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Redes populares de proteção: Torcidas Organizadas de futebol no contexto da pandemia da COVID-19

Popular protection networks: Organized football fans in the context of the COVID-19 pandemic
Luiz Henrique de Toledo e Roberto de Alencar Pereira de Souza Junior

Resumos

Articulamos neste paper duas noções, sociabilidade e sofrimento, inserindo as Torcidas Organizadas de futebol no fluxo da pandemia do coronavírus. Ora situadas em contraposição, ora em colaboração com segmentos do futebol profissional e órgãos estatais, as TOs carregam o peso simbólico das essencializações metafóricas que as contextualizam a partir de um conjunto de estereótipos que, em termos gerais, recaem sobre as classes populares, de onde historicamente vicejaram expressões como “classes perigosas” e “comportamentos transgressores” de sujeitos ocupando e produzindo espaços lúgubres e de insurgências morais, políticas e enfermas. A partir das iniciativas aqui apresentadas buscamos discutir em que medida de posse de algumas propriedades simbólicas de gerenciar o sofrimento, como parte das redes populares de proteção, as TOs paulistanas circunscreveram um lugar político e comunitário no domínio da sociabilidade futebolística na cidade de São Paulo.

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Notas da redacção

Versão original recebida em / Original Version 29/04/2020

Aceitação / Accepted 15/07/2020

Texto integral

Apresentação – O mundo torcido e (des)organizado por um vírus

  • 1 Vale destacar que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o nome científico do vírus é SARS- (...)

1O ano de 2020 ficará marcado na história como um evento crítico, quando uma pandemia assolou, quase que subitamente, todos os continentes, trazendo mortes e caos por onde passou. Com um enredo digno das narrativas distópicas da literatura e do cinema, a COVID-19, popularmente conhecido como o novo coronavírus – ou simplesmente coronavírus1 –, foi responsável por induzir um confinamento em massa, alocando pessoas por todo o mundo em suas casas em regime de isolamento, provocando assim a paralisação de serviços considerados não essenciais e nos apresentando a realidade compulsória do home-office e do desemprego em massa.

2Entre os meses de março e abril e em meio à avalanche de estatísticas vindas das redes mundiais e locais de saúde, que revelaram o agravamento da pandemia pelo nomeado novo coronavírus (COVID-19), um vórtice de informações e contrainformações espalhadas como o próprio vírus ocupou os noticiários políticos, econômicos, religiosos e, sobretudo, epidemiológicos nas mídias e redes sociais. O que se seguiu foi um rápido e exponencial adensamento na produção de narrativas a respeito do vírus e seus impactos. E assim como as mutações do vírus, logo descobertas em três tipos concomitantes, as narrativas em torno do mal se multiplicaram.

  • 2 . Acrônimo de Torcidas Organizadas de futebol. Sobre modelos associativistas de torcedores, entre e (...)

3Observou-se aqui e acolá muitas vozes dissonantes, algumas mais tímidas ou escamoteadas por aquelas outras tantas mais mobilizadas pelas prementes questões de saúde. Entre aquelas mais à margem tornaram públicas as ações e propostas “positivas” que as TOs2 mais sensibilizadas com o problema trouxeram como agenda no auxílio ao combate da pandemia na cidade de São Paulo.

4Forçosamente paralisadas ou diminuídas as atividades que as vinculam ao futebol masculino profissional, mas também algumas delas ao Carnaval de espetáculo das escolas de samba, o que se seguiu foram várias notas que publicizaram diversas formas de engajamento das TOs. No site da são paulina Tricolor Independente, pode-se ler: “O dever solidário, mais uma vez, para a comunidade Paraisópolis3. Alimentos, higiene, limpeza, todo e qualquer produto que ajude o povo humilde, nesse momento terrível para todos”4.

  • 5 . Também conhecida juridicamente como Mancha-Alviverde, aqui, porém, a denominamos como seus aficio (...)

5Ou ainda na palmeirense Mancha Verde5:

[...] a Mancha Verde mobilizou seus componentes e associados para a arrecadação de fundo para compra de cestas básicas, que serão distribuídas em comunidades carentes de São Paulo. Somente nesta semana, a entidade arrecadou 25 toneladas de alimentos que serão distribuídos a partir de sábado”6.

  • 7 . Segundo as normais gramaticais palavras derivadas do nome próprio, como no caso de Corinthians, s (...)

6E para além das atividades de âmbito assistencial outras iniciativas e gestos de solidariedade promoveram reconexões de sentido entre atores diversos que estiveram na linha de frente do combate à doença, como nas ações da corinthiana7 Camisa 12:

Em meio à pandemia do novo coronavírus, diversos integrantes da Camisa 12, uma das principais torcidas organizadas do Corinthians, se espalharam em diferentes cidades do Brasil para agradecer profissionais de saúde durante a quarentena. As ações de reconhecimento e apoio aos médicos, enfermeiros e outros profissionais da área aconteceram justamente no horário que o Timão costuma entrar em campo de quarta-feira8.

7O esforço desse artigo será inscrever sobre esses dados esparsos e fragmentos colhidos das matérias jornalísticas e sites das próprias TOs na intenção de reconectá-los não a uma grande narrativa ou modelo explicativo unívoco sobre as consequências ditas “sociais” da pandemia, mas discutir em que medida a posse de algumas propriedades simbólicas de gerenciar o sofrimento circunscrevem o lugar político e ambíguo desses agrupamentos torcedores no domínio da sociabilidade da cidade.

8Os diferentes esforços técnicos, científicos e políticos de cumprir os protocolos de isolamento estiveram o tempo todo relacionados à velocidade do isolamento in vitro do vírus e a constatação de suas propriedades agressivas no campo da virologia. O que impôs um tempo que não coadunou, obviamente, com a necessidade premente de descoberta de uma vacina, dependente de outras conexões e redes fenomenotécnicas. Todo esse esforço também coincidiu tensamente com a rapidez ou morosidade com que governos de várias instâncias implementaram o isolamento social, que se definiu desigualmente como política de mitigação visando não colapsar os sistemas de saúde devido a iminente possibilidade do contágio em massa.

9Nesse sentido, atores políticos, profissionais da saúde, da segurança, dos transportes etc. não pararam ou apenas parcialmente se reservaram, contornando as formas mais severas do isolamento social (lockdown). A economia que legisla sobre o movimento de pessoas e coisas também não pôde parar e mesmo sua desaceleração causada pelos isolamentos (voluntários e induzidos) foi mote de acirrada e controversa discussão.

10A metáfora da guerra foi amplamente utilizada para definir o conjunto de eventos que desencadearam a pandemia, sobretudo da parte de vários chefes de Estado. O repórter João Paulo Charleaux recupera outras visões do mesmo contexto, tais como a da médica francesa Sophie Mainguy, que buscou contestar esse discurso belicista:

  • 9 . Guerra, guerrilha e resiliência, João Paulo Charleaux, NEXOS, 27 de março de 2020 Disponível em: (...)

Não existe um inimigo. Há um outro organismo em pleno fluxo migratório e nós temos de nos deter a fim de que nossos cursos não se choquem mais adiante [...]. Estamos na faixa de pedestres, mas o sinal está vermelho para nós [...]. As formas de vida que não servem a nossos interesses – e quem poderá dizer? – não são nossas inimigas. Os humanos não são a única força deste planeta 9.

11Outros coletivos reivindicaram da mesma forma as prerrogativas de participação no sentido de recentralizarem sua relevância política e ética dentro dessas extensas conectividades e desconectividades precipitadas pela pandemia, tal foi o caso da polêmica atuação das igrejas, sobretudo algumas neopentecostais que em nome do conforto espiritual ofertado aos seus devotos e seguidores reivindicaram um lugar ativo na luta conexa contra o coronavírus. Conectividades dessemelhantes que também conduziram as TOs ao emaranhado de agentes políticos proativos contra a pandemia.

