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Trajetória hospitalar mãe-bebê em situação de deslocamento internacional durante a pandemia de Covid-19: relato de experiência

Trayectoria hospitalaria mamá-bebé en situación de desplazamiento internacional durante la pandemia de Covid-19: relato de experiencia

Resumos

Na hospitalização de bebês, a alimentação é uma possibilidade de vinculação entre equipe de saúde e mães, compreendendo a viabilidade de mamar e/ou se alimentar por via oral como indício de melhora da saúde. Para a mãe oriunda de outro país, podem existir fatores adicionais de estresse pelas diferenças culturais. Neste relato, caracterizo a trajetória hospitalar de uma mãe colombiana e descrevo representações e práticas na relação com a equipe de saúde. A partir de entrevistas e diário de campo, foram identificadas dificuldades de comunicação entre mães e profissionais de saúde e o desconhecimento de práticas e tradições culturais da mãe. O cenário sociocultural deve ser considerado nas experiências e decisões sobre como a mãe oriunda de outro país em ambiente hospitalar alimenta seu bebê, com a equipe legitimando o diálogo de saberes e inserindo-o nos sistemas de cuidados de saúde.

Palavras-chave
Diversidade cultural; Hospitalização; Neonato; Aleitamento


En la hospitalización de bebés, la alimentación es una posibilidad de vínculo entre el equipo de salud y las madres, entendiendo la viabilidad de amamantar, y/o alimentarse por vía oral, como indicio de mejoría de la salud. Para la madre proveniente de otro país, puede haber factores adicionales de estrés por las diferencias culturales. En este relato caracterizo la trayectoria hospitalaria de una madre colombiana y describo representaciones y prácticas en la relación con el equipo de salud. A partir de entrevistas y diario de campo se identificaron dificultades de comunicación entre madres y profesionales de la salud y el desconocimiento de prácticas y tradiciones culturales de la madre. El escenario sociocultural debe considerarse en las experiencias y decisiones sobre cómo la madre oriunda de otro país alimenta a su bebé en un ambiente hospitalario, con el equipo legitimando el diálogo de saberes, insiriéndolo en los sistemas de cuidados de salud.

Palabras clave
Diversidad cultural; Hospitalización; Neonato; Lactancia


During the hospitalization period of infants, feeding is a possibility of bonding between their mothers and the health care team, understanding the feasibility of breastfeeding and/or being fed orally as an indication of health improvement. For the foreign mother, there may be additional stressors arising from cultural differences. In this study, I characterize the hospital trajectory of a Colombian mother and describe representations and practices of her relationship with the health care team. Based on interviews and a field diary, communication difficulties between mothers and health professionals and the lack of knowledge regarding the mother’s cultural practices and traditions were identified. The sociocultural scenario must be considered in the experiences and decisions about how a foreign mother feeds her infant in a hospital environment, with the health care team legitimizing the dialogue of knowledge, inserting it into the health care systems.

Keywords
Cultural diversity; Hospitalization; Newborn; Breastfeeding


Introdução

A Organização Mundial da Saúde (OMS), em março de 2020, anunciou a ocorrência da pandemia de Covid-19, declarando emergência sanitária mundial. Em decorrência disso, vários países adotaram medidas para tentar conter a propagação da doença, como a restrição da circulação de pessoas. Na América do Sul, todos os países fecharam as suas fronteiras, impactando os deslocamentos transnacionais em todas as suas vertentes, inclusive os deslocamentos temporários, como férias11 Nunes M. O fechamento das fronteiras terrestres amazônicas e impactos na mobilidade transnacional. Bol Reg Urbano Ambient. 2020; (24):39-46..

O nascimento deste estudo ocorreu a partir da vivência profissional e das inquietações pessoais da pesquisadora diante das várias mães vindas de outros países, assistidas na maternidade de um hospital de grande porte da cidade-polo da Baixada Santista, em que atua.

A internação neonatal ou pediátrica, em particular, é uma experiência estressante para a criança e sua família, pois, além dos motivos que levaram à hospitalização, também implica adaptação ao ambiente e às rotinas hospitalares. Esse estresse é potencializado quando a mãe tem origem e cultura distintas.

Apesar das estratégias de humanização, é pouco frequente a mãe ser acolhida pela equipe considerando suas crenças, tradições e valores culturais.

A partir de março de 2020, toda a rotina do hospital foi alterada em função da pandemia de Covid-19. No entanto, os bebês continuaram a nascer e suas mães e pais, assustados e ansiando por alta rápida, desconfiavam da presença de profissionais, pois não sabiam se tinham contato com pacientes com Covid-19, e sentiam-se frustrados por não poderem receber a visita dos familiares e amigos na maternidade para dar as boas-vindas ao recém-nascido. Como muito da relação pessoal tornou-se virtual, avós, irmãos e tios conheceram o bebê por videochamadas.

