sustento de muitas famílias ficou comprometido e a disponibilidade de alimentos nutritivos ficou ainda mais escassa para as crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade socioeconômica.

O distanciamento social também gerou repercussões nas relações familiares. As crianças e adolescentes que passavam grande parte do dia nas creches e escolas, estão restritas ao lar em período integral. Nesse cenário, o estresse e a sobrecarga do cuidador podem ocasionar uma exacerbação da agressividade e violência. O aumento da exposição à violência psicológica, o cenário de incertezas, o afastamento da rotina e de pessoas próximas geram importantes reflexos na saúde mental das crianças e dos adolescentes. A obesidade tem forte associação com a ocorrência de ansiedade e depressão. Deste modo, é necessário acompanhar de perto possíveis alterações comportamentais de crianças e adolescentes obesos, principalmente pela associação de fatores inerentes ao distanciamento social que podem provocar alterações de humor.

Outro fator que impacta diretamente na epidemia de obesidade é a redução da prática de atividade física, fortemente influenciada pela interrupção das aulas presenciais, já que a escola é ambiente propício para as interações grupais ativas, realização de esportes e atividades recreativas. Ainda agravante desta situação, muitas crianças não dispõem de local adequado para brincadeiras ou realizações de atividades que permitam reduzir o sedentarismo. Academias com atividades suspensas e também ausência de apoio escolar, foram fatores que contribuíram para a manutenção de altos níveis de inatividade. Portanto, para reduzir o desenvolvimento ou agravamento da obesidade e evitar as complicações decorrentes, a família deve proporcionar um ambiente saudável e seguro, fornecendo apoio emocional, priorizando alimentos nutritivos, estimulando as atividades físicas e limitando o tempo de tela. Essas medidas são necessárias tanto para evitar o excesso de peso e suas repercussões à longo prazo, quanto para suplantar o aumento do risco associado à obesidade caso essas crianças e adolescentes sejam expostos à infecção pela COVID-19.

Em conclusão, os pediatras bem como os demais profissionais de saúde, devem proceder com avaliação nutricional da criança e adolescente. Essa recomendação se aplica também nos cuidados de crianças suspeitas ou com diagnóstico confirmado de COVID-19. É importante identificar o sobrepeso e obesidade para promover orientações e cuidados em períodos de isolamento. Manter um bom estado de saúde e nutricional, além de imunizações e atenção aos problemas psicossociais. Considerar comorbidades associadas à obesidade e garantir que o tratamento não seja interrompido. Avaliar a necessidade de suplementos nutricionais de acordo com cada caso. Felizmente, o avanço na vacinação contra a COVID-19 em adolescentes e crianças pode ser um importante fator para minimizar os diferentes impactos da doença nesta população.


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Professor Titular de Pediatria UFSJ/UFMG

Endereço para correspondência:
Joel Alves Lamounier
Universidade Federal de São João Del Rei
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