A escala da pandemia na escalada do vírus

12A transversalidade com que eventos totais, tais como grandes guerras e pandemias, alcançam o reordenamento das experiências no cotidiano acaba por desfazer e refazer cadeias de interações e sociabilidade. No caso dessa pandemia, observou a mobilização de incontáveis agentes proativos na razão direta do agravamento da crise, para além dos ativismos que já lidam na interface de ações governamentais e não governamentais em políticas de mitigação de sofrimentos. Será essa categoria, sofrimento, aquela que reteremos aqui inspirados pela varredura conceitual e etnográfica que Michael Herzfeld propõe a partir de alguns autores, entre elas Veena Das, autora feminista que reposicionou epistemologicamente os denominados eventos críticos como temas de reflexão: “[...] uma sociedade deve, até certo ponto, ocultar de si mesma quanto sofrimento é imposto aos indivíduos como um preço por pertencer a ela, e as ciências sociais podem estar correndo o risco de imitar o silêncio da sociedade em relação ao sofrimento” (Veena Das apud Herzfeld 2001:271).

  • 10 . Voos com os primeiros passageiros infectados chegaram sobretudo da Itália para São Paulo, tal com (...)
  • 11 . Metáfora designada para definir aqueles que se encontravam à margem da lei no fim do século XIX n (...)
  • 12 . “A pandemia tem um culpado: a China. Não podemos solucionar o problema de pandemias sem a partici (...)

13Sofrimentos relacionados às epidemias, pensando especificamente na propagação desses males de uma perspectiva da antropologia urbana, alcançam, como se sabe, a relação entre práticas e espaços, não raramente objetivada nas camadas populares em seus domínios de convivência e sociabilidade. No caso do coronavírus, cuja difusão original no Brasil se deu sobretudo a partir das classes médias em circulação internacional10, o repisado preconceito acionado em torno dos modos de vida das “classes perigosas”11 foi desta vez bastante lateralizado em função de um mal estrangeiro maior incensado pelo preconceito e ingenuidade geopolítica, o que não deixou de gerar outras aspirais de narrativas xenófobas e ideológicas que grassaram não somente nas redes sociais como também num conjunto de discursos de personalidades públicas, jornalistas, autoridades políticas e sanitaristas12.

14Sabe-se que muitas das crises sanitárias são administradas a partir dos espaços de pertença popular, não raramente convertendo periferias urbanas em regiões morais (Park 1903); pedaços (Magnani 1984) em guetos (Wacquant 2008), bairros em zonas de deflagração de inúmeros conflitos induzidos por razões cientificistas, morais e políticas capitaneadas pelas malhas tecnopolíticas do Estado.

15Histórica e sociologicamente atestam-se que intervenções orientadas por concepções sanitaristas, higienistas, políticas e morais motivaram os controles simbólicos das experiências espacializadas que abrigaram a diversidade presente na sociabilidade urbana (Darnton 1988; Sevcenko 1984 [2010], 1998; Kowarick 1988; 2000; Frehse 2011; Rizek 2011), repactuando projetos políticos que cumpriram legislar, administrar, mitigar e ao mesmo tempo secretar um outro conjunto variado de sofrimentos sob a batuta de projetos civilizacionais estatais de toda ordem, aqui e alhures.

16Modelos urbanísticos que estimularam ordenamentos segregacionais são consequências visíveis ainda hoje nas grandes metrópoles como São Paulo porque foram em maior ou menor escala adaptados a vários contextos, segundo escreve Sevcenko:

O padrão da urbanização improvisada, tumultuária e precária, desencadeada pelo primeiro momento da industrialização, suscitou nas autoridades reações alarmadas que oscilavam entre os excessos repressivos, higienistas e disciplinares. Os bairros operários eram áreas estigmatizadas, sob permanente vigilância e práticas de confinamento. A saída saudável, contraposta àquela cena ameaçadora, era concebida como uma estratégia de fuga da cena industrial: os centros cívicos de urbanismo refinado, monumental e segregador, a cidade-jardim, o subúrbio elegante 13.

17Decorre desse fato mais geral que a “[...] compreensão dos arranjos por meio dos quais as pessoas vivem juntas, não como baseados numa organização voluntária de afeto e proteção, mas como respostas aos poderes reguladores da ‘sociedade’” (Herzfeld 2001:271) leva em conta um conjunto de experiências e táticas (De Certeau 2014 [1980]) de sociabilidade cujas estratégias se aderem às formas menos molares de confrontações étnicas, culturais e de classes. Certos pactos realizados pelas vias laterais do Estado ou negociados com ele cumprem promover, nalgumas vezes, as táticas em estratégias de ação, é o que parece ocorrer na relação entre poderes públicos e as TOs em momentos dramáticos tais como o instaurado pela crise epidemiológica.

18Tal paisagem ou modelo sócio-histórico de amplo espectro centrado no par saúde pública-classes populares parece condizer apenas em parte com a difusão do coronavírus que, espalhado e multissituado globalmente, distribuiu diferenciadamente causas e efeitos numa outra ordem e escala de grandeza, cujos eventos precipitaram responsabilidades. Primeiro, sob os ombros dos governos de países estrangeiros localizados numa porção específica do planeta, e segundo na conduta diversificada, as vezes errática, com que cada Estado tratou do problema da sua mitigação local, tensionando com as orientações da OMS (Organização Mundial de Saúde).

19Assim, a expansão global e velocidade de propagação do vírus expuseram não somente as fragilidades locais na administração dos sofrimentos como revelaram a capilaridade de percepções sobre eles que impediram divisar fronteiras empíricas e conceituais precisas, além da impossibilidade em determinar com precisão os agentes das causas e dos efeitos da pandemia.

  • 14 . As Ciências Sociais brasileiras representadas por suas respectivas associações mantiveram um bole (...)

20Cabe uma observação a respeito do tradicional ou clássico recurso heurístico de como as ciências sociais conduziram seu empirismo para colocar o problema da escala como exigência de cientificidade, que percorreu muitos caminhos impondo às relações (sociais) a sedução dos “sistemas”. Essa questão também serve para se dizer algo a respeito do modo como as ciências sociais reivindicaram um lugar ou voz legitimada para dizer pouco ou muito a respeito da pandemia14, efeitos que holograficamente mobilizaram a todos e cada um dos muitos atores coletivos para além da atuação dos profissionais da saúde, políticos, religiosos e movimentos coletivos diversos como os torcedores. Mas vamos reter a problemática da escala, que na visão de autoras como Strathern, se manteve por um bom tempo determinada pelo afastamento objetivista entre sujeito e objeto e empiria e teoria:

É por meio das pessoas que os antropólogos sociais conduzem as conexões. Eles atentam para as relações de lógica, de causa e efeito, de classe e categorias que as pessoas fazem entre as coisas; isso também significa que atentam para as relações da vida social; para os papeis e comportamentos por meio dos quais as pessoas se conectam entre si. (Strathern 2014:271).

21De fato, o coronavírus colocou para todos os agentes o problema da escala, e no que concerne às ciências sociais, sobretudo a antropologia, por ser aquela que mais francamente especulou sobre as possibilidades da etnografia, também um problema de método, tal como apontou Segata (2020): “[...] números, casos, estatísticas ou prevalências [na presente crise] têm rosto, trajetórias e biografias [...] a pandemia precisa ser considerada como uma experiência vivida nos corpos e nas sensibilidades coletivas”15.