Este texto busca caracterizar, por meio do relato da experiência de uma mãe colombiana, a trajetória com foco no parto e na internação do seu bebê, identificando as representações e práticas na relação entre os diversos profissionais da equipe de saúde.

É importante enfatizar que viagem de turismo não caracteriza o que se define por processo migratório internacional22 Meyer A, Witkamp A, Pécoud A. People on the move. Handbook of selected terms and concepts. Paris: The Hague Process; 2008., mas, no caso aqui relatado, essa viagem de turismo se transformou em uma “imigração involuntária” devido a circunstâncias imprevisíveis: a pandemia.

A mobilidade humana e os fluxos migratórios foram profundamente afetados em diversas escalas a partir do momento em que passou a acontecer um maior controle de entrada e saída de pessoas, o fechamento de fronteiras, a intensificação do monitoramento dos deslocamentos pela tecnologia, a diminuição dos meios de transporte (principalmente aéreos) e o aumento do preconceito e da discriminação de pessoas em mobilidade.

Para a coleta de dados, foram produzidos diários de campo e entrevistas com a mãe e os profissionais de saúde que a assistiram durante a hospitalização.

Trata -se de um recorte da pesquisa aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) sob parecer n. 4.130.572/2020. Os nomes são fictícios para manutenção do anonimato dos participantes.

Como acontece a caminhada

A gestação, o parto e o pós-parto são períodos de fragilidade para qualquer mulher. O caso das mães oriundas de outros países merece uma ênfase maior, dependendo do status migratório, pelas dificuldades no acesso à assistência e à hospitalização. Essas dificuldades abrangem questões legais, como a falta de documentação, o que pode fazer com que algumas mulheres evitem ou posterguem o acesso aos serviços de saúde33 Ferreira EK. Perfil das mães imigrantes internacionais residentes no Estado de São Paulo [dissertação]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo; 2019..

Também podem ser citados o preconceito; as diferenças linguísticas e culturais; e o desconhecimento das normas de um sistema de saúde diferente daquele de seu país de origem, com rotinas desconhecidas, que dificultam a utilização plena e o acesso aos serviços de saúde e educação a que elas têm direito pela Lei n. 13.445/ 17 (Lei de Migração)44 Brasil. Presidência da República. Decreto nº 9.199, de 20 de Novembro de 2017. Regulamenta a Lei nº 13.445, de 24 de Maio de 2017, que institui a Lei de Migração [Internet]. Brasília; 2017 [citado 21 Jul 2020]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/Decreto/D9199.htm
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e pela Constituição Federal brasileira55 Castañeda H. Immigration and health: conceptual, methodological, and theoretical propositions for applied anthropology. Ann Anthropol Pract. 2010; 34(1):6-27.,66 Goldberg A, Silveira C, Coviello DM. Migração, refúgio e saúde. Santos: Editora Universitária Leopoldianum; 2018..

Aleitamento materno na hospitalização

Boccolini et al.77 Boccolini CS, Boccolini PMM, Monteiro FR, Venâncio SI, Giugliani ER. Breastfeeding indicators trends in Brazil for three decades. Rev Saude Publica. 2017; 51:108. Doi: https://doi.org/10.11606/S1518-8787.2017051000029.
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enfatizam o aleitamento materno como um método natural de vinculação, afeto e nutrição para a criança, revelando-se uma forma econômica e eficiente de redução da morbimortalidade infantil.

A amamentação é uma vivência diretamente relacionada a fatores emocionais, biológicos, psicológicos e socioculturais; assim, a decisão de amamentar está integrada à história de vida da mulher. A experiência do aleitamento recebe influências socioculturais em função das épocas e costumes de cada momento histórico. Os benefícios concretos vêm sendo constatados nos meios científicos há algumas décadas88 Gasparin VA, Strada JKR, Moraes BA, Betti T, Pitilin EB, Espirito Santo LC. Fatores associados à manutenção do aleitamento materno exclusivo no pós-parto tardio. Rev Gaucha Enferm. 2020; 41 Esp:e20190060. Doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2020.20190060.
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No decorrer da hospitalização (parto e/ou internação do filho), é possível que as mães convivam com várias emoções (medo, ansiedade, tristeza, euforia), necessitando de acolhimento da equipe, que deve considerar a subjetividade da mãe e/ou família para oferecer o suporte adequado. Nesse sentido, é importante ressaltar que existem várias ingerências biomédicas, como intercorrências durante o parto e/ou dificuldades neonatais, que postergam ou prejudicam o início do aleitamento: parto cirúrgico, bebês prematuros, hospitalização dos neonatos por causas diversas que originam separação física e/ou emocional entre mãe e filho são alguns exemplos disso99 Ausona Bieto M, Brigidi S, Carduz Font L. Lactancias, capital y soberania alimentaria. La falaz escasez de la leche humana. Dilemata (Barcelona). 2017; 9(25):135-142..

