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Sistemas públicos universais de saúde e a experiência cubana em face da pandemia de Covid-19

Palavras-chave
Covid-19; Cuba; Sistemas públicos universais de saúde; Estratégias sociossanitárias

    Entrevistados
  • Drª. Ileana Morales Suárez. Diretora Nacional de Ciencia y Innovación Tecnológica do Ministério da Saúde Pública de Cuba.

  • Dr. Francisco Alberto Durán García. Diretor Nacional de Epidemiologia de Cuba.

  • Dr. Rolando Pérez Rodríguez. Diretor de Ciencia y Innovación de BioCubaFarma.

  • Drª. Soraya Alonso Sánchez. Mestre em Intervención Comunitaria en los Procesos Correctores de la Vida Cotidiana.

  • Dr. Daniel González Rubio, Instituto de Medicina Tropical “Pedro Kourí” (IPK) Mestre em Infectología Clínica y Enfermedades Tropicales.

  • Dr. Ricardo Pereda González, médico intensivista integrante do Grupo Nacional de Ciencia y Investigación.

Introdução

Quando finalizada esta entrevista, fevereiro 2021, Cuba tinha pouco mais de 44 mil casos de infectados e 296 mortes pela Covid-1911 Our World In Data. Coronavirus pandemic data explorer [Internet]. Oxford: University of Oxford; 2021 [citado 10 Mar 2021]. Disponível em: https://ourworldindata.org/coronavirus-data-explorer
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. Com uma população de cerca de 11 milhões, comparativamente são 21,62 vezes menos casos por um milhão de habitantes do que os Estados Unidos – país com maior número de contaminados –, e 57,68 vezes menos mortes por um milhão, considerando cerca de 498 mil mortes11 Our World In Data. Coronavirus pandemic data explorer [Internet]. Oxford: University of Oxford; 2021 [citado 10 Mar 2021]. Disponível em: https://ourworldindata.org/coronavirus-data-explorer
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nos Estados Unidos. Comparando com o Brasil, à época mais de 47 mil casos por um milhão (12,16 vezes mais que a ilha caribenha) e 1,15 mil mortes por um milhão (44,38 vezes mais)11 Our World In Data. Coronavirus pandemic data explorer [Internet]. Oxford: University of Oxford; 2021 [citado 10 Mar 2021]. Disponível em: https://ourworldindata.org/coronavirus-data-explorer
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. Esses dados colocam Cuba entre as nações com os melhores desempenhos no enfrentamento à pandemia provocada pelo Sars-Cov-2.

Vivenciando uma crise sanitária sem precedentes no Brasil, entendemos como é importante buscar aprofundar a compreensão das estratégias que possibilitaram a Cuba alcançar resultados como os acima mencionados, refletindo e dialogando com, e sobre, a experiência brasileira de enfrentamento da pandemia.

Para tanto, entre junho e dezembro de 2020, realizamos três rodadas de entrevistas com dirigentes do Ministério de Saúde Pública (Minsap) e acadêmicos cubanos. Como subsídio efetuamos, previamente, revisão de artigos científicos, materiais jornalísticos e documentos institucionais em torno da problemática a ser investigada. As entrevistas foram realizadas por videoconferência, por meio de um roteiro semiestruturado de questões enviadas previamente aos entrevistados (dois a três por sessão). Esses últimos tiveram a oportunidade de responder às nossas indagações com base em uma exposição inicial e, em ato contínuo, buscaram responder às perguntas e, ou, aos comentários dos pesquisadores.

O texto que apresentamos buscou expressar o conteúdo derivado das entrevistas. Realizamos um trabalho de editoração que buscou ser o mais fidedigno possível às transcrições das gravações de vídeos e áudios das entrevistas. Gráficos enviados pelos entrevistados, após o nosso encontro, foram incluídos.

Para garantir o fluxo das ideias, optamos por construir um texto com uma composição das falas dos entrevistados, de acordo com o tema em questão, razão pela qual não os citamos nominalmente na maioria das vezes. Exceção à regra se faz nas questões em que se destacou a fala de um dos entrevistados e/ou que era importante mencionar o lugar de fala do interlocutor, como foi o caso de questões que buscaram indagar sobre o papel das mulheres no enfrentamento da pandemia e como são afetadas pelo processo.