22Uma alternativa possível e tratada metodologicamente por Strathern é pensar quando o assunto exige ser tomado em sua complexidade sistemática e assistemática ao mesmo tempo. E expandir a noção de relação permite sugerir que relações se deslocam por múltiplas escalas e que cada uma sempre convoca ou prescinde de outras mais para que se contextualize ou se perceba completa. Quer dizer, relações antes de sistêmicas são contextuais e dependentes das demandas por diferença para se completarem.

23Nessa direção podemos dizer que o coronavírus se caracterizou mais como uma epidemia de Estado e menos como algo que se aproxima da expressão “epidemia popular”, ao menos no sentido de atribuir alguma causa inconsequente originada no seio das ditas “classes perigosas”, não raramente condenadas aos regimes de produção e reprodução não somente da mão de obra trabalhadora, mas de toda sorte de práticas de sociabilidade controladas por regimes de convenções.

  • 16 . As aspas se referem a uma discordância em relação à generalização abusiva nos usos do termo euroc (...)
  • 17 . Wuhan, a “Chicago da China”, é uma moderna metrópole de 11 milhões de habitantes. Recentemente se (...)

24Ademais, o mundo virtualizado e pós pandêmico que se anuncia, o que implica algo além de uma mera globalização de bens e produção de lugares e “não lugares”16, parece não mais permitir ou dar vazão a esse tipo de modelo exclusivista de onde historicamente irromperam as análises sobre epidemias condicionadas aos fatores causais como pobreza17 e exclusão socioespacial. Então, tudo depende do tamanho e vigor com que as relações podem nos levar a perceber e ou interagir com as conexões empíricas e vividas pelos agentes. Os problemas atinentes aos valores e epistemologias que amparam categorias analíticas como a de vulnerabilidade foram postos à prova nesse contexto. Retomaremos essa questão ao final do artigo.

25Velozmente afastada de seu centro original irradiador, mercados populares de animais vivos na cidade de Wuhan, a propagação do vírus chegou ao conhecimento geral em função dos controles estatais de circulação de pessoas e menos determinada pelos contextos de produção da mão de obra sob condições adversas. E da produção para a circulação, num mecanismo de dádiva veneno passando de país a país, alimentaram-se as fontes científicas e populares de conhecimento a respeito do vírus.

26O caráter ubíquo agregado ao mal passou a mobilizar cada vez mais o imaginário em torno da doença em suas sobrecodificações e metaforizações porque foi deslocado de alguns determinismos em decorrência das especulações sobre a invenção do vírus que fez surgir seguidas controvérsias, e muito se especulou se ele originou-se de mutações naturais ou foi fruto de maquinações políticas de Estados.

27As figurações (metaforizações) estimuladas pelo papel do Estado na pandemia serviram como centro irradiador tanto das causas do vírus quanto dos efeitos das políticas de contenção da pandemia, e aproximando causas e efeitos tornaram-se oximoros ruidosos em que ordem e desordem ou formas de organização que desorganizam se aproximaram dos paradoxos que envolvem a atuação de muitos outros agentes, sobretudo oriundos das “classes perigosas”, que ambiguizados e estereotipados em contextos diversos encontraram no momento da crise um espaço político para se reposicionarem, e este parece que foi o caso das TOs em meio à pandemia.

28Espaços populares de convívio e pertença dentro da cultura de fruição popular do futebol, e por vezes do carnaval como as quadras e sedes das TOs, muitas vezes estigmatizados pela opinião pública e setores do poder público, foram oferecidos para o acolhimento do sofrimento gerado pela pandemia:

Uma das funções de uma escola de samba é servir à população e, portanto, cumprindo com nossa responsabilidade social e reforçando o compromisso com toda Comunidade, colocamos nossa quadra e nossa estrutura à disposição das autoridades públicas para os fins que se fizerem necessários e pelo tempo que acharem suficiente para que a onda de contaminação seja controlada18.

29Portanto, o fenômeno do coronavírus promoveu a reconexão entre sociabilidade e sofrimento numa razão etnográfica específica, correlacionando o fenômeno da pandemia com o da endogamia torcedora, geralmente motivada pelas dinâmicas do clubismo amparadas nos enfrentamentos e confrontos que produzem suas próprias formas de sofrimento, percebidos sobretudo para quem está dentro dos movimentos torcedores como signos de pertença, assiduidade, coragem e entrega.

30No contexto da pandemia e metaforizando o sofrimento as TOs promoveram novas conexões e relações entre formas de torcer e formas de sofrer. O caso singular conhecido na literatura acadêmica e fora dela pela expressão corinthianismo, que está para além do ponto de vista de uma militância torcedora específica singularizada nas TOs, servirá de exemplo etnográfico desse argumento.

O mal social (re)torcido de modo organizado

31Associações de torcedores militantes carregam, de modo geral em suas bagagens diacríticas frente à dispersão torcedora, um conjunto de experiências muitas vezes tomadas como limites e moralmente reprovadas. O desdobramento dessas atitudes, que também são reconhecidas como comportamento transgressor, está diretamente relacionado ao temor e a um certo sofrimento propagado a partir delas infligido aos corpos supliciados de torcedores individuais, que desde ao menos o final dos anos 1980 tem alimentado as cronologias da violência torcedora veiculadas na grande mídia.

32O histórico já traçado por décadas de confrontação centrípeta e centrífuga entre coletividades torcedoras (Toledo 1996; Pimenta 1997; Damo 2002; Buarque de Holanda 2010, Murad 2017) atesta o conjunto de dados de realidade, mas também estereótipos que incidem sobre as TOs, de modo que se torna nesse momento metodologicamente improdutivo ou mesmo analiticamente inócuo tentar traçar uma linha divisória entre ação e representação (Malinowski, 1950 [1976]; Magnani 1986) a respeito da sociabilidade contendora observada entre esses torcedores.

33Velhos dilemas, atalhos ou armadilhas interpretativas sempre se repõem quando o tema são ou resvalam as TOs. E desponta um certo curto-circuito, afinal. Trata-se de coletivismos que fomentam uma sociabilidade que gera como subproduto violência ou haveria uma violência geral acomodada na sociedade que gera a sociabilidade violenta entre coletivos torcedores?

34E quase como um falso dilema que se instalou a respeito do vírus, ou seja, se era melhor entrar rapidamente em contato com ele para adquirir resistência imunológica (anticorpos) ou se era preciso se afastar dele, as TOs angariaram um conjunto de opositores vindos de dentro do Estado que num processo de laminação judicial e criminal condenaram no atacado suas formas de sociabilidade.

35É nesse sentido que o vírus tomado como um ser actante (Latour 1998), tal como sugeriu, ainda que não exatamente nesses termos, a médica francesa citada na apresentação, e não apenas como inimigo biológico natural em “guerra” conosco, mas como partícipe de uma cadeia extensa de relações naturais e culturais que se emaranham, acabou servindo de fator de inúmeras acomodações ou agente catalisador de narrativas em princípio divergentes e essencializadas, tal como foi conduzido o debate sobre as TOs ao menos desde os anos 1990. Pois a COVID-19, para além de sua agressividade biológica em contato conosco, pode fornecer pistas para que possamos sair desse círculo contagioso como um vírus e estereotipado como os discursos políticos que alimentaram por décadas o senso comum sobre essas formas associativas, diríamos agora associativistas torcedoras.

36Interessa salientar como as metaforizações da noção de sofrimento, essa condição tangível e materializada na crise do coronavírus, podem estar relacionadas às demandas mais simbólicas que organizam e ou antecipam experiências em outros domínios, tais como a sociabilidade esportiva dentro daquilo que se conhece por experiências da ludicidade e suscitar efeitos sobre as noções figuradas ou denotativas de sofrimento que advêm da sociabilidade em torno do torcer.