A mãe de um bebê hospitalizado vivencia situações compreendidas por ela como obstáculos ao aleitamento, como a instabilidade clínica, o medo do óbito do bebê, a dificuldade de sucção, o início tardio da amamentação e a produção de leite geralmente considerada por ela como insuficiente. Assim, a amamentação exclusiva é considerada difícil e de risco de ganho de peso lento, gerando uma internação prolongada1010 Pereira LB, Abrão ACFV, Ohara CVS, Ribeiro CA. Maternal experiences with specificities of prematurity that hinder breastfeeding. Texto Contexto Enferm. 2015; 24(1):55-63..

O aleitamento, muitas vezes, pode ser dificultado ou até impossibilitado por sentimentos e frustrações vivenciados pela mãe, mais ainda quando se encontra sozinha em um ambiente hospitalar com padrões culturais que muitas vezes causam estranhamento, estresse e solidão mesmo entre tantas pessoas. As emoções afetam a lactação por meio de mecanismos psicossomáticos específicos: por um lado, sentimentos de calma, confiança e tranquilidade favorecem um bom aleitamento; por outro, medo, tensão, dor, fadiga, ansiedade e tabus alimentares podem provocar o fracasso da amamentação, ocorrendo, assim, o desmame precoce1111 Lima MML, Silva TKR, Tsupal PA, Melhem ARF, Brecailo MK, Santos EF. A influência de crenças e tabus alimentares na amamentação. Mundo Saude. 2016; 40(2):221-229..

Em ambiente hospitalar, a atuação da equipe interdisciplinar no apoio ao aleitamento materno, na administração da alimentação complementar ou ainda na definição das vias alternativas de alimentação é fundamental para o início e a manutenção dos neonatos. Além disso, propicia melhor prognóstico para recém-nascidos de baixo peso, para prematuros e para bebês com alterações anatômicas e/ou funcionais ou neurológicas, envolvendo e conduzindo as famílias ao enfrentamento de dificuldades e ao reconhecimento de limitações e possibilidades de seus filhos.

No transcorrer da internação, a questão da alimentação vai sendo colocada em evidência por todos – mãe, familiares e equipe multiprofissional – e apresenta-se como uma possibilidade de aproximação e vinculação, na qual as mães se esforçam para entender as formas e condições do bebê quanto à possibilidade de mamar e/ou alimentar-se por via oral, além de ser um fator sempre interpretado por elas como indício de melhora do quadro do bebê. No caso da mãe de outro país, somam-se fatores adicionais de estresse, como a dificuldade em entender o que é explicado pela barreira da língua.

Nesse cenário, no cotidiano de um hospital, é desafiador conhecer e respeitar as diversidades culturais de cada paciente. Observa-se a falta de informação sobre as particularidades em relação à amamentação, à introdução alimentar e ao uso de vias alternativas de alimentação, além de dificuldades na comunicação entre médico/equipe e paciente; e, algumas vezes, entre os próprios profissionais da equipe. Constata-se que, a partir dessa falta de conhecimento, atuar com mães oriundas de outros países e seus bebês durante a hospitalização pode ser uma experiência enriquecedora para os profissionais, pois tem o potencial de provocar movimento de renovação, de ampliação dos saberes e de reflexão sobre nossas próprias crenças e tradições.

O olhar para o processo saúde-doença sob a perspectiva cultural

Langdon1212 Langdon EJ, Wiik FB. Antropologia, saúde e doença: uma introdução ao conceito de cultura aplicado às ciências da saúde. Rev Lat Am Enfermagem. 2010; 18(3):1-9. coloca que as questões concernentes à saúde e à doença devem ser pensadas e avaliadas a partir dos contextos socioculturais específicos de cada indivíduo. Tais questões podem ser hábitos e/ou técnicas de cuidados, crenças, rituais e mesmo algumas restrições (transfusão de sangue, por exemplo), sendo muitas vezes distantes ou mesmo opostas às referências culturais dos profissionais de saúde.

Nesse processo, é fundamental compreender como a cultura – aqui compreendida como crenças relacionadas à saúde, valores e comportamentos – permeia os processos de diagnóstico, tratamento e cuidados terapêuticos1313 Kleinman A, Benson P. Anthropology in the clinic: the problem of cultural competency and how to fix it. PLoS Med. 2006; 3(10):1673-1676.. A saúde e a doença são simbolicamente estabelecidas e mesclam-se à história de vida e dos grupos sociais dos indivíduos, auxiliando nas análises das doenças a que estão sujeitos1414 Van der Sand ICP, Monticelli M, Ressel LB, Bretas ACP, Schirmer J. Antropologia da saúde: contribuições teóricas para a interpretação do processo do nascimento. Rev Enferm UFPE. 2014; 8(8):2896-2906..

Lazarus1515 Lazarus E. Theoretical considerations for the study of the doctor-patient relationship: implications of a perinatal study. Med Anthropol Q. 1988; (2):34-58., em estudo com gestantes, observou que a dificuldade de comunicação e compreensão na relação médico-paciente (ou profissional de saúde-paciente) que se dá para além de diferenças linguísticas ocorre porque durante a interação cada ator constrói realidades clínicas diferentes, baseando-se em sua percepção cultural ou modelo explicativo de saúde e doença.