Por limitação de espaço, optamos por incluir algumas questões/respostas e não outras, tendo como critério a relevância e a consistência das respostas auferidas no período da investigação, entre elas: papel do Estado e do governo, integração e articulação de esforços de setores da sociedade cubana no enfrentamento da pandemia, relações entre serviços-ciências-produção biofarmacêutica, o papel do sistema de saúde – e, nele, da Atenção Primária à Saúde (APS) –, a importância das investigações epidemiológicas e do vínculo dos profissionais com famílias e comunidades locais, e reflexões sobre impactos e contribuições das mulheres nesse processo de crise sociossanitária.

Na conclusão, tecemos comentários sobre aspectos da experiência cubana que julgamos poder contribuir para o fortalecimento de sistemas públicos e universais de saúde. Destacamos a abrangência e a multiplicidade das estratégias e ações implementadas e a busca de sua coordenação e sua articulação. Entre essas ações, fazemos, neste espaço, uma sumária menção ao tema do desenvolvimento de vacina contra a Covid-19, tendo como fontes as falas dos entrevistados, atualizadas por informes da mídia, os documentos institucionais e os artigos publicados.

Estratégias iniciais de enfrentamento da pandemia

Inicialmente, gostaríamos que nos relatassem as decisões e estratégias – principalmente no período inicial – de enfrentamento da pandemia Covid-19 em Cuba, refletindo sobre o papel do governo e das instituições nesse processo. Vocês poderiam também explorar o debate mundialmente importante que faz referência ao papel das mulheres no enfrentamento da pandemia?

Drª. Ileana M. Suárez: Permita-me comentar, primeiramente, a segunda parte da sua questão. Evidentemente no mundo todo temos as mulheres à frente na pandemia. Agora, acreditamos que a forma de luta da mulher cubana, sua maneira de estruturar essa batalha organizada para enfrentar a Covid, coloca as mulheres em todos os espaços de ação e temos muitas companheiras na linha de frente nesse combate.

Temos uma quantidade grande de companheiras que estão na primeiríssima fila da gestão da Ciência – em centros universitários de estudos e pesquisas – e muito orgulhosas de que as companheiras estejam, também, nas policlínicas, na diretoria dos hospitais e unidades de saúde. Estão caminhando nas ruas todos os dias. O grupo de cientistas que estou coordenando, do qual fazem parte muitas pessoas, aproximadamente 70% são mulheres, nos projetos de investigação de Covid mais de 60% são mulheres. Portanto, digo-lhe que essa foi realmente uma batalha de mulheres que vestiram a camiseta. Acredito que é porque em Cuba todos conhecem o poder de convocação que têm as mulheres, desde a participação na revolução até todas as conquistas sociais. E nós estamos aqui muito orgulhosas de representá-las, podendo falar de maneira ampla da participação feminina em todos os temas que vocês questionam.

No que concerne a aspectos específicos relativos a estratégias e enfrentamento da pandemia, uma pergunta que nos tem sido feita por várias pessoas de diversos países, consideramos importante dizer logo de início: “além da vontade política dos seus governantes, fator que é determinante na resposta que os diversos países têm constituído, a fortaleza é, em primeiro lugar, a robustez (ou não) dos seus próprios sistemas de saúde”.

Em nossa experiência pudemos, por meio de distintas frentes de atuação, dar respostas à pandemia muito cedo. Com uma decisão política que envolveu governo, estruturas estatais, cientistas e a população, elaborou-se um plano de medidas nacional e intersectoriais – que teve início no fim de dezembro de 2019 e que foi detalhado ao longo do mês de janeiro de 2020. Isso possibilitou que no dia 30 de janeiro – mesmo dia em que a OMS declarou estado de emergência internacional – Cuba estivesse aprovando um plano, com cerca de quinhentas medidas de exigências sanitárias muito rigorosas, que incluía e buscava coordenar a participação de distintas instituições e organismos no referido processo. Esse processo vem sendo a todo momento atualizado, de acordo com a situação, conforme consta na Figura 1.

Figura 1
Cronologia das ações – Minsap

Nesse contexto, as providências foram tomadas com base em um sistema de saúde muito sólido, que abarca a totalidade da população, que provê uma cobertura integral às necessidades de saúde para todos. Medidas que vêm se efetuando principalmente em torno, e a partir, da Atenção Primária à Saúde (APS) que, vocês sabem, aqui tem muita solidez.

Por isso, sempre dizemos que se não tivéssemos essa fortaleza de mais de 60 anos, que é o sistema de saúde de Cuba, uma estrutura completa que atua desde o nível nacional até as comunidades, não poderíamos implementar o conjunto de ações de cuidado à saúde, prevenção e controle da Covid-19 que explica, em grande parte, os resultados alcançados.