37É óbvio que nossa intenção não é espelhar o sofrimento físico deflagrado pela pandemia com os sofrimentos passionais (tomados por irracionais) de torcedores que levam as práticas lúdicas aos limites dos riscos de vida sem antes evitar todo tipo de derivação sociológica inconsequente que poderia conduzir a análise a um contrassenso ético e conceitual. Há sofrimentos e sofrimentos.

38O que está sendo dito aqui vai exatamente na direção que autores como Herzfeld coloca para outros contextos etnográficos, mas que também pode caber para o caso em tela, ou seja, a necessidade metodológica de tomar o evento COVID-19 como superfície onde narrativas díspares se conectam parcialmente (Strathern 2014) ou induzem outras maneiras de expandir significados em contextos contíguos. Citamos mais uma vez Herzfeld (2001:272) a esse respeito:

É muito fácil confundir o meio com a mensagem – admitir que examinar os males potenciais de um sistema de classificação significa rejeitar o papel potencialmente benéfico de alguns atores. Isso erra o alvo: é a existência de uma superfície que pode ser interpretada de várias maneiras o que permite aos atores sociais de intenção igualmente diversa perseguir os seus objetivos.

39Este parece o caso das mobilizações dos variados agentes mais vicinais que gravitam em torno dos núcleos de combate ao coronavírus, que se situam além daqueles formados pelos emaranhados de instituições e profissionais diretamente relacionados com a saúde pública. Esses demais agentes vicinais, nomeemos, então, assim o papel das TOs nessa conjuntura, mobilizam-se a partir de coletivos ainda mais heterogêneos. Sejam aqueles orientados por iniciativas mais capilarizadas, tal como se observa nos círculos de sociabilidade religiosa, amparados nas ações de variadas teodiceias (os católicos, evangélicos – tradicionais, pentecostais e neopentecostais –, os kardecistas, os candomblecistas etc.), sejam iniciativas mais laicas de cooperação localizadas em múltiplas redes associativas civis, ou todas essas e ainda outras mais que passam a colaborar em redes participativas operadas a partir de variados setores mobilizados e induzidos pelo Estado, colaborando com suas políticas emergenciais.

40As TOs nesse contexto de pandemia intensificaram várias estratégias que percorreram um eixo não menos heterogêneo de participação diante da crise instalada no país e, mais especificamente, no seu epicentro em território brasileiro, na cidade de São Paulo: gestos públicos de solidariedade aos profissionais de saúde, oferecimento das sedes e quadras para que a governança pudesse dispor de mais espaços logísticos, distribuição de alimentos em comunidades a elas associadas, falas públicas exortando as medidas que julgaram corretas vindas dos poderes públicos no intuito de orientar a rede mais extensa de torcedores e suas famílias, campanhas de doação de sangue. Embora sejam atividades que constam das agendas dessas torcidas ganharam um certo protagonismo no atual momento pandêmico sem futebol e carnaval.

41Partimos do fato amplamente sabido de que a crise de fundamento epidemiológico ganhou força ao menos em duas direções: no sentido de se aprendê-la como um mal natural, portanto relacionada ao caráter universal e inato intrínsecos ao modo como se gerencia a natureza a partir dos controles culturais em sociedades de inclinação ocidentalizante, cujos mecanismos de controle foram, de imediato, centrados nos esforços científicos (tratamentos clínicos de toda ordem), e um mal “social” concatenado às experiências mediadas por sofrimento e risco de morte que encaminharam um conjunto de tantas outras variáveis que multiplicaram a crise natural em várias crises “sociais” distintas, políticas, econômicas, morais e comportamentais.

42Tomando a noção de “comportamento” como categoria de acusação no contexto das TOs, termo criminalizado e judicializado no confronto entre setores do Estado com esses torcedores, e concomitante ao esvaziamento das praças esportivas premidas pelas políticas de suspensão, reclusão e quarentena, que atingiram diretamente a prática do futebol profissional (Torres & Ciriza 2020), é no domínio da sociabilidade popular que se pode notar o modo como as TOs reenquadraram a expansão do vírus, passando a mobilizar e interconectar ações e discursos variados, pretéritos e presentes, e reorientar pressupostos que as recolocaram em novo cenário de interações, dentro e fora dos domínios do futebol masculino jogado profissionalmente e na direção do próprio Estado.

43Colocando-se à disposição dos poderes públicos para que pudessem compor o conjunto de instalações que serviram à política de mitigação e contenção do vírus, comentou André Azevedo, presidente da são paulina Dragões da Real:

Pode parecer besteira, mas em um momento horrível como esse ficou uma ponta de esperança ao mostrar que em torcida organizada, como em todos os outros setores, temos pessoas de bem. Quando se generaliza, acaba se excluindo as coisas boas e é o que a maioria faz. Muita gente está comendo por causa de ações das torcidas. Alguém não morreu por causa do sangue de um torcedor organizado, sendo que quem o recebeu nem sabe e pode, além de tudo, ser um crítico19.

  • 20 . O caso mais emblemático dos últimos tempos é o fenômeno conhecido como torcida única. A respeito (...)

44A fala de André, que suspeita da crítica difusa e ao mesmo tempo seletiva desferida às TOs, embasa e amplia a dimensão política da noção de sofrimento relacionada ao modo como esses coletivos populares foram excluídos das redes e canais estabelecidos com os poderes públicos, mídias, instituições esportivas privadas e os grandes conglomerados de patrocinadores que reorientaram o fenômeno esportivo buscando a maximização consumerista, fator que tem conduzido o espetáculo aos paroxismos de um futebol sem a presença de torcidas20.

45A sociabilidade transgressora que as estereotiparam como coletivos, como se sabe, nem sempre vinculou o sofrimento esportivo somente pela via da violência física. Tentaremos explorar essa questão no tópico seguinte, uma vez que o evento coronavírus sugere novas metaforizações da noção de sofrimento.

O caso do corinthianismo e as metáforas de sofrimento

  • 21 . Vale destacar que a absorção da crítica torcedora pelo departamento de marketing dos clubes está (...)

46Timão lança campanha que resgata valores da Fiel: corinthiano, maloqueiro e sofredor; graças a Deus!”21. Foi mobilizando o tema do sofrimento esportivo que a campanha publicitária lançada em 2019 pelo S. C. Corinthians Paulista respondeu aos processos de elitização de seu “novo” público presente aos jogos, fenômeno paulatinamente espraiado em razão das novas arenas multiuso terem sido construídas para competirem ou transformarem os tradicionais estádios monotemáticos voltados somente para o futebol.

47Tal processo também pode ser percebido como expansão mais ampla ou efeito das transformações que equacionaram ao menos duas ordens de fenômenos muito discutidos no contexto brasileiro: a violência como suposto fator principal de afastamento do público e o novo papel atribuído aos torcedores que de modo universal passaram a ser nomeados como consumidores ampliados do espetáculo, agora contemplados juridicamente pelo Estatuto do Torcedor.

  • 22 . A mudança de “casa” corinthiana faz parte do ciclo mais virtuoso vivido pelo clube, entre 2009 e (...)

48As mudanças dos jogos mandantes do Corinthians do estádio municipal do Pacaembu para a Arena Corinthians, associadas às outras experiências próximas de outros clubes (Bocci 2016; Mandelli 2018; Toledo 2019), acarretaram a percepção de novos comportamentos não desapercebidos tanto para aqueles costumeiramente mais assíduos, contendores e militantes quanto para o departamento de marketing esportivo do clube, atento às críticas generalizadas de que o corinthianismo presencial estaria se arrefecendo22.