Em relação à alimentação, o aleitamento materno e a introdução alimentar são processos impregnados de crenças, tradições e tabus. A situação não é diferente no caso de crianças hospitalizadas, para as quais ainda podemos somar as questões relativas ao uso de vias alternativas de alimentação.

A prática do aleitamento também está associada ao ideal de “boa mãe”, como discursos dominantes sobre alimentação infantil que insistem em que “mamar é melhor” para o bem-estar físico e emocional dos bebês, sem considerar os aspectos relacionados às mães1616 Lupton D. ‘The best thing for the baby’: mothers’ concepts and experiences related to promoting their infants’ health and development. Health Risk Soc. 2011; 13(7-8);637-651..

Tais discursos remetem às práticas higienistas, colocando o cuidado das crianças como exclusivo da mãe e colaborando para o desgaste físico e mental da mulher, principalmente nos primeiros meses após o nascimento1717 Freire MML. Ser mãe é uma ciência: mulheres, médicos e a construção da maternidade científica na década de 1920. Hist Cienc Saude Manguinhos. 2008; 15 Suppl:153-171. Doi: https://doi.org/10.1590/S0104-59702008000500008.
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A experiência da maternidade assimila significados diferentes dependendo dos contextos socioculturais em que está inscrita, o que deve ser considerado quando mães acompanham seus filhos hospitalizados.

O cuidado em saúde é abrangente e para a atuação plena do profissional de saúde ou da equipe que ele integra, é necessário que compreenda de que modo suas experiências e percursos pessoais, além da ascendência cultural, induzem atitudes e valores na análise dos processos de saúde e doença para o atendimento a indivíduos de outras culturas, remetendo à interculturalidade.

A interculturalidade, ou seja, a interação/contato entre indivíduos de culturas diversas partilhadas, deve acontecer com a priorização da inter-relação, ampliando horizontes e fomentando o enriquecimento de experiências e evolução contínua dos indivíduos envolvidos na inter-relação1818 Dantas S. Interculturalidades. Rev USP. 2017; (114):8-10.,1919 Weissmann L. Multiculturalidade, transculturalidade, interculturalidade. Constr Psicopedag. 2018; 26(27):21-36..

Kleinman e Benson1313 Kleinman A, Benson P. Anthropology in the clinic: the problem of cultural competency and how to fix it. PLoS Med. 2006; 3(10):1673-1676. afirmam que fatores culturais são essenciais para o diagnóstico, definição dos processos terapêuticos e realização dos cuidados. Delineiam valores, crenças relacionadas à saúde e comportamentos. Os processos culturais incluem reações psicofisiológicas, relacionamento interpessoal, cultivo de coletivos, identidade individual e práticas religiosas. Tais processos frequentemente divergem dentro do mesmo grupo étnico ou social porque há diferenças entre personalidade, faixa etária, sexo, classe, religião e etnia1313 Kleinman A, Benson P. Anthropology in the clinic: the problem of cultural competency and how to fix it. PLoS Med. 2006; 3(10):1673-1676..

Há ainda os cuidados transnacionais que não se encontram restritos pelas fronteiras de um único país ou nação, que incluem aqueles adotados por indivíduos fora de seus territórios, englobando práticas formais e informais2020 Freitas C, Mendes Á. A resiliência da saúde migrante: itinerários terapêuticos plurais e transnacionais. REMHU Rev Inter Mobil Hum. 2013; 21(40):69-92..

Portanto, os múltiplos enfoques possíveis na observação de trajetórias terapêuticas podem contribuir para os processos de organização de serviços de saúde e gestão na construção de práticas assistenciais humanizadas e contextualmente integradas, alcançando resultados terapêuticos mais efetivos.

Caminhando juntos

Inevitavelmente reflito sobre o ambiente hospitalar, que mesmo quando abriga o início da vida, sem angústias ou dores mais intensas, é caracterizado por estranhamento, pela tecnologia dura (fria e de difícil entendimento) e uma necessidade de permanecer o menor período possível, premência essa que, às vezes, interpreto como fuga da realidade, abandono ou desesperança. Também percebo a solidão e a carência das pessoas, mesmo em meio a várias outras durante as vinte e quatro horas do dia. Isto se intensifica quando a mãe é estrangeira e se encontra distante de suas referências culturais, familiares.

(Diário de campo)

O bebê, um menino, nascido em uma manhã de sexta-feira, estava em observação, sendo submetido a uma triagem infecciosa com hemograma e proteína C-reativa (PCR) para verificar a possibilidade de infecção neonatal (protocolo do hospital), pois a mãe não realizou os exames finais da gestação, porque já se encontrava em mobilidade internacional.

Seus pais não imaginavam viver momento tão marcante de suas vidas em um lugar desconhecido, sem opção e sem a presença das pessoas que gostariam que os acompanhassem.