Outro importante eixo de nosso plano de ações se encontra em torno da investigação científica, da inovação e da produção biotecnológica cubana. Em 12 de fevereiro, há um mês de nosso primeiro caso, que foi em 11 de março, criamos um grupo científico destinado a apoiar e dar subsídios para o enfrentamento da pandemia da Covid-19, o Comitê de Inovação para Covid-19. Composto por gestores e acadêmicos de notável prestígio em Cuba, o comitê tem pautado sua atuação na articulação cotidiana das necessidades e dos aportes de distintos setores com importância central no enfrentamento da pandemia, entre os quais cabe citar cientistas que trabalham com a indústria biotecnológica, desenvolvedores industriais, profissionais e professores da saúde.

Vinculado a esse comitê, criamos um grupo executor. Esse grupo, cabe mencionar, coordena investigações com as universidades e, se necessário –objetivando ampliar e qualificar o enfrentamento da pandemia –, as autoridades reguladoras do grupo podem avaliar projetos que demandam respostas urgentes. Sem perda do rigor científico, podem autorizar ensaios clínicos e introdução de insumos e tecnologias, assim como avaliar resultados de pesquisa com brevidade.

Estratégias sociossanitárias e de cuidado

Podem nos comentar sobre as estratégias sociossanitárias e protocolos de condutas que pautam o enfrentamento à Covid-19 em Cuba?

No esquema a seguir (Figura 2) sintetizamos nossas estratégias sociossanitárias de enfrentamento da pandemia e tecemos alguns comentários sobre elas.

Figura 2
Estratégias sociossanitárias e epidemiológicas – Minsap

Deve-se notar, de antemão, que nosso protocolo está baseado na cadeia epidemiológica do país, o que significa que não se trata apenas de um instrumento para o manejo dos casos, mas também um instrumento para a adoção de uma série de ações epidemiológicas. Podemos citar, por exemplo, a investigação de casos, o diagnóstico precoce, a identificação dos pacientes mais vulneráveis, entre outras coisas. Em verdade, trata-se de um protocolo nacional que todas as unidades do país devem seguir. Isso permite padronizar as condutas a serem tomadas entre as diferentes equipes de médicos e diferentes equipes de saúde.

Por suposto, que não se trata de uma camisa de força para cada paciente, porque cada um tem suas questões particulares. Então, é um protocolo nacional, mas que se adapta a cada caso, às questões particulares de cada um. Nesse sentido, os médicos orientados pelo protocolo devem atuar com autonomia, buscando responder às questões e situações singulares que afetam distintos pacientes. Devem agir com independência diante das ocorrências particulares de cada um.

Ilustramos a seguir nossas estratégias clínicas, epidemiológicas e de gestão que viemos utilizando no enfrentamento da Covid – após a ilustração gráfica vou discorrer sobre alguns de seus aspectos relevantes (vide Figura 2).

No esquema/gráfico é importante notar que as ações se realizam o tempo todo “desde a comunidade e em direção à comunidade”. E isso não conflita com o manejo clínico e epidemiológico da pandemia, ao contrário, nele é possível observar que estamos a favor de um modelo integral de enfrentamento da Covid, no qual estão na mesma proporção: a gestão epidemiológica, a gestão clínica e a importantíssima gestão da Ciência, que dá suporte aos dois primeiros. Porque os dois pilares aqui são a gestão epidemiológica e a gestão clínica, e por debaixo, como fator comum, a gestão da Ciência que sustenta os dois primeiros.

Todo esse processo tem sido realizado em paralelo a um grande esforço que viemos realizando, objetivando a superação e a capacitação de todos os recursos humanos do sistema e distintos organismos. O primeiro que fizemos foi preparar as pessoas para isso, fortalecendo as organizações com o intuito de garantir a qualidade e a segurança das ações a serem empreendidas.

Buscamos aprofundar e qualificar uma das prioridades históricas do sistema de saúde cubano, que hoje conta com mais de 250 mil profissionais e que, no seu conjunto, responde por uma das mais altas proporções de médicos e enfermeiros por habitantes no mundo.

Cabe ainda mencionar que esse modelo tem como sustentáculo um sistema de informação estatístico contínuo, transparente e permanente ao qual brindamos grande valor. E, reafirmamos, tudo isso faz parte de um modelo amplo de gestão governamental que leva em conta a Ciência e a participação de todos os organismos, tendo como gestor um grupo técnico do Minsap.