49Com a majoração dos ingressos visando pagar os custos do novo estádio convertido em arena, mas também em nome de valores pretensamente universalizados como conforto, segurança, visibilidade, hospitalidade e acessibilidade oferecidos por essas praças esportivas, sobretudo multiplicadas dentro da atmosfera da Copa do Mundo realizada no Brasil em 2014 – que teve como uma das sedes a arena em questão –, alguns clubes de fatura popular, no caso o Corinthians, se viram impelidos pela crítica torcedora de que as arenas haviam esfriado a emoção com o acesso de frações de classe média que trouxeram para as arquibancadas outras experiências do torcer mais próximas dos públicos de espetáculo de entretenimento.

50No caso do corinthianismo não somente o arrefecimento da emoção, mas também outros sintomas ainda mais graves, tais como revela a ação de marketing:

Para manter na memória dos torcedores mais jovens a essência do corinthianismo, o Sport Club Corinthians Paulista realiza campanha que enaltece o DNA de fidelidade e devoção da Fiel (...) Por isso, a campanha criada pela agência F/Nazca Saatchi & Saatchi apresenta “Corinthianismo – Fiel até o fim”, que retoma o valor de ser o que se é, corinthiano, muito além de títulos, conquistas e craques; a importância do sofrimento para a redenção com dois mundiais; a lembrança dos tempos de maloqueiros sem a “casa própria” para a obtenção de um dos palcos mais belos onde se joga o bom futebol.23

51E se associando às metáforas coletivizantes tão conhecidas, tais como a condição claudicante de classe expressa na categoria “maloqueiro”, associada a histórica questão da casa própria (Toledo 2013), bem como ao sofrimento como manifestação de um psiquismo que conecta diretamente o indivíduo ao coletivo, o corinthianismo deveria passar por um readequamento induzido de fora, na forma de um aprendizado formal.

52A metáfora do sofrimento esportivo cultivada como índice da sociabilidade diacrítica entre torcedores, historicamente mais agregada aos considerados times de massa (caso do Flamengo no Rio de Janeiro e Atlético Mineiro em Minas Gerais), cuja composição social heterogênea chancela uma metonimização com as camadas populares, igualmente formatará as expressões da pessoa corinthiana e o corinthianismo.

53Podemos tomar o corinthianismo como sintoma de um regime emocional fractal que produz o corinthiano (indivíduo) como um todo (Strathern 2014), forjado e essencializado nas qualidades da combatividade aguerrida, “sofredora” e presencial (fiel) que fincaram raízes no imaginário, inclusive entre torcedores adversários.

54O modo como as opções e a adesão clubística se moveram pelos estratos sociais na formação de adeptos dos clubes de futebol, sobretudo nas primeiras décadas do século XX em metrópoles como São Paulo, mostram variadas estratégias de pertencimento que só podem ser melhor apreendidas comparativamente, talvez clube a clube, mesmo que o futebol tenha se consolidado como modalidade esportiva que arrebatou segmentos importantes dos extratos populares, tanto na forma de adesão presente na esfera do jogar quanto no domínio do torcer.

55E essas expressões e adesões de fatura popular alimentaram os relatos memorialísticos e posteriormente e cada vez mais a cobertura jornalística, associando os efeitos sociológicos frutos da composição estratificada heterogênea do país com os efeitos e pressupostos eugênicos trazidos em cada segmento social, étnicos, raciais e de classe.

56Posteriormente, pesquisas acadêmicas historiográficas focadas no fenômeno do futebol e especificamente no caráter popular do futebol (Negreiros 1992; Florenzano 2003; Streapco 2016) tenderam a relativizar de uma perspectiva mais crítica o trato dessas fontes e os determinismos sociológicos e eugenistas que as ampararam:

O imaginário sobre a equipe Corinthiana consolidado na sociedade paulistana se refere a uma equipe popular formada por negros, operários, imigrantes pobres etc. [...]. No entanto, em sua origem, e durante muitos anos, o Corinthians não contou com jogadores negros, algo que só ocorreu após quase dez anos de existência do clube. [...] nas primeiras décadas do século XX, os jogadores negros de São Paulo se organizavam em equipes próprias [...] o convívio entre as diversas comunidades na cidade de São Paulo não era fácil. Não era apenas lutas de classe. Conflitos de toda ordem marcaram o período [...] com o racismo e xenofobia entre os próprios trabalhadores pobres da cidade: dos imigrantes e seus descendentes contra os nacionais mestiços, negros ou caboclos; ou o inverso, a perseguição contra imigrantes [...]. As evidências apontam para o problema semelhante nos campos de futebol de São Paulo: brancos com suas equipes e ligas de um lado, negros com suas equipes e ligas de outro. (Streapco, 2016:187-189).

57Não obstante, tais essencializações, que se mantêm ainda hoje como índices de aferição do “caráter” corinthiano e que seguem mobilizando noções como classe popular, etnia e raça prosperam como metáforas altamente eficazes no domínio da sociabilidade, isso porque dessa ilusão sócio-histórica pode-se extrair alguma verdade, ou uma verdade simbólica de que o que os torcedores fazem com essas essencializações não é mera ilusão. E da perspectiva semiótica proposta por autores como Roy Wagner (2010:88), tratando os regimes simbólicos como efeitos contextuais de práticas analógicas e metafóricas, percebe-se que se “[...] a fonte da motivação é uma ilusão, seu efeito motivante não é”.

  • 24 . Seguimos a fala dos torcedores, tal como aponta Souza Junior (2020:63): “‘Os Gaviões da Fiel’ é a (...)

58E uma das maneiras de verificar tal eficácia ou “efeito motivante” é justamente através do modo como a noção de sofrimento se coloca para o corinthianismo não só no contexto futebolístico, mas também nesse momento em que foi novamente acionado e requerido a partir de uma ética da responsabilidade, tal como mobilizada na fala de Digão, presidente da maior torcida organizada corinthiana, os Gaviões da Fiel24:

Estamos muito preocupados com essa pandemia e como ela está impactando a vida das pessoas. Só a comunidade dos Gaviões da Fiel representa cerca de 116 mil sócios diretos. Sabemos o tamanho da nossa influência e responsabilidade social com o público que nos acompanha, por isso, mais uma vez, estamos à disposição dos órgãos de saúde e do governo para combater o coronavírus25.

59Portanto, muitos desses atributos que associam combatividade às classes populares, e o corinthianismo é uma dessas imagens no âmbito da sociabilidade esportiva, e toda sorte de sofrimentos impingidos pelas condições aviltantes fruto do ordenamento socioeconômico e político capitaneado pelas elites, estão amparados nos valores secretados pelas metáforas que elevaram à condição simbólica diferenciante (Wagner 2010) algumas imagens, categorias estéticas, regimes de atitudes e sociabilidade na confrontação com os regimes sociológicos da desigualdade. 0000

60E ainda que o curso das interpretações sobre a formação étnica e racial do país, realimentando noções caras ao pensamento social brasileiro que se projetou desde a virada do século XIX e primeiros decênios do século XX, tenha permanecido acomodado nas formas institucionais e estatais no trato da desigualdade e do sofrimento, tal como apontado por Veena Das a respeito dos silenciamentos impingidos pela e para o “bem” de sociedades, a expansão das metáforas do sofrimento esportivo pode revelar as táticas e estratégias populares no combate ao coronavírus frente aos acordos mais pragmáticos que as TOs tentaram implementar com outros setores da sociedade, sobretudo próximos a aqueles que historicamente depuseram contra essas associações populares de torcedores.