Nem sempre o deslocamento internacional se dá somente por necessidade ou pela busca de melhor qualidade de vida: muitas vezes é consequência de uma situação inesperada ou emergencial, como no caso dos acidentes naturais, eclosão de conflitos e, no caso atual, do impedimento da volta por conta da pandemia.

A equipe multiprofissional observa um casal jovem, na expectativa da chegada de seu primeiro filho, mas percebo certa cautela e receio, manifestados por meio de perguntas sobre procedimentos da equipe multiprofissional. A comunicação é um capítulo à parte: se palavras e expressões brasileiras são difíceis de interpretar dependendo da região de origem e acolhimento dentro do próprio país, uma pessoa não familiarizada com a língua portuguesa se sente ainda mais desconfortável, mas sempre há símbolos e estratégias que auxiliam a comunicação, como os gestos e, atualmente, os aplicativos de tradução no celular.

Gaia: família multinacional

Gaia, colombiana, 22 anos, graduada em Administração de Empresas, casada com M., 30 anos, chileno, engenheiro de informática. Vivem em Santiago, no Chile.

Em viagem de férias, vindo de carro do Chile, passando pela Argentina, chegam ao Brasil em março de 2020, hospedando-se em casa de amigos, em São Vicente. Com o fechamento das fronteiras da Argentina, decidem permanecer. Assim nasceu Said, brasileiro, filho de mãe colombiana e pai chileno.

Em uma manhã de maio, Gaia começa a sentir as dores do trabalho de parto. Ao final do dia, as dores se intensificaram e ela foi hospitalizada. O trabalho de parto foi demorado, Gaia estava acompanhada pelo marido, com apoio da enfermagem sempre que solicitava.

O bebê nasceu de parto natural. Gaia relata que o momento foi difícil para ela porque planejava um momento com as pessoas mais importantes em sua vida (mãe e marido). O destino mudou esses planos.

Gaia está tranquila, mas seu semblante se modifica quando o assunto, inevitavelmente, muda para a pandemia Covid-19; refere o temor de ter seu primeiro bebê em outro país, em meio a uma pandemia, em um hospital que também atende pacientes com Covid-19.

No momento da primeira mamada, foi acolhida por uma enfermeira e não referiu dificuldades. Não recebeu orientação prévia sobre amamentação em seu pré-natal, imaginando que ocorreria nas consultas finais.

No segundo dia de internação, Gaia ficou assustada após a visita do pediatra, pois o bebê perdeu mais peso do que o esperado: chorou, sentindo-se impotente porque acreditava não ter leite suficiente para seu bebê. Mais uma vez, Gaia refere ter sentido falta da presença da mãe e das vivências familiares que a fariam se sentir mais calma.

Quanto à assistência ao aleitamento, Gaia necessitou de apoio de toda a equipe (enfermagem, médica e fonoaudiológica). Foi realizada avaliação, acompanhamento e orientação da amamentação durante toda a hospitalização. Segundo Gaia, “ajudar no ‘mamá’ é muito importante, principalmente para uma mãe jovem e de primeiro filho”. Relembra da tradição para “descer leite” – após o parto, tomar dois litros de nimalta (bebida com malte de cerveja, sem álcool) –, mas que não é praticada em nosso meio. Quanto à alimentação, não sentiu diferenças significativas.

A equipe multiprofissional tranquilizou o casal: receberam bastante atenção e informações e, apesar das dificuldades do idioma com alguns profissionais, esta não foi uma barreira na comunicação. Hígia, uma das enfermeiras que acompanhou Gaia e seu bebê, confessou dificuldades na comunicação com a mãe e o pai, devido ao fato de ela não falar espanhol. A técnica de enfermagem Ártemis ficou receosa por acreditar que não conseguiria compreender Gaia, porém, entenderam-se bem por gestos, mímicas e repetições de falas.

O prolongamento da internação do recém-nascido causou sobressalto e mais preocupação para os pais e teve dois motivos: suspeita de alteração cardíaca e falha persistente na triagem auditiva neonatal que, após novos exames, apresentou resultados normais.

Gaia comemorou seu primeiro Dia das Mães com seu bebê recém-nascido internado no hospital, em meio a uma pandemia e longe de sua terra e de sua família. Dizem que quando nasce um bebê, nasce uma mãe. Presenciei o nascimento de uma jovem mãe.

Discussão

Da análise das trajetórias hospitalares de Gaia e de seu bebê, emergiram dois núcleos temáticos: aleitamento materno como escolha única e natural, trajetória hospitalar e interculturalidade. Vale lembrar que os achados de cada um desses núcleos muitas vezes se sobrepõem ou se complementam.

Aleitamento materno como escolha única e natural

A OMS2121 World Health Organization. Indicators for assessing infant and young child feeding practices: conclusions of a consensus meeting held 6–8 november 2007 in Washington D.C. [Internet]. Geneva: WHO; 2008 [citado 28 Jun 2020]. Disponível em: https://www.who.int/nutrition/publications/infantfeeding/9789241596664/en/
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recomenda o aleitamento materno exclusivo nos primeiros seis meses de vida, com a introdução posterior de outros alimentos até os dois anos, fomentando o crescimento e desenvolvimento da criança.

