ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo de Revisao - Ano 2020 - Volume 10 - Número 2

Manifestações cutâneas da COVID-19 na criança: revisão da literatura

Cutaneous manifestations of COVID-19 in children: literature review

RESUMO

OBJETIVOS: A pandemia da COVID-19 atualmente representa um grande desafio. Os pulmões são o principal local de infecção, com sintomas que variam de leves a desconforto respiratório letal, além de acometimento de diversos órgãos ou sistemas. A população pediátrica parece ser afetada em menor proporção e em menor gravidade, sendo a maioria dos casos descritos como assintomáticos, leves ou moderados. Diversos casos apresentam manifestações cutâneas. O objetivo deste artigo é revisar na literatura os achados descritos, particularmente na faixa etária pediátrica, auxiliando no entendimento da doença e na suspeição clínica.
MÉTODOS: Foram pesquisados artigos publicados desde o início da pandemia através da base de dados PubMed.
RESULTADOS: Entre os relatos de manifestações cutâneas, o achado mais comum foi o rash eritematoso maculopapular, seguido de lesões papulovesiculares no padrão da varicela e lesões urticariformes. Houve também a descrição de lesões acrais purpúricas, livedo reticular e petéquias. As lesões descritas atingiram prioritariamente o tronco, mãos e pés.
CONCLUSÃO: Os achados cutâneos da COVID-19 são semelhantes aos encontrados em outras doenças de etiologia viral. Existe ainda a possibilidade das lesões serem devidas às diversas medicações que, particularmente, os pacientes com quadros clínicos mais graves fazem uso. Devemos também nos atentar para a possibilidade da manifestação inicial da doença ser cutânea. Os autores alertam para a possibilidade de que pacientes na faixa etária pediátrica tenham lesões cutâneas como manifestação única ou acompanhada de sintomas leves, e que estas podem ser semelhantes a outras doenças frequentes na infância.

Palavras-chave: Infecções por Coronavírus Manifestações Cutâneas Revisão.

ABSTRACT

OBJECTIVES: The COVID-19 pandemic currently represents a major challenge. The lungs are the main site of infection, with symptoms ranging from mild to lethal respiratory distress, in addition to involvement of various organs or systems. The pediatric population seems to be affected lesser and less severely, with the majority of cases described as asymptomatic, mild or moderate. Several cases have cutaneous manifestations. The purpose of this article is to review the findings described in the literature, particularly in the pediatric group, helping us to understand the disease and clinical suspicion.
METHODS: Articles published since the beginning of the pandemic were searched through the PubMed database.
RESULTS: Among the reports of skin manifestations, the most common finding was the maculopapular rash, followed by papulovesicular lesions varicella-like and urticariform lesions. There was also the description of purpuric acral lesions, livedo reticularis and petechiae. The described lesions mainly affected the trunk, hands and feet.
CONCLUSION: The cutaneous findings of COVID-19 are similar to those found in other viral diseases. There is also the possibility that the lesions are due to the various medications that, particularly, patients with more severe clinical conditions use. We must also pay attention to the possibility of the initial manifestation of the disease being cutaneous. The authors warn of the possibility that patients in the pediatric group have skin lesions as a single manifestation or accompanied by mild symptoms, and that these may be similar to other diseases common in childhood.

Keywords: Coronavirus Infections. Skin Manifestations. Review.


INTRODUÇÃO

Desde que a COVID-19, síndrome clínica causada pelo novo coronavírus, nomeado SARS-CoV-2 (severe acute respiratory syndrome, coronavirus 2) foi relatada em Wuhan, na China, cerca de 3.272.202 milhões de pessoas foram contaminadas ao redor do mundo1 e ocorreram 230.104 mortes. A alta infectividade, baixa virulência e transmissão assintomática promoveram a rápida disseminação da mesma pelas várias regiões do mundo, levando à pandemia decretada pela OMS, em 11 de março de 2020.

A pandemia da COVID-19 foi declarada emergência de saúde pública de âmbito internacional pela World Health Organization (WHO) e representa um grande desafio para a saúde pública ao redor do mundo1.