61Dessa maneira acreditamos que assumir as translações históricas da noção de sofrimento esportivo como metáfora na produção de novos significados para emoção, e o corinthianismo testemunha esse movimento de expansão metafórica, pode revelar as ações torcedoras em contextos distintos e mesmo díspares. A problemática do sofrimento físico e real risco de morte deflagrados pela pandemia evidenciam o papel das TOs em novos fluxos de sentido e prática de uma sociabilidade que se quer valer pela sua posição político-esportiva assentada no apelo à emoção torcedora.

Considerações finais – a eficácia da emoção diante do sofrimento

62Ancoradas em práticas de enfrentamento cuja presença das desigualdades é parcela constitutiva e motivadora de ações, percebidas individual e coletivamente, as TOs levam para dentro da sociabilidade popular lúdica muitas dessas experiências de classe relacionadas com outras formas de sofrer.

  • 26 . Trata-se de uma expressão multidisciplinar de amplo espectro e seus usos (por órgãos que mensuram (...)

63Oportuno destacar que as várias noções de sofrimento em conformidade com a ótica torcedora (sofrimentos subjetivos, sofrimentos físicos, sofrimentos decorrentes de determinações sociológicas, políticas e econômicas vividas por seus membros) passaram também a se confrontar no contexto epidemiológico com algumas das ferramentas conceituais interdisciplinares que se mantêm como indicadoras de políticas públicas, tais como vulnerabilidade social26. Relatos jornalísticos mundo afora chamaram a atenção para o fato dos problemas sociais e políticos endêmicos serem potencializados devido ao alastramento da pandemia em grupos em situação de vulnerabilidade. As condições precárias na administração ou tutela de uma nova forma biológica de vulnerabilidade mantiveram em suspenso os destinos de populações sob o risco do coronavírus.

64Revelando a fragilidade das políticas de vigilância e controle diante da velocidade com que a COVID-19 se expandiu se comparado a outras epidemias como o ebola, mais circunscrita a determinadas regiões, ao menos nos primeiros momentos o que se notou foi que mesmo em regiões de menor vulnerabilidade como algumas metrópoles, com PIBs maiores do que muitos países (Nova Iorque, São Paulo), as incidências estatísticas obedeceram não somente o caráter expansivo “natural” do contágio (humano-humano) como seguiu atingindo sobretudo porções de suas populações mais vulneráveis e expostas, mantendo os vieses de confirmação das desigualdades urbanas.

65Pronunciamentos de políticos declarando que haviam sido infectados, casos dos governadores Helder Barbalho (Pará), e Wilson Witzel (Rio de Janeiro), procuraram fomentar a adesão popular às políticas do distanciamento e isolamento sociais pela via da retórica da solidariedade. Ambos lançaram mão da mesma estratégia ou confissão amparadas na horizontalização do contágio ao dizerem que ninguém estaria fora de perigo, sugerindo que nem mesmo governadores e pessoas públicas como eles. E na chave da naturalização do sofrimento imprimiram às suas falas o universalismo da pandemia restrita aos seus efeitos físicos.

  • 27 . Matéria do Jornal Nacional (Rede Globo de Televisão), com o título de “favela de São Paulo vira e (...)

66Não obstante, na mesma toada das TOs foram observadas outras percepções e iniciativas populares de maior fôlego em lidar com a pandemia, seja a constatação natural de que ninguém, de fato, esteve indefeso, seja aquela que decorreu das situações de vulnerabilidade, por exemplo a observada na comunidade de Paraisópolis em São Paulo27. Baseada na autogestão da crise a favela se organizou coletivamente para enfrentar o coronavírus na tentativa de mitigar não somente o contágio, mas também as próprias carências das políticas públicas no combate ao vírus, na tentativa de depender menos das ações governamentais, alcançando assim efetivamente frações de classe mais expostas à pandemia.

  • 28 . “Quebrada” é um termo nativo utilizado para nomear genericamente bairros periféricos e favelizado (...)
  • 29 . Não cabe uma discussão pormenorizada sobre as dissonâncias políticas causadas pela pandemia, prod (...)

67Na “quebrada” 28de Paraisópolis, citada anteriormente como uma das localizações em que a TO Tricolor Independente atuou na distribuição de alimentos, localizada na periferia da zona sul, a maior favela da cidade com cerca de 100 mil habitantes ocupando denso território na cidade de São Paulo, o sistema de moradia organizado na lógica espacial da proximidade e maximização na apropriação dos espaços dificultava ainda mais a prática da política de distanciamento adotada pelas governanças municipais e estaduais29. Entendendo essa dificuldade, associações populares de moradores partiram para soluções criativas e locais.

  • 30 . “Tanta gente dividindo pouco espaço forma uma condição que facilita a disseminação do vírus. É di (...)

68A organização popular nomeou 420 moradores como “presidentes de ruas”, cada um(a) responsável por mais ou menos 50 casas, as quais deviam ser monitoradas diariamente para averiguação do isolamento social, administração de demandas e necessidades imediatas, possíveis encaminhamentos médicos e solicitação de ambulâncias30. Paralelo a isso fizeram uma espécie de triagem social para solicitarem marmitas – feitas pela própria comunidade –, além da distribuição gratuita de itens de higiene.

69A iniciativa em criar e ou reatar redes populares de proteção e autogestão na referida crise decorre justamente dos agravamentos de outros sofrimentos a que tais populações são permanentemente submetidas. As iniciativas populares, de modo geral e nesse caso, não se mostraram necessariamente contrárias às medidas implementadas pelas governanças, embora seja sabido que diversos usos populares dos espaços na condução das redes de sociabilidade não estejam somente sob os controles estritos de ações estatais (ALVITO 2001; FELTRAN 2014).

70As ações em Paraisópolis podem parecer episódicas e, ao que tudo indica, circunstanciais como a própria pandemia que as motivaram, mas não são distantes das iniciativas sugeridas pelas TOs em meio ao caos instalado pela pandemia e revelam se formar de conexões mais concertadas do que hoje somos capazes de perceber.

  • 31 . Em 1995, aconteceu um episódio de confronto que foi tratado pelo poder público como um divisor de (...)

71Lembremos do exemplo das políticas verticalizadas de proibição imposta pelo Ministério Público sobre as TOs31, as quais estimularam o aparecimento de redes mais horizontalizadas de pequenos ajuntamentos locais de torcedores vinculados aos bairros e que se reconheciam nas estações de trem e metrô para irem aos jogos e até para se protegerem de grupos torcedores rivais, moradores das mesmas quebradas. Tais ajuntamentos, mais ou menos espontâneos ou motivados pelo medo reativo à violência, com o tempo acabaram se tornando pequenos grupos consolidados e em alguns casos até mesmo sub-sedes de TOs, atuando cada vez mais conectados a partir das experiências em suas respectivas comunidades.

72José Claudio de Almeida Moraes, o Dentinho, uma liderança importante dos Gaviões nos anos 1990 e 2000, com dois mandatos frente à presidência, relata no seu entendimento qual foi o momento em que as TOs teriam perdido o controle sob as ações de seus membros:

73Por volta de 2000, quando surgiram núcleos de bairro e pontos de encontro regionais. Não digo que se perdeu o comando, contudo, de fato, a situação começou a ficar mais difícil. Agora, se surge um grupo de outra organizada em uma área, logo aparecem componentes nossos de lá querendo compor um também, porque estão sendo perseguidos. Outro fator importante para o desenvolvimento desses grupos é que, no início dos anos 2000, o policiamento proibia faixas com o nosso nome, contudo autorizava se fosse “Fiel São Matheus”, “Fiel Itaquera”...Finalmente, quando liberaram o uso da principal, esses núcleos já estavam estabelecidos. Hoje, alguns lugares viraram quase sede, como na Vila Moraes, perto do Ipiranga, onde têm uma casa grande. Eu acho que deviam ter cortado isso no início, agora não se volta atrás (Buarque de Hollanda & Florenzano 2019:334-335).