Foi possível observar que, apesar de sua idade e experiência de vida, Gaia (mesmo jovem e sem experiência)  escolheu o aleitamento materno como a forma ideal para alimentar seu bebê, mesmo com a perda de peso acima do esperado de seu filho. Pois muitas mães , quando ocorre perda de peso maior que o esperado para o neonato, sentem -se inseguras com o aleitamento e partem para a oferta de fórmula láctea. Gil-Estevan e Solano-Ruiz2222 Gil-Estevan MD, Solano-Ruiz MC. Diversidad cultural y lactancia materna: prestación de cuidados culturalmente competentes en Atención Primaria. Index Enferm. 2017; 26(3):162-165. referem que o aleitamento é um evento orgânico, influenciado por diversos aspectos biológicos e culturais; e impactado por sentimentos como medo e incerteza, principalmente quanto à capacidade de alimentar o neonato. Os atores enfatizam que, apesar das dificuldades, muitas mães elegem o aleitamento como a opção mais saudável, confortável e econômica. Como aspectos que propiciam o seguimento do aleitamento são citados o apoio familiar, profissional e social; e as experiências anteriores.

A angústia da mãe oriunda de outro país é relatada por esta especialmente no parto, porque tudo já estava planejado para o parto e nascimento de seu primeiro filho em seu país de origem: “Foi muito complicado porque minha ideia era que minha mamãe estivesse no parto”.

No evento do parto, verifica-se que, para Gaia, o convívio entre a puérpera e sua mãe durante o pós-parto é importante para a preservação ou alterações de práticas ou hábitos referentes ao aleitamento, assumindo seu caráter sociocultural e propiciando que mulheres de diferentes gerações de uma mesma família ou mesma geração vivenciem várias representações, novos sentidos e novas práticas, que podem ser compartilhadas durante o puerpério e o aleitamento2323 Moreira MA, Nascimento ER, Paiva MS. Representações sociais de mulheres de três gerações sobre práticas de amamentação. Texto Contexto Enferm. 2013; 22(2):432-441..

Observa-se a interculturalidade na opção pelo aleitamento, principalmente no pós-parto imediato e no diálogo de saberes: as práticas culturais e o saber biomédico para o início do aleitamento complementam os saberes sem prepotência ou desqualificações. A interculturalidade se manifesta na atenção e colaboração da equipe quando Gaia expressa seu desejo de aguardar 24 horas para dar o primeiro banho no bebê para que o início do aleitamento seja efetivo, como sua mãe a orientou e ela mesma observou no nascimento de seu irmão. Quando o bebê perdeu mais peso do que o habitualmente esperado, Gaia sentiu-se impotente, foi acolhida pela equipe e, mesmo desejando o aleitamento exclusivo, aceitou a introdução temporária de fórmula láctea.

Diversas investigações científicas evidenciam a prática do aleitamento permeada por valores socioculturais. São crenças, conceitos e costumes transmitidos a cada geração que compõem aspectos importantes e que não devem ser desconsiderados pelos profissionais de saúde que atuam com puérperas, tais como as recomendações de práticas para o aumento do volume e qualidade do leite materno, sem comprovação científica, porém aceitas e consideradas válidas2424 Lima SP, Santos EKA, Erdmann AL, Farias PH, Aires J, Nascimento VF. Percepção de mulheres quanto à prática do aleitamento materno: uma revisão integrativa. Rev Pesqui Cuid Fundam. 2019; 11(1):248-254. Doi: https://doi.org/10.9789/2175-5361.2019.v11i1.248-254.
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A alimentação da puérpera é motivo de atenção, cuidado e afeto para as mulheres, pois significa a recuperação do organismo após o parto e quantidade e qualidade do leite materno. O grupo familiar, constituído por diferentes gerações, pode presenciar por parte de uma das mães a experimentação de novas práticas que podem ser compartilhadas2323 Moreira MA, Nascimento ER, Paiva MS. Representações sociais de mulheres de três gerações sobre práticas de amamentação. Texto Contexto Enferm. 2013; 22(2):432-441.. Gaia expressa suas práticas e crenças quando coloca que não pôde tomar nimalta para aumentar a quantidade de seu leite.