O SARS-CoV-2 é um vírus envelopado composto por uma cadeia de RNA de fita simples e pertence à família coronavírus1. O vírus entra na célula através do receptor da enzima conversora de angiotensina 2 (ACE2), encontrado na superfície das células1. Os pulmões são o primeiro local de infecção da COVID-19, com pacientes apresentando sintomas que variam de um resfriado comum à pneumonia fulminante com desconforto respiratório letal, além de acometimento de diversos órgãos ou sistemas levando à sepse e choque séptico com disfunção orgânica2. A população pediátrica parece ser afetada em menor proporção e em menor gravidade que os adultos, com cerca de 2% de casos apenas sendo descritos em menores de 20 anos1. Em uma série de 731 crianças descritas, 90% dos pacientes eram assintomáticos, com apresentações leves ou moderadas.

Além do espectro clínico descrito acima, vários casos da COVID-19 tiveram manifestações cutâneas3, primariamente descritas em séries de casos de adultos, sucedidas por descrições na faixa etária pediátrica. A primeira descrição de achados cutâneos na COVID-19 foi feita por Recalcati et al.4. Em sua série de 88 pacientes, 18 deles (20,4%) apresentaram alterações cutâneas com as seguintes características: oito tiveram queixas antes do início do quadro respiratório e os demais após a internação. Os achados encontrados foram: rash eritematoso (14 pacientes), urticária difusa (três pacientes) e um paciente apresentou vesículas no padrão varicela. Com essa descrição o autor sugere que os achados cutâneos da COVID-19 são semelhantes aos encontrados em outras doenças de etiologia viral. A partir desse trabalho outros surgiram com a descrição de alterações cutâneas, mas ainda não foi possível dizer se os achados são característicos da doença, dado esse que ajudaria na suspeição clínica e no entendimento da agressão que o vírus provoca. O objetivo deste artigo é revisar na literatura os achados descritos até aqui, particularmente na faixa etária pediátrica, auxiliando no entendimento da doença e na suspeição clínica precoce.


MÉTODOS

A pesquisa na literatura foi feita pela plataforma Pub-Med na busca de artigos originais e artigos de revisão publicados desde o início da pandemia da COVID-19 até abril de 2020. Os termos considerados para realização da busca foram: “COVID-19”, “2019-nCoV”, “SARS-Cov-2” e “coronavírus”, em combinação com: “skin”, “dermatology”, “cutaneous”, “urticaria”, “rash”, somente artigos em inglês. A partir dos artigos selecionados descreveremos as principais alterações cutâneas encontradas na população em geral e depois descreveremos os achados em crianças.


RESULTADOS

Sachdeva et al.5 revisaram artigos selecionados de publicações que ocorreram entre fevereiro e abril de 2020. A média de idade dos pacientes descritos foi de 53 anos, sendo 38,9% no sexo masculino e 27,8% no sexo feminino, sem descrição dos demais. Entre esses pacientes a apresentação cutânea mais frequente foi o rash maculopapular morbiliforme semelhante ao encontrado na Figura 1, acometendo 36,1% dos pacientes; 34,7% apresentaram-se com lesões papulovesiculares similares à Figura 2 e urticária ocorreu em 9,7% dos pacientes similares à Figura 3. Houve também a descrição de lesões acrais purpúricas dolorosas em 15,3% dos pacientes, também descritas por Zhang et al.6 e exemplificadas na Figura 4; 2,8% dos pacientes tiveram livedo reticular, semelhante ao descrito por Manalo et al.7 e 1,4% dos pacientes apresentaram-se com petéquias. As lesões descritas atingiram prioritariamente o tronco (69,4%), mãos e pés. Quanto ao tempo de aparecimento das lesões houve ampla variação: entre três dias antes e 13 dias após a realização do diagnóstico da COVID-19. Entre os que se apresentaram com alterações cutâneas após o início dos sintomas respiratórios, 74% as apresentaram em até sete dias após o diagnóstico. Todas as lesões foram curadas em até dez dias de evolução, sem deixar sequelas.