74As TOs em meio à crise da COVID-19 parecem dispostas a fazer valer seu lugar, não apenas de fala em seus respectivos bairros de maior atuação, mas também de participação institucional junto às iniciativas públicas, tentando romper barreiras de senso comum e reduzir os distanciamentos com os poderes estatais. Diálogos nem sempre acolhidos, porém também não menos notados por esses próprios torcedores. À época um excerto quase imperceptível no interior da matéria sobre os Gaviões da Fiel já antecipava tais dificuldades: “[...] o presidente da Gaviões, Rodrigo Gonzales Tapia, o Digão, informou que a torcida já está tentando contato com a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo e os órgãos competentes, com o intuito de entender todo o procedimento, porém, ainda não houve retorno”32.

75Identificadas no senso comum como portadoras de uma sociabilidade violenta e como agentes que performam e maximizam um sofrimento esportivo fanatizado, procuramos enfatizar nos tópicos anteriores que as TOs fazem parte de fluxos de conexões populares mais multidirecionais no enfrentamento dessas visões reducionistas a elas frequentemente impingidas, e que em alguma medida a posse de saberes locais no experenciar dos sofrimentos, como parte das redes populares de proteção, circunscreve o lugar político e lábil desses agrupamentos torcedores no domínio da sociabilidade da cidade.

76Afinal, se o sofrimento alegórico esportivo alimenta frações da emoção torcedora objetivadas em projetos estéticos de sociabilidade, isso também decorre do fato de que souberam ampliar seus raios de atuação na confluência de situações díspares e contextuais, o que inclui certamente as situações de desigualdade que se desdobram em formas de vivenciar politicamente outros sofrimentos.

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Notas

1 Vale destacar que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o nome científico do vírus é SARS-CoV-2, ou seja, Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS), pertencente à família do Coronavírus (CoV). O vírus de genoma constituído por RNA encapsulado se faz envolto por uma membrana glicoproteica e ocasiona doenças respiratórias cuja gravidade é variável, do resfriado comum à pneumonia fatal.

2 . Acrônimo de Torcidas Organizadas de futebol. Sobre modelos associativistas de torcedores, entre eles as TOs ver, por exemplo, Toledo (1999); Campos & Toledo (2013); Buarque de Holanda (2010) e Buarque de Holanda et al (2012).

3 . Paraisópolis será retomada ao final do artigo como exemplo de gestão popular no combate ao coronavírus.

4 . Disponível em: http://independentenet.com.br/independente-no-bom-combate/. Acesso em: 12.04.2020.

5 . Também conhecida juridicamente como Mancha-Alviverde, aqui, porém, a denominamos como seus aficionados ainda a chamam, Mancha Verde. Mancha Alviverde é desdobramento do nome original que teve como propósito refundar a torcida após os conflitos envolvendo palmeirenses e são-paulinos ocorridos no estádio do Pacaembu em 1995 (Toledo, 1997). Após a extinção da torcida pela promotoria pública da cidadania em 1996 um novo estatuto de 1997 a refundaria com o acréscimo do “alvi” em seu nome. Para uma rápida consulta ver a matéria jornalística na Folha de S. Paulo intitulada “Palmeirenses recriam a Mancha Verde”, de 27 de dezembro de 1997. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1997/12/27/esporte/4.html. Acesso em 21.04.2020.

6 . Disponível em: https://sasp.com.br/mancha-verde-distribui-cestas-basicas-para-comunidades-carentes/. Acesso em: 8.04.2020. No contexto europeu foram noticiadas ações semelhantes: “Organizadas de clubes europeus estendem faixas em hospitais e exaltam médicos. Torcida do Atalanta doou mais de R$ 200 mil para hospitais de Bérgamo na luta contra a Covid-19”. Disponível em: https://globoesporte.globo.com/blogs/brasil-mundial-fc/post/2020/03/17/coronavirus-organizadas-de-clubes-europeus-estendem-faixas-em-hospitais-e-exaltam-medicos.ghtml. Acesso em: 11.04.2020.

7 . Segundo as normais gramaticais palavras derivadas do nome próprio, como no caso de Corinthians, são escritas sem o “h”. Aqui, porém, escolhemos usar da grafia corinthiano propositalmente por dois motivos: por se tratar de uso nativo e em decorrência disso observar que para muitos torcedores a retirada do “h” representa um apagamento histórico da origem do nome do clube inspirado no time inglês Corinthian-Casuals. Para saber mais consultar: https://www.corinthians.com.br/clube/historia . Acesso em: 27.04.2020.

8 . Disponível em: https://www.meutimao.com.br/noticias-do-corinthians/346099/organizada-do-corinthians-promove-ato-em-apoio-aos-profissionais-de-saude-durante-pandemia Acesso em: 9.04.2020.

9 . Guerra, guerrilha e resiliência, João Paulo Charleaux, NEXOS, 27 de março de 2020 Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2020/03/27/Guerra-guerrilha-ou-resili%C3%AAncia-3-vis%C3%B5es-sobre-a-pandemia. Acesso em: 11.04.2020.

10 . Voos com os primeiros passageiros infectados chegaram sobretudo da Itália para São Paulo, tal como aponta a pesquisa “A rota do coronavírus no Brasil”: Disponível em: http://agencia.fapesp.br/videos/#Vr9IqTBc5Po. Acesso em 16.04.2020.

11 . Metáfora designada para definir aqueles que se encontravam à margem da lei no fim do século XIX na Inglaterra, conforme Chalhoub (1996).

12 . “A pandemia tem um culpado: a China. Não podemos solucionar o problema de pandemias sem a participação do regime autoritário que governa 20% da humanidade”. Larry Hohter, Época, 20∕03∕2020. Disponível em: https://epoca.globo.com/larry-rohter/a-pandemia-tem-um-culpado-china-1-24315628. Acessado em: 11.04.2020.

13 . Nicolau Sevcenko, 23.08.2014, Folha de S. Paulo. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2014/08/1504444-em-texto-inedito-nicolau-sevcenko-defende-o-urbanismo-inclusivo.shtml. Acesso em: 13.04.2020.

14 . As Ciências Sociais brasileiras representadas por suas respectivas associações mantiveram um boletim informativo semanal tratando da crise, trazendo reflexões de pesquisadores e resultados de pesquisas abordando vários temas atingidos pelo coronavírus, tais como, por exemplo, questões de método e abordagem do problema, o impacto causado nas comunidades tradicionais do campo e nos territórios indígenas, questões feministas sob o impacto da pandemia, globalização, governabilidade etc. A propósito, consultar: http://www.anpocs.com/…/cien…/destaques/2325-boletim-semanal.

15 . Cf. http://anpocs.com/index.php/ciencias-sociais/destaques/2307-boletim-n-1-cientistas-sociais-o-o-coronavirus-2

16 . As aspas se referem a uma discordância em relação à generalização abusiva nos usos do termo eurocêntrico não lugares. Todavia, para uma análise da obra do autor estabelecida pelo contraste entre lugar (antropológico) e não lugar consultar Sá (2014): “A dicotomia lugar/não lugar é de certo modo uma dicotomia dupla, pois o que está em causa são simultaneamente os espaços construídos e os espaços vividos. Os primeiros, que correspondem ao ‘não lugar’, são aqueles que possibilitam a aceleração do tempo; os segundos têm a ver com as relações que aí acontecem. O autor estabelece assim um contraste entre as interações que se praticam nos ‘não lugares’, denominados relações de ‘solidão’, associadas à ideia de ‘contratualidade solitária’, e as que se praticam nos ‘lugares antropológicos’, denominados relações de sociabilidade. Lembremos do que se passa quando vamos a um grande hipermercado: [...] as grandes superfícies nas quais o cliente circula silenciosamente, consulta as etiquetas, pesa os legumes ou a fruta numa máquina que lhe indica, juntamente com o peso, o seu preço, e depois estende o cartão de crédito a uma mulher jovem também ela silenciosa, ou pouco faladora, que submete cada artigo ao registro de uma máquina decodificadora antes de verificar o bom funcionamento do cartão de crédito (Augé, [1992] 2005, p. 84)”.