O apoio qualificado no aleitamento para mães oriundas de outros países é fundamental: os serviços de saúde devem possibilitar cuidados e informações culturalmente adequadas com profissionais de saúde capacitados em competência cultural. Desenvolver estratégias para, se possível, envolver avós para também formar a rede de apoio é essencial para a manutenção da amamentação por período prolongado. É importante também ressaltar ações com os profissionais de saúde visando à conscientização sobre a diversidade de culturas, crenças, práticas e experiências sobre o aleitamento2525 Schmied V, Olley H, Burns E, Duff M, Dennis CL, Dahlen HG. Contradictions and conflict: a meta-ethnographic study of migrant women’s experiences of breastfeeding in a new country. BMC Pregnancy Childbirth. 2012; 12:163. Doi: https://doi.org/10.1186/1471-2393-12-163.
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Trajetória hospitalar e interculturalidade

A dificuldade de comunicação ocasionada pela barreira linguística foi o elemento que se sobressaiu na relação da mãe com a equipe de assistência. A linguagem é ferramenta essencial para a convivência em sociedade e, por ser diversificada, representa um desafio para a assistência à saúde com qualidade e humanizada para todos frente a necessidades específicas de cada indivíduo2626 Galvão GMM, Camargo BB, Matos BC, Mendonça FLP, Landim JS, Carvalho MD, et al. Relato de caso: a importância da comunicação no atendimento a um recém-nascido de pais haitianos na maternidade Odete Valadares, maternidade pública referência do método canguru em Belo Horizonte-MG. Rev Med Minas Gerais. 2018; 28 Supl 5:228-231..

Gaia, apesar das dificuldades com o idioma, não sentiu uma grande barreira na comunicação. Avellaneda2727 Avellaneda YR. A experiência de gravidez, parto e pós-parto das imigrantes bolivianas e seus desencontros na cidade de São Paulo – Brasil [tese]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo; 2015. Doi: https://doi.org/10.11606/T.6.2015.tde-13112015-105147.
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relata, em maternidade de São Paulo, a evidente barreira linguística, onde bolivianas referiram não receber informações claras sobre as condições de saúde de seus filhos.

O desafio atual é como cada profissional pode contribuir para o cuidado de forma inclusiva, respeitando as diferenças linguísticas e utilizando estratégias e/ou instrumentos de comunicação, como formas variadas de linguagem verbal e não verbal, para que todos acessem e recebam assistência de forma humanizada, eficiente e equitativa2626 Galvão GMM, Camargo BB, Matos BC, Mendonça FLP, Landim JS, Carvalho MD, et al. Relato de caso: a importância da comunicação no atendimento a um recém-nascido de pais haitianos na maternidade Odete Valadares, maternidade pública referência do método canguru em Belo Horizonte-MG. Rev Med Minas Gerais. 2018; 28 Supl 5:228-231..

No transcorrer da análise, um achado que emergiu foi a generalização do estrangeiro por parte dos profissionais de saúde. A reflexão sobre como essas mães são acolhidas e cuidadas nas instituições de saúde merece atenção especial:

As concepções dos profissionais de saúde se fundamentam no modelo biomédico (mas não exclusivamente nele) e, em situação de contato intercultural, opõem-se a um “outro”. Vale dizer que ambos se enxergam de maneira imprecisa. Oliveira (2000) mostra como grupos de migrantes oferecem uma oportunidade privilegiada para o estudo das formas de interação na articulação entre identidade, etnicidade e nacionalidade2828 Martin D, Goldberg A, Silveira C. Imigração, refúgio e saúde: perspectivas de análise sociocultural. Saude Soc. 2018; 27(1):26-36.. (p. 33)

As entrevistas dos integrantes da equipe multidisciplinar revelaram as representações sobre as mães oriundas de outros países, como se não houvesse particularidades de nacionalidades, linguísticas, de crenças e práticas culturais próprias de cada povo: “[...] acho que não tem muita diferença com as estrangeiras que eu vi. Talvez um pouco de vergonha em mostrar-se, evitam tirar o peito em frente aos maridos de outras pacientes” (fala de Atena, pediatra, boliviana).

A fala anterior corrobora estudos sobre serviços de saúde materno-infantil que apontam sensibilidade cultural insuficiente e a tendência dos profissionais de saúde para estereotipar mulheres oriundas de outros países e enxergá-las como coletivos semelhantes, em lugar de indivíduos diversos e com práticas culturais distintas2525 Schmied V, Olley H, Burns E, Duff M, Dennis CL, Dahlen HG. Contradictions and conflict: a meta-ethnographic study of migrant women’s experiences of breastfeeding in a new country. BMC Pregnancy Childbirth. 2012; 12:163. Doi: https://doi.org/10.1186/1471-2393-12-163.
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Um tópico que podemos colocar como confronto do saber biomédico versus saberes tradicionais foi evidenciado em alguns momentos durante a permanência da mãe no hospital. O mais representativo se deu quando Atena reconhece como inadequada a prática de oferecer chás para neonatos, minimizando suas crenças e tradições familiares e culturais.

O apoio da equipe multiprofissional é fundamental para que a mãe possa vivenciar a experiência da hospitalização de seu filho de forma mais humanizada. As mães oriundas de outros países experimentam sentimentos e dificuldades diferentes dos das mães nativas – como a barreira linguística. Portanto, é essencial o suporte da equipe com sensibilidade para reconhecer e atuar nas necessidades individuais.