Figura 1. Rash eritematoso maculopapular.


Figura 2. Lesões papulovesiculares.


Figura 3. Lesões urticariformes.


Figura 4. Lesões acrais eritêmato-violáceas.



Alguns autores descreveram rash petequial como uma possível apresentação inicial da doença8-10. Observaram nesses casos que as lesões são parecidas daquelas descritas em casos de dengue9-11. Quanto às crianças pudemos encontrar algumas descrições: Piccolo et al.12 colheram dados de 63 pacientes com média de idade de 14 anos, com lesões principalmente nos pés, e alguns também com lesões nas mãos, sendo que 31 deles apresentaram quadro eritêmato-edematoso e 23 apresentaram lesões vesiculares/bolhosas, algumas delas dolorosas e outras pruriginosas.

Recalcati et al.13 descreveram também 11 crianças com média de idade de 14 anos e observaram erupções cutâneas consistentes com máculas e pápulas eritêmato-violáceas nas regiões acrais, com eventual formação de bolhas (exemplo na Figura 4) sendo que duas crianças apresentaram lesões em alvo eritêmato-papulosas também nos cotovelos.

Genovese et al.14 descreveram uma criança de oito anos com quadro de tosse leve há seis dias que no terceiro dia de evolução desenvolveu quadro papulovesicular em tronco, cerca de 40 lesões. Após três dias do aparecimento do rash, a criança, seus pais e avó apresentaram febre e tosse. Ela e a família testaram positivo para a COVID-19. Houve remissão completa do quadro cutâneo e sistêmico em sete dias. Marzano et al.15 descreveram o caso de 22 pacientes cujas principais manifestações dermatológicas foram lesões papulovesiculares difusas, algumas com predominância de pápulas e outras com predominância de vesículas. Foram feitas biópsias em alguns pacientes, consistentes com a maioria das infecções virais (exemplo na Figura 2).

Jones et al.16 descreveram um caso de lactente de seis meses que desenvolveu um quadro clínico com critérios diagnósticos para doença de Kawasaki, sendo que as manifestações iniciais foram cutâneas e, a seguir, ela testou positivo para a COVID-19. Seu quadro começou inespecificamente com febre e no segundo dia desenvolveu rash eritematoso (exemplo na Figura 1), não pruriginoso, com lesões que confluíam. Evolutivamente a criança apresentou conjuntivite, edema palmoplantar e língua em framboesa.

Chesser et al.17 descreveram um caso de criança de oito meses de idade, sexo feminino, com edema agudo hemorrágico da infância, febre baixa e tosse, com diagnóstico de coronavírus. A criança apresentava púrpura e edema de extremidades, com placas violáceas na face, orelhas, tronco e pés, e conjuntivite bilateral. Apresentou desaparecimento das lesões após três dias. Neste caso, a cepa isolada foi a NL63, mas pode acompanhar os quadros causados por outras cepas patológicas do coronavírus.

Lu et al.18 descreveram três casos familiares com testes positivos para o coronavírus, um deles com eritema generalizado urticariforme (exemplo na Figura 3) associado à tosse discreta, e os outros dois familiares sem lesões cutâneas.

Na Espanha foram descritas manifestações cutâneas em duas crianças com a COVID-19. Uma delas, de seis anos com hepatopatia colestática apresentou na internação além da deterioração da função hepática, febrícula e exantema maculopapular eritematoso confluente (Figura 1), sem prurido, que se iniciou no tronco e se estendeu para membros superiores e inferiores, incluindo a região palmar. Os sintomas duraram cinco dias e se resolveram sem sequelas. O segundo caso foi de lactente de dois meses com urticária aguda nos últimos quatro dias, de evolução céfalo-caudal e que convivia com pessoas confirmadas com COVID-19. O bebê teve RT-PCR positivo, mas não apresentou sintomas em outros órgãos ou sistemas19.