A gestão da Ciência é um fator preponderante, inclusive para iniciar alternativas terapêuticas em protocolos de estudos e também descartá-las (na medida em que as evidências científicas passam a ser sólidas contra sua recomendação), como foi o caso da cloroquina, que segue presente nesse gráfico inicial (Figura 2).

Em relação às estratégias que constam no protocolo de ações em Cuba (Figura 2), vocês podem nos detalhar os cenários de intervenções a que fazem referência?

Sim, em Cuba nós apostamos, para o controle de epidemias, em algumas medidas centrais.

Primeiramente, busca ativa por casos, o que carrega tarefas intermináveis: pesquisa ativa, informações autodeclaradas, e tantas outras. Vale lembrar que em Cuba não nos sentamos em um consultório ou em um hospital esperando que nos chegue um caso. Vamos às casas das pessoas para procurá-las, e isso é um conceito importante em nossa filosofia. Por que buscar os casos? Porque essa doença tem um alto percentual de assintomáticos, por isso é muito importante “buscar, buscar e buscar”.

Em segundo lugar, o isolamento oportuno. Aqui todo mundo que tem de se isolar, se isola. Se esteve em contato com o vírus, pode estar em casa ou no Centro de Saúde, se isola com um protocolo muito rigoroso de isolamento.

Terceiro, cuidado precoce e oportuno. Isso se expressa em uma escala de ações em que temos como eixo de intervenção uma ‘filosofia na qual buscamos que as pessoas não adoeçam; se adoecerem, que não se agravem; e, se agravarem, não morram’! Esse pensamento é que nos guia, por exemplo, para o tratamento das pessoas mais vulneráveis – idosos em casas de repouso, pessoas com deficiências e portadores de sofrimento mental grave. Utilizamos muitas das medidas sociossanitárias e epidemiológicas aqui referidas, mas, também, a utilização de medicamentos inovadores que têm apresentado resultados positivos – objeto de rigorosos estudos científicos – no que se refere à prevenção das enfermidades e/ou desenvolvimento de quadros moderados, graves e críticos.

E, por fim, uma medida de grande importância – e, mais do que isso, fundamental – faz menção à participação ativa, consciente e responsável de toda a comunidade. Comunidades essas que são a origem, o meio e o propósito, em última instância, de todas as ações de saúde.

Em síntese: pesquisa ativa, isolamento oportuno, tratamento precoce e oportuno, e participação da comunidade constituem o eixo central das intervenções profiláticas, terapêuticas e convalescentes que buscamos implementar em Cuba.

Prevenção, tratamento precoce e cuidado com pacientes convalescentes

Em relação às intervenções de prevenção e ao monitoramento de infecções, doenças e complicações, você pode se aprofundar no detalhamento das ações de busca/investigação dos casos e do isolamento?

Em relação à investigação ativa dos casos, desenvolvemos um conjunto abrangente de intervenções por meio de diferentes modalidades de ações.

Uma delas é a pesquisa presencial realizada pelos membros da equipe de Saúde em que os médicos de família e outros médicos, enfermeiros e estudantes de Medicina fazem pesquisa ativa em cada um dos lugares onde há maior complexidade, ou em lugares que já possuem perfis epidemiológicos diferenciados, independentemente do que estiver ocorrendo. Daí vamos de casa em casa buscando pessoas sintomáticas, isolando-as imediatamente e implementando todo o protocolo, quando for o caso.

Existe, também, uma modalidade que é a pesquisa virtual feita por um aplicativo, criado no Centro Infomed do nosso Ministério com colegas da informática. Com esse aplicativo, pelo celular, as pessoas podem inserir seus dados (dados gerais, localização e sintomatologia) e tudo isso aparece nos centros que estão em cada município, em cada província e aqui no Minsap; por consequência, dependendo das características da pessoa, rapidamente uma visita é feita em sua área de Saúde, em sua policlínica e, então, um médico a visita para fazer o diagnóstico. Caso se trate de sintomatologia suspeita de Covid-19, ela é imediatamente isolada.

Essas são as formas usadas para a busca, mas há outra coisa que de alguma forma já comentamos acima: também fazemos uma vigilância epidemiológica, levando em conta a experiência com a Sars e a epidemia de H1N1, na qual, ao detectarmos pessoas que têm quadros respiratórios agudos que, digamos, parecem decorrentes da Covid-19, mas podem ser decorrentes de outros vírus, como o influenza ou sincicial, realiza-se imediatamente um PCR buscando detectar a presença ou não da Covid-19.