17 . Wuhan, a “Chicago da China”, é uma moderna metrópole de 11 milhões de habitantes. Recentemente sediou vários eventos esportivos internacionais, tais como o Campeonato mundial Asiático (2011), Campeonato mundial de basquetebol masculino e os Jogos Mundiais militares (ambos em 2019). Seu PIB em 2018 foi estimado em 224 bilhões de dólares (São Paulo, por exemplo, estima-se em 687 bilhões de reais).

18 . Disponível em: http://manchaverde.com.br/mancha-verde-na-luta-contra-o-novo-coronavirus/. Acesso em: 06.04.2020.

19 . Disponível em: https://dragoesdareal.com.br/vps/acoes-da-dragoes-durante-crise-humanitaria-repercutem-na-imprensa/. Acesso em: 12.04.2020.

20 . O caso mais emblemático dos últimos tempos é o fenômeno conhecido como torcida única. A respeito das controvérsias instaladas com essa medida voltada sobretudo para os chamados clássicos envolvendo grandes torcidas paulistas ver Orlando (2019).

21 . Vale destacar que a absorção da crítica torcedora pelo departamento de marketing dos clubes está conectada em duas dimensões, uma de ordem identitária do clube, outra por questões mercadológicas. No caso específico se percebe o uso da primeira pela segunda. Disponível em: https://www.corinthians.com.br/noticias/timao-lanca-campanha-que-resgata-valores-da-fiel-corinthiano-maloqueiro-e-sofredor-gracas-a-deus. Acesso em: 11.04.2020.

22 . A mudança de “casa” corinthiana faz parte do ciclo mais virtuoso vivido pelo clube, entre 2009 e 2019, conquistando 12 títulos no futebol masculino profissional, dentre eles a esperada Libertadores da América.

23 . Disponível em: https://www.corinthians.com.br/noticias/timao-lanca-campanha-que-resgata-valores-da-fiel-corinthiano-maloqueiro-e-sofredor-gracas-a-deus. Acesso em: 21.04.2020.

24 . Seguimos a fala dos torcedores, tal como aponta Souza Junior (2020:63): “‘Os Gaviões da Fiel’ é a nomenclatura nativa utilizada para se referir à torcida e à escola, mesmo que ambas as categorias sejam em si do gênero textual feminino, são propositadamente ignoradas pelo pronome masculino que pressupõe o portentoso nome ‘Gaviões’. Para isso usam a justificativa de que são um coletivo plural, no qual a singularidade textual feminina não suporta. Todavia, é possível perceber em seu cotidiano que esse apego pelo masculino é muito mais do que apenas restrito ao chamamento”.

25 . Disponível em: https://esporte.ig.com.br/futebol/2020-03-20/gavioes-da-fiel-abre-sede-contra-covid-19-e-quer-ser-banco-sangue.html . Acessado em: 28.04.2020.

26 . Trata-se de uma expressão multidisciplinar de amplo espectro e seus usos (por órgãos que mensuram índices sócioeconômicos como IBGE no Brasil às organizações mundiais como UNESCO) servem de indicadores de fronteiras (étnicas, sociais, políticas) na combinação de múltiplos fatores (renda, configurações familiares, espaços, acessos às políticas públicas como lazer, saúde etc.). Para uma visão panorâmica dessa noção consultar, por exemplo, o paper de Cançado; Souza; Cardoso (2014).

27 . Matéria do Jornal Nacional (Rede Globo de Televisão), com o título de “favela de São Paulo vira exemplo em ações contra o coronavírus”. Disponível em: https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2020/04/11/favela-de-sao-paulo-vira-exemplo-em-acoes-contra-o-coronavirus.ghtml . Acesso em: 13.04.2020

28 . “Quebrada” é um termo nativo utilizado para nomear genericamente bairros periféricos e favelizados da cidade de São Paulo. Por exemplo: “lá na minha quebrada”; “qual é sua quebrada?”.

29 . Não cabe uma discussão pormenorizada sobre as dissonâncias políticas causadas pela pandemia, produzindo controvérsias entre governadores com o governo federal, sobretudo corporalizadas na figura do presidente da república que insistia em afrouxar as medidas de isolamento em nome da saúde da economia.

30 . “Tanta gente dividindo pouco espaço forma uma condição que facilita a disseminação do vírus. É difícil fazer isolamento social assim. Mas a comunidade se organizou para tentar saber com rapidez quem tem sintomas da doença, quem precisa de ajuda, qual a situação na casa de cada família que mora no local. A comunidade transformou 420 moradores em presidentes de rua. Cada um é responsável por monitorar umas 50 casas’. Assim que a gente identifica um caso suspeito, a gente passa a monitorar essa família, dar orientação. Então o presidente de rua ele é responsável por garantir que essa pessoa fique em casa, conscientizá-lo. Passando mal, a ambulância vai ser acionada’, diz Gilson Rodrigues, líder comunitário de Paraisópolis”. Também disponível no link acima.

31 . Em 1995, aconteceu um episódio de confronto que foi tratado pelo poder público como um divisor de águas no “problema” das torcidas organizadas no Brasil e principalmente no estado de São Paulo. A “Batalha do Pacaembu” aconteceu em uma partida entre juvenis de São Paulo e Palmeiras. Desde então as políticas do Estado desencadearam uma série de ações visando a proibição das TOs, que fracassaram como medidas seletivas, mas que gestaram outras iniciativas de cerceamento ainda mais amplos como ao já citada medida da torcida única. (Toledo 1997; Buarque de Hollanda & Florenzano 2019; Orlando 2019).

32 . Grifo nosso. Disponível em: https://esporte.ig.com.br/futebol/2020-03-20/gavioes-da-fiel-abre-sede-contra-covid-19-e-quer-ser-banco-sangue.html . Acesso em: 20.04.2020.

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Para citar este artigo

Referência eletrónica

Luiz Henrique de Toledo e Roberto de Alencar Pereira de Souza Junior, «Redes populares de proteção: Torcidas Organizadas de futebol no contexto da pandemia da COVID-19»Ponto Urbe [Online], 26 | 2020, posto online no dia 28 julho 2020, consultado o 16 abril 2024. URL: http://journals.openedition.org/pontourbe/8706; DOI: https://doi.org/10.4000/pontourbe.8706

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Autores

Luiz Henrique de Toledo

Doutor em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo (USP). Professor-pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Coordenador do Laboratório de Estudos das Práticas Lúdicas e Sociabilidade (LELuS). Autor de Lógicas no futebol (Hucitec-Fapesp, 2002); Remexer anotações: o trabalho de um arguidor antropólogo (Edufscar, 2019). E-mail: kikeppgas@gmail.com

Artigos do mesmo autor

Roberto de Alencar Pereira de Souza Junior

Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de São Carlos (PPGAS-UFSCar). Bacharel em Ciências Sociais pela UFSCar (2019), membro do Laboratório de Estudos das Práticas Lúdicas e Sociabilidade (LELuS – UFSCar). Trabalha em perspectiva etnográfica com torcidas organizadas de futebol que são também escolas de samba do carnaval paulistano. E-mail: r.alencarjunior@hotmail.com

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