DISCUSSÃO

As manifestações dermatológicas da COVID-19 são raras, sendo os principais achados clínicos característicos: febre, tosse seca, desconforto respiratório, mialgia, fadiga, dor de garganta, visto amplamente nos casos descritos pelo mundo. As crianças são afetadas menos frequentemente e em menor intensidade, predominando os quadros clínicos mais leves20-22. Manifestações cutâneas foram descritas em relatos de casos ou de séries de casos. Nesta revisão, compilamos as informações dos trabalhos da literatura que descreveram manifestações cutâneas, com ênfase nas descrições de casos da faixa etária pediátrica.

O primeiro trabalho que descreve acometimento cutâneo em pacientes com COVID-19 publicado por Recalcati et al.4 na Lombardia, Itália, incluíram 88 pacientes. Neste estudo, 20,4% dos pacientes comprovados com COVID-19, desenvolveram alterações na pele. As apresentações mais comuns foram rash eritematoso (77,8% dos pacientes) (Figura 1), urticária (16,7%) (Figura 3) e formações vesiculares (5,5%) (Figura 2). Estes achados refletem distribuição similar aos achados cutâneos descritos em outras doenças de etiologia viral.

As manifestações cutâneas são importantes no diagnóstico de várias doenças infecciosas, tais como síndrome do choque tóxico, meningococcemia, riquetsiose, sarampo e escarlatina; doenças mais frequentes na faixa etária pediátrica do que a COVID-1923-25. Como a COVID-19 também pode se apresentar de forma assintomática, do ponto de vista respiratório, por até 14 dias após a infecção, as manifestações cutâneas podem servir como um indicador da doença. Dessa maneira, os profissionais que atendem esses pacientes devem ficar atentos quanto à possibilidade de manifestações cutâneas, que podem preceder o quadro clínico respiratório mais característico ou se apresentar de forma similar a outras doenças infecciosas mais prevalentes. Diminui-se assim a incidência de erros diagnósticos, como no caso descrito por Joob et al.8, que descreveram um doente com COVID-19 cuja apresentação cutânea inicial mimetizou a dengue, retardando seu diagnóstico.

Os mecanismos das alterações cutâneas na COVID-19 não são bem elucidados, mas algumas teorias são prevalentes. Postula-se que partículas virais presentes em vasos sanguíneos da pele de pacientes com a doença podem levar a uma vasculite linfocítica semelhante às observadas por complexos imunes secundários à ativação maciça de citocinas, evento que poderia explicar o aparecimento tardio das lesões na fase evolutiva da doença conhecida como fase de hiperinflamação3,5. Também pode ser justificada por agressão aos queratinócitos secundária à ativação das células de Langerhans na fisiopatogenia da doença pela resposta imune à infecção, resultando no desenvolvimento de vasodilatação3,5. Outras teorias justificam o aparecimento de lesões na forma de livedo reticular ou mesmo necrose, pelo acúmulo de microtrombos originados de outros órgãos, o que reduziria o fluxo sanguíneo no sistema da microvasculatura cutânea, ou ainda pela vasculopatia trombogênica com deposição de complemento26. Não se sabe ainda se os sintomas cutâneos são consequência da infecção respiratória ou de infecção primária da pele, já que são descritos casos inclusive com manifestações cutâneas precedendo os quadros respiratórios; provavelmente deve haver uma combinação desses fatores.

Nas descrições de achados dermatológicos em crianças, Piccolo et al.12 descreveram achados semelhantes ao eritema pérnio que caracteristicamente aparece em pessoas predispostas expostas a baixas temperaturas ou como manifestação cutânea de doenças autoimunes. Em seu trabalho, os pacientes negavam exposição ao frio ou antecedente de autoimunidade, e apresentaram lesões eritêmato-violáceas, dolorosas, localizadas em mãos e pés (Figura 4), sem sintomas sistêmicos, exceto em três casos que apresentaram tosse leve e febre, precedendo o início das lesões cutâneas. As lesões desapareceram totalmente em até quatro semanas. Os exames laboratoriais colhidos estavam normais, várias sorologias negativas, e alguns casos resultaram negativo para a COVID-19. Entretanto, como os pacientes não tiveram nenhum outro desencadeante identificado e estavam em território de alta concentração de casos de COVID-19, sugeriram o SARS-Cov-2 como provável etiologia.