Ações de promoção e proteção ao aleitamento devem ocorrer com o respeito e reconhecimento das crenças e práticas que permeiam o ato de amamentar2121 World Health Organization. Indicators for assessing infant and young child feeding practices: conclusions of a consensus meeting held 6–8 november 2007 in Washington D.C. [Internet]. Geneva: WHO; 2008 [citado 28 Jun 2020]. Disponível em: https://www.who.int/nutrition/publications/infantfeeding/9789241596664/en/
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Na hospitalização, Gaia utilizou, predominantemente, como trajetória hospitalar os recursos do sistema biomédico na assistência à alimentação de seu filho que, como recém-nascido, deu-se pelo aleitamento materno, além do uso de via alternativa temporária quando necessitou de aporte devido à perda de peso.

Neste estudo, constatou-se que a mãe oriunda de outro país reconhece a importância do aleitamento, mas, devido ao contexto de dar à luz em outro país, sem a família para apoiá-la e auxíliá-la, pode necessitar de informações e cuidados culturalmente adequados2525 Schmied V, Olley H, Burns E, Duff M, Dennis CL, Dahlen HG. Contradictions and conflict: a meta-ethnographic study of migrant women’s experiences of breastfeeding in a new country. BMC Pregnancy Childbirth. 2012; 12:163. Doi: https://doi.org/10.1186/1471-2393-12-163.
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Para Gaia, o apoio qualificado da equipe multiprofissional foi importante para a manutenção do equilíbrio e da tranquilidade durante o período de internação, ainda que por poucos dias. Os elementos que emergem dessa análise revelam que os integrantes da equipe multiprofissional do hospital possuem poucas referências para trabalhar com casos de estrangeiros, que se revelam complexos2828 Martin D, Goldberg A, Silveira C. Imigração, refúgio e saúde: perspectivas de análise sociocultural. Saude Soc. 2018; 27(1):26-36..

Os profissionais da área da saúde por vezes desconsideram as experiências próprias de cada mãe, especialmente a mãe oriunda de outros países, não percebendo a importância daquelas para a adesão e a manutenção da amamentação, no caso dos neonatos, e para a compreensão e o consequente auxílio nos procedimentos das crianças internadas em relação à introdução alimentar e vias de alimentação alternativas.

Portanto, é importante conhecer e compreender a variedade de origem e cultura das mães oriundas de outros países e de seus filhos em situação de hospitalização; e como a equipe multiprofissional interage com essa diversidade para que se possam produzir novas estratégias e ações individuais e coletivas, no âmbito hospitalar, que envolvam as questões subjetivas das mães, os saberes específicos de seu lugar de origem e os saberes técnicos.

Considerando o aumento de pessoas em mobilidade internacional buscando assistência nos serviços de saúde do país de acolhimento e, especificamente, a situação de estresse pela internação de um filho – que no caso de mães oriundas de outros países pode ter fatores adicionais, como a dificuldade em entender o que é explicado pela barreira da língua e desencontros culturais –, este estudo constitui uma busca para compreender como a mãe percebe e lida com a trajetória de hospitalização de seu filho e as possibilidades e limitações do que percebe sobre o país de acolhimento. Assim, serão gerados subsídios e propostas para a solução de problemas cotidianamente presentes no ato de alimentar seu filho, de forma que essas mães possam vivenciar esse momento da maneira menos traumática possível.

Considerações finais

Ficou evidenciado que o cenário sociocultural e a interculturalidade são aspectos que devem ser considerados nas experiências e decisões sobre como a mãe oriunda de outro país em ambiente hospitalar alimentará seu bebê, com a equipe acolhendo-a, promovendo escuta qualificada e valorizando as práticas, crenças e tradições culturais

A generalização do estrangeiro/imigrante por parte dos profissionais de saúde desconsidera como essencial a identificação das particularidades linguísticas, de crenças e práticas culturais próprias de cada povo para a melhor relação paciente-profissional de saúde no processo do cuidado na hospitalização.

Observou-se a necessidade de elaboração de novas práticas, tanto para a díade mãe-bebê quanto para a equipe multiprofissional, incluindo a mãe como protagonista no cuidado de seu filho em relação à alimentação em situação de hospitalização.

A natureza interdisciplinar deste estudo contribui com a ciência, de modo a fomentar a interlocução entre as diferentes disciplinas na área da pesquisa (Antropologia, Nutrição e Fonoaudiologia) e entre os profissionais responsáveis por atuar no cuidado materno-infantil, tornando-os mais sensíveis à compreensão das diferenças e da diversidade cultural da população que atendem.

Agradecimentos

A autora agradece à sua orientadora, Profa. Dra. Claudia Ridel Juzwiak, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) pelas estimadas contribuições por meio de discussões,revisões do trabalho e suporte.

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Editado por

Editor
Antonio Pithon Cyrino
Editora associada
Dulce Aurélia de Souza Ferraz

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    18 Out 2021
  • Aceito
    17 Fev 2022
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