A outra ação foi o fechamento das fronteiras. No momento inicial, quando se tomou essa decisão, em meados de março e abril de 2020, as pessoas que ainda estavam chegando no país eram levadas a um centro de Isolamento, colocadas em quarentena, inicialmente de 14 dias – depois passamos para 10 dias – e daí se fazia um PCR e se efetuavam procedimentos posteriores.

Esses procedimentos, cabe destacar, seguem sendo realizados com aqueles que chegam de nossos voos humanitários trazendo pessoal de nossas missões de cooperação no enfrentamento da Covid, que Cuba tem realizado com outros países. Essas são medidas que temos para detectar rapidamente a infecção e, quando for o caso, prevenir a enfermidade.

Isso abrange uma grande quantidade de pessoas procurando não apenas por locais onde há transmissão da doença, mas também por lugares que chamamos de silenciosos [silentes], que são locais onde não há casos e aparentemente não há nenhuma complexidade epidemiológica.

Em relação ao isolamento de contatos suspeitos e casos confirmados – que ocorrem lado a lado com a busca de casos –, julgamos importante aprofundar essa reflexão destacando que, quando necessário, tomamos um conjunto de medidas muito rigorosas do ponto de vista da restrição. Apostamos em um rigoroso isolamento com pessoas suspeitas, ou seja, aquelas que têm algum sintoma da doença. Além disso, se existe algum aspecto epidemiológico relevante, também são isoladas.

Com essas pessoas fazemos estudos epidemiológicos de cada caso suspeito e de cada caso confirmado, e isolamos todos os contatos, de primeira e segunda ordem, que tiveram relacionamentos nos últimos 15 dias – o que é feito imediatamente. Nessas pessoas, em determinado momento, realiza-se o PCR para determinar se elas estão infectadas ou não. Se foram infectadas passamos ao protocolo diário dos casos confirmados; se não foram infectadas, seguem para suas comunidades, mas com um pedido de quarentena em casa; daí é realizado o ingresso no domicílio onde passam a ser acompanhadas pelos médicos de família.

Considerando as polêmicas que surgiram a respeito do tratamento no mundo, como tem sido a experiência no uso de biofármacos como apoio às ações preventivas e assistenciais na pandemia de Covid-19?

Levando em conta o desenvolvimento da indústria biofarmacêutica cubana, viemos realizando um programa de investigações – sob coordenação do Minsap e participação das indústrias farmacêuticas cubanas – e intervenções utilizando medicamentos produzidos, na maioria das vezes, em Cuba. Esse programa engloba todas as etapas da doença e aquelas que antecedem a doença, como também o manejo dos convalescentes objetivando mitigar as sequelas que podem resultar da enfermidade. Com isso, buscamos estudar, e não apenas estudar, mas fazer o uso oportuno de diferentes medicamentos quando se fizerem necessários.

Essas intervenções, que julgamos decisivas, ocorreram desde muito cedo, em 3 de abril, quando iniciamos uma intervenção preventiva com o uso de uma droga cubana, um imunomodulador chamado Biomodulina, que aplicamos em 12 doses a todos os idosos, adultos maiores que vivem em Casas de Idosos e em pessoas portadoras de necessidades especiais em Centros Psicopedagógicos. Aplicamos também em todos os pacientes psiquiátricos de Cuba. Todos esses são grupos de especial vulnerabilidade. Cabe, ainda, mencionar que temos buscado proteger crianças imunodeficientes portadoras de enfermidades com bons resultados. Utilizamos o Fator de Transferência que é um medicamento imunopotencializador. Temos de lhes dizer que até o momento (agosto de 2020) não tivemos nenhum caso positivo e nenhum óbito no grupo acima mencionado, no qual aplicamos a Biomodulina.

Vale destacar, também, que com o transcorrer do tempo, na medida em que íamos ampliando o nosso conhecimento sobre a patologia, sobre a enfermidade em seus distintos estágios, viemos aprofundando nossas investigações sobre a utilização, as indicações e contraindicações dos medicamentos mencionados. Na verdade, estamos, o tempo todo, aperfeiçoando nosso protocolo clínico na medida em que as evidências científicas se consolidam. Recentemente, por exemplo, nós atualizamos as classificações dos contaminados, estabelecendo maior precisão nas caracterizações e, consequentemente, readequando os protocolos clínicos. Do mesmo modo, tomando as evidências que indicam a eficácia e/ou os riscos de uma droga, quando é o caso, nós descartamos alguns medicamentos, como, por exemplo, a Cloroquina e a Ivermectina, e investimos em outros, como a Itolizumab, Heberferón/Heberón e Jus-vinza.