Na descrição de Recalcati et al.13 de 11 crianças com lesões de extremidades eritêmato-violáceas (Figura 4) ou em alvo de mãos ou cotovelos com desaparecimento posterior sem sequela, alguns pacientes tiveram RT-PCR para COVID-19 negativos, mas justificaram sua hipótese por falta de outro diagnóstico, pela disseminação universal do SARS-Cov-2, pelo aumento expressivo desse tipo de lesão que é incomum na população em geral, na fase da pandemia. O fato de que muitos pacientes tiveram o teste do swab negativo pode ser explicado pela fase da doença em que o mesmo foi colhido, pois há um desaparecimento de carga viral detectável após o período inicial da doença. De acordo com isso, cria-se a hipótese de que as lesões cutâneas observadas em sua série de caso representariam manifestações tardias da COVID-19 em jovens saudáveis, possivelmente devido à resposta imunológica que acomete os vasos cutâneos. A ausência de achados como esses agudos em pacientes mais velhos corrobora essa ideia. Por isso, crianças poderiam ser facilitadores da transmissão viral nos estágios precoces, antes mesmo do acometimento cutâneo. Somente a sorologia para a COVID-19 poderia validar esta hipótese, pois tais exames positivam mais tardiamente.

Genovese et al.14 descreveram um caso de uma criança de oito anos que se apresentou com quadro papulovesicular (Figura 2) no terceiro dia da evolução de tosse seca leve, distribuído simetricamente pelo tronco, com febre que apareceu no segundo dia do quadro cutâneo, sendo que além disso teve apenas plaquetopenia ao exame laboratorial. Neste mesmo dia toda a família, inclusive ela, testaram positivo para COVID-19. Recuperou-se totalmente em sete dias, tanto da pele quanto da plaquetopenia. Diagnósticos alternativos foram pensados como varicela, mas a criança tinha tido a mesma um ano atrás e, também prurido agudo, mas não havia prurido. Apesar destes dados não serem suficientes para provar que a erupção descrita pelos autores seja definitivamente associada ao SARS-Cov-2, este achado poderia auxiliar no diagnóstico da criança com a COVID-19 paucissintomática. Como as crianças têm sintomas mais brandos e sem sintomas respiratórios de maior gravidade, o encontro de lesões cutâneas associada a quadro brando ou mesmo sem sintomas de outros órgãos ou sistemas, pode ajudar na suspeição diagnóstica da COVID-19.

Recentemente, Jones et al.16 descreveram o caso de uma paciente de 6 meses que foi diagnosticada e tratada como doença de Kawasaki, e que teve ao mesmo tempo a confirmação laboratorial para a COVID-19, tendo apresentado quadro cutâneo exuberante no segundo dia de evolução do quadro respiratório alto, sendo seguido ambulatorialmente como infecção viral sem complicações. O rash descrito foi maculopapular, polimórfico, confluente (Figura 1), associado a edema de palmas e plantas. Tal descrição é característica da doença de Kawasaki, sendo que a mesma continua sem causa definida, mas a hipótese de infecção como gatilho tem sido levantada ao longo dos anos, sendo que 9% a 42% dos pacientes têm testado positivo para infecções virais respiratórias precedendo o quadro em até 30 dias. Já foram isoladas até outras cepas do coronavírus associadas à doença (Cepas: 229E, HKU1 e OC43)27.

Com relação ao quadro de edema agudo hemorrágico da infância (AHEI) este foi descrito e associado à cepa NL63 do coronavírus. Este quadro é uma vasculite leucocitoclástica que acomete crianças entre 4 e 24 meses de vida, caracterizada por lesões purpúricas que progridem rapidamente em face, extremidades, orelhas, com o aparecimento concomitante de edema nas extremidades, com manutenção do estado geral. Setenta e cinco por cento desses pacientes tem história de infecções respiratórias precedendo as lesões, ou então vacinas e/ou uso de antibióticos. Embora o gatilho do AHEI seja raramente identificado, neste caso, pode-se demonstrar a presença do coronavírus, sugerindo sua relação com o desenvolvimento da doença13.