Após alta hospitalar, o que tem sido feito para reduzir as consequências/sequelas que permanecem? Qual acompanhamento o sistema de saúde cubano dedica aos convalescentes?

Pesquisas e estudos clínicos de diferentes países, Cuba incluso, ratificam a permanência de sequelas naqueles que se contagiaram, cuja magnitude, complexidade e prevalência ao longo do tempo ainda não se conhece com precisão.

Em nossas investigações estamos observando que as sequelas podem aparecer independentemente da idade, sexo, cor da pele e estado de evolução da doença, embora nos primeiros relatos fossem mais frequentemente associados aos pacientes graves e/ou críticos. E, entre as várias complicações detectadas até agora, os resultados preliminares das pesquisas em andamento mostram que o mais comum tem sido o dano pulmonar. Entre as consequências neurológicas, as mais persistentes são dor de cabeça, falta de paladar e olfato; e em alguns pacientes um estado inflamatório subclínico, bem como danos no fígado e no coração, que também se desenvolveram. Enquanto as análises desenvolvidas em referência à esfera psicossocial mostram que as manifestações sintomáticas de ansiedade e/ou depressão são as mais comuns, com presença em 52% dos casos estudados.

Então, tentar diminuir esses efeitos e melhorar a qualidade de vida dessas pessoas tem sido um dos principais desafios assumidos no tratamento cubano, que inclui a vigilância na comunidade, o apoio psicológico, a reabilitação, a terapia regenerativa e o acompanhamento por diversas especialidades.

No meio desse processo, o consultório do médico e o enfermeiro da família não apenas são a espinha dorsal de todo enfrentamento à Covid-19, como também são centrais no cuidado dos pacientes convalescentes. Quando os pacientes Covid-19 recebem alta, eles têm um acompanhamento de Atenção Primária (AP) nos 14 dias subsequentes e, em seguida, recebem um RT-PCR para obter, ou não, uma “alta epidemiológica” – e isso recai sobre policlínicas locais e sobre os médicos e enfermeiras da família. Em Cuba, conhecer o estado de saúde e a evolução dos convalescentes é uma prioridade para que sua reintegração à vida cotidiana ocorra de maneira “mais natural possível”.

Todas as ações – nunca é demais reiterar – caminham lado a lado com as pesquisas científicas que demonstram os bons resultados para melhoria da qualidade de vida dos convalescentes. E alguns dos nossos resultados já jogam luz nesse processo: evidências derivadas de estudos científicos mostram que em Cuba estamos alcançando um índice de recuperação de pacientes infectados com Covid-19 significativamente superior à média global.

Atenção Primária à Saúde

Como o sistema de saúde tem respondido, nos seus diferentes níveis de atenção, aos desafios sociossanitários da pandemia? Qual o papel que a rede de Atenção Básica tem cumprido?

Cuba conta com um sistema de saúde em que ocorre uma profunda e orgânica articulação entre os diferentes níveis de atenção, em que os níveis secundários, terciários e quaternários cumprem um papel de extrema importância no enfrentamento à pandemia. O que não significa, pelo contrário, que a APS tenha deixado de constituir a espinha dorsal do sistema de prevenção e Atenção à Saúde, como já foi mencionado nas perguntas anteriores. E, mais do que isso, constituiu desde o início a barreira principal e a linha de frente no enfrentamento da pandemia da Covid-19 – seja na detecção de infecções e casos, seja no tratamento prévio, durante e após a enfermidade.

Esse nível tem sido de particular importância na pandemia devido ao fato, entre outros, de que ele consiste em um subsistema muito consolidado e o locus por excelência da triagem, tratamento, comunicação, educação e articulação com as comunidades a quem serve. Um sistema que permite, portanto, que equipamentos de AB estejam preparados para incorporar novas ações em suas rotinas diárias. Uma unidade de saúde na AP, que tem por praxe realizar visitas domiciliares nas quais trabalhadores e equipe conhecem, muitas vezes há anos, a comunidade, logra facilmente, por exemplo, transformar essas visitas na ferramenta de vigilância mais importante desde os primeiros dias – a já mencionada detecção ativa – e permite buscas, acompanhamento e apoio diário a 100% da nossa população, domicílio por domicílio. Um trabalho que, cabe notar, vem contando com o apoio ativo e importante de mais de 28 mil estudantes da área da Saúde que se somaram aos esforços que vêm sendo efetuados por médicos e enfermeiros da família.