Kamali et al.28 relataram um recém-nascido de 15 dias com mãe sintomática não testada que evoluiu com letargia, febre e lesões cutâneas, além de sinais clássicos de sepse. Os exames confirmaram o diagnóstico de COVID-19 por RT-PCR. No entanto, os achados cutâneos podem ter sido decorrentes da sepse. Mazzotta et al.29 descreveram crianças e adolescentes assintomáticos com lesões isquêmicas acrais (Figura 4), com dois casos positivos para a COVID-19. As lesões eram dolorosas, localizadas nos dedos das mãos e dos pés, iniciaram como manchas eritêmato-arroxeadas, evoluíram com bolhas ou crostas e involuíram em duas semanas.

Em resumo, observamos relatos de lesões dermatológicas tipo rash eritematoso, urticária, exantema variceliforme, placas papulosas eritêmato-amareladas, rash maculopapular, placa livedóide, lesões tipo livedo reticular, rash purpúrico em alvo, lesões petequiais, lesões eritêmato-purpúricas, doença de Kawasaki e inclusive um caso de edema agudo hemorrágico da infância.


CONCLUSÃO

Com tudo o que foi exposto, não podemos afirmar com certeza que os achados cutâneos associados ao quadro clínico do paciente com a COVID-19, têm o SARS-CoV-2 como sua etiologia definitiva. Há várias limitações que devem ser consideradas para esta revisão da literatura. Primeiro, a pequena quantidade de casos descritos em cada artigo impede que os achados sejam extrapolados para a população em geral, ainda mais na faixa etária pediátrica que constitui a minoria dos casos. Além disso, estamos ainda caminhando no conhecimento da doença e as informações contidas nesse artigo representam o que temos de experiência até aqui. Também devemos estar atentos que em muitas séries de casos, particularmente os pacientes com quadros clínicos mais graves, estão sendo submetidos a diversos esquemas de medicamentos e não podemos esquecer a possibilidade dos achados cutâneos serem devido à medicação em uso. Entretanto, como estamos conhecendo o espectro de apresentação clínica da mesma, a descrição de outros achados sistêmicos como os da pele, nos ajudará a compor as características clínicas dessa nova doença. Devemos então atentar para a possibilidade da doença se manifestar inicialmente por lesões cutâneas e lembrar de testar a COVID-19 em certos casos. Além disso, os rashs virais no geral são semelhantes clínica e histopatologicamente com reações adversas a drogas, o que também deve ser levado em conta, uma vez que várias medicações vêm sendo usadas empiricamente como tentativa de tratamento da doença11.

Os autores alertam para a possibilidade de que pacientes na faixa etária pediátrica com a COVID-19 tenham lesões cutâneas como manifestação única ou acompanhada de sintomas leves, e que as lesões cutâneas podem ser semelhantes às de outras doenças frequentes na infância.

As fotos utilizadas fazem parte do acervo do serviço de Dermatologia da UNESEP - Botucatu. Como existem poucos relatos de caso, e entre os existentes, poucos que contém um registro fotográfico dessa doença emergente, optamos por utilizar fotos mais detalhadas para exemplificar os tipos de lesões encontradas na literatura.


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1. Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP, Departamento de Dermatologia - Botucatu - São Paulo - Brasil
2. FAMERP- Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, acadêmico do quarto ano - São José do Rio Preto - São Paulo - Brasil
3. Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP, Departamento de Pediatria - Botucatu - São Paulo - Brasil

Endereço para correspondência:
Gabriela Roncada Haddad
Faculdade de Medicina de Botucatu
Av. Prof. Mário Rubens Guimarães Montenegro, s/n - UNESP - Campus de Botucatu
Botucatu/SP - CEP 18618- 687
E-mail: gabriela.haddad@yahoo.com.br

Data de Submissão: 04/06/2020
Data de Aprovação: 02/07/2020