A importância de todo esse processo de detecção ativa no nível da AP é para que os hospitais sejam reservados para aqueles pacientes que realmente precisam deles: para que os pacientes com Covid-19 tenham o leito de UTI que precisam e a atenção para qualquer complicação que possam apresentar. Agravos outros, a exemplo do que ocorre com problemas respiratórios agudos que não são provocados pela Covid-19, seguem em sua maioria sendo atendidos na rede básica evitando a sobrecarga do sistema de cuidados de nível secundário e terciário22 Aguilar T, Reed G. Mobilizing. Primary Health Care: Cuba’s powerful weapon against COVID-19. MEDICC Rev [Internet]. 2020 [citado 10 Maio 2020]; 22(2):53-7. Disponível em: http://mediccreview.org/mobilizing-primary-health-care:-cuba’s-powerful-weapon-against-covid-19
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Situação e participação das mulheres na pandemia

No Brasil, as mulheres constituem a maioria entre os profissionais de saúde, e ainda cumprem – como tradicionalmente em nossas sociedades – o papel de cuidadoras, independentemente do trabalho formal que realizam. No enfrentamento da Covid-19 isso pareceu se agravar. Você poderia comentar sobre como isso afeta suas vidas neste momento?

Dra. Soraya Sanchéz: Aqui em Cuba as mulheres também são uma maioria na área da Saúde. Saem de suas casas para trabalhar e compor a renda familiar, envolvendo-se desde a AP até os demais níveis de atenção e programas de cuidados. Então, como elas estão em distintos serviços – policlínicas e centros de isolamento, por exemplo –, as famílias as apoiam assumindo as atividades da casa e as desobrigando do serviço doméstico.

É o que nos permite, por exemplo, ficar até 14 dias em centros de isolamento, pois sempre sabemos que podemos contar com o apoio de nossas famílias. Não ficamos sobrecarregadas, pois não há o sentido de achar que a carga de uma família deveria ser somente da mulher. A sociedade cubana compreende bem que ela é mais do que uma cuidadora da sua prole, ela é uma profissional e cuidar das pessoas está como missão em todos os espaços familiares, comunitários, incluindo dos hospitais à AP.

Na vida estruturada na matriz patriarcal, o confinamento ao lar fez com que o isolamento social e escolas fechadas aumentassem a sobrecarga no trabalho feminino no sentido das triplas jornadas de trabalho, tarefas domésticas e maternidade? Como as mulheres cubanas experimentaram essa situação?

Drª. Soraya Sánchez: Por ter a oportunidade, entre outras, de vivenciar parte da realidade do seu país como médica internacionalista, vi que no Brasil muitas mulheres não tiveram oportunidade de estudar e ficam em casa muito ligadas à maternidade. Ao mesmo tempo, quando têm oportunidade, vão trabalhar em coisas que possam fazer dentro de casa. Há uma fato muito importante na forma de valorizar a mulher, a naturalização de um imaginário social de que está tudo bem para a mulher ser a que cuida, e quando todos se convencem disso se gera uma grande conta nesse imaginário social. Assim, colocou-se historicamente a mulher para cuidar da família e aboliram-se suas oportunidades de fazer coisas fora disso.

Eu tive a oportunidade de trabalhar em Pernambuco, em uma cidade pequena no interior do estado, e pude ver como isso acontece com base nesse lugar. É somente quando temos a realidade gravada na pele que abrimos os olhos para ver a realidade do que acontece com as mulheres no dia a dia.

É ela que tem de cuidar do bebezinho que adoece, tem de cuidar dos velhinhos quando adoecem. Tem de cuidar de todo mundo que adoece, claro, pois é fazendo isso que ela expressa seu valor na sociedade; não porque quer que aconteça assim, mas porque sempre foi assim e ela não consegue firmar um lugar sem reproduzir isso. Então, o que tem de mudar é este pensamento de que a mulher é a única que tem essa responsabilidade, mas tais mudanças dão muito trabalho. Ela nos custa muito e dá muito trabalho. Se você pensa somente no agora, no dia de hoje, não percebe que a mudança possa dar resultado. Não é algo instantâneo, é um trabalho que vai de pouco a pouco e que precisa investimento em longo prazo.

Aqui em Cuba, nossa Cuba, a mulher está quase liberada. Está mais emancipada e pensando um pouco mais consciente sobre sua participação na economia, então não se torna tão dependente da economia doméstica e do marido, entende? É uma questão de construção social e de como vamos olhando a questão do poder e a maneira de abrir espaço para a participação da mulher. Aqui em Cuba, historicamente, construímos oportunidades para a mulher ser um ser social diferente. Fomos capazes de construir outras interpretações da vida da mulher na sociedade.

Agora, é claro que uma sociedade capitalista, uma sociedade de classe, uma sociedade que talvez não valorize o lugar da mulher como um ser social independente, limita suas ações profissionais, não dá apoio à construção desse novo lugar. Assim, vai ficando e deixando a mulher mais pobre, porque ela não teve a capacidade de compreender como pode se movimentar para sair deste ciclo vicioso de estar somente na família, sendo a responsável pelo cuidado da família, restringindo tudo à família. Aqui é diferente, pois desde o começo nós temos outras oportunidades.

Considerações finais

Os resultados obtidos por Cuba no enfrentamento da pandemia de Covid-19 não são um ponto fora da curva na história sanitária do país. Cuba é reconhecida pelos resultados do seu sistema de saúde, fortemente articulado com outras políticas públicas. No entanto, outros países ocidentais com sistemas de saúde também reconhecidos internacionalmente não lograram a mesma eficácia, ou demoraram mais para definir e consolidar as ações mais importantes. Este pequeno estudo com os dirigentes do sistema de saúde cubano é suficiente para demonstrar a “robustez” – como referido por um dos entrevistados – do sistema cubano, tanto no que diz respeito à abrangência, à capilaridade e à capacidade técnica, quanto também no que diz respeito à capacidade de disparar, desde antes da chegada da doença à ilha, ações multidimensionais no enfrentamento da pandemia. Enquanto muitos países têm dificuldade de realizar uma ou duas estratégias, Cuba articulou, desde o início, o rastreamento, o isolamento, a pesquisa de tratamentos, a atenção hospitalar, a pesquisa de vacinas e o cuidado com os convalescentes. Cuba não desconsiderou nenhum recurso do sistema de saúde e não desprezou nenhuma possibilidade de desenvolvimento de ações.

Outro aspecto muito destacado na entrevista é a AP. Cientificamente essa não é uma novidade. Está consolidado na literatura que os sistemas de saúde com caráter público têm melhores resultados, e que aqueles com AP mais forte são melhores. No entanto, considerando que países que têm uma AP significativa não souberam aproveitá-la minimamente, o exemplo de Cuba se destaca. Muitos países fecharam seus serviços de AP, concentrando-se na atenção hospitalar. Não em Cuba. E, embora esse tema mereça ser aprofundado, precisamos considerar a hipótese de que não basta existir AP e não basta existir sistema público; é preciso que esse sistema tenha protagonismo e condições políticas de apontar os caminhos do país em momento de crise. Em certa medida, sugerimos que estudos futuros de sistemas comparados de saúde venham a tomar a pandemia como um bom analisador.

Feitas essas ponderações, reafirmamos que não nos foi possível trazer e aprofundar algumas dimensões relevantes da resposta cubana à pandemia, e que nos permitiria ampliar a visão do que discutimos. Mencionando a solidariedade internacional, Cuba tem apoiado outros países, inclusive nações ricas, enviando brigadas de saúde e outros aportes. Outros aspectos, o processo de divulgação dos dados e medidas realizadas; processos de capacitação de profissionais da saúde; participação social e envolvimento dos estudantes da área de Saúde no enfrentamento da pandemia.

A essas medidas, assim como as que relatamos anteriormente, devemos acrescentar, por sua atualidade, sua importância e seus princípios ético-políticos que a sustentam, aspectos referentes a produção, oferta e utilização de vacinas contra a Covid-19, como também estratégia de enfrentamento da pandemia. Comentar esse processo consubstancia o que viemos expondo e refletindo neste texto.

Cuba conta com quatro vacinas em estágio de estudos clínicos contra a Covid-19, denominadas Soberana 01, Soberana 02, Abdala e Mambisa, sendo o primeiro “candidato da América Latina e do Caribe a ter uma vacina em estudos na fase clínica” como afirma o representante da OPAS/OMS José Moya33 domTotal. Cuba avança em estudos de vacina e espera produzir 100 milhões de doses [Internet]. Belo Horizonte: domTotal; 2021 [citado 25 Fev 2021]. Disponível em: https://domtotal.com/noticia/1494898/2021/01/cuba-avanca-em-estudos-de-vacina-e-espera-produzir-100-milhoes-de-doses/
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. Ele pontua que: “Cuba tem mais de 30 anos de experiência na produção de suas próprias vacinas e quase 80% das vacinas do programa nacional de imunização são produzidas no país”33 domTotal. Cuba avança em estudos de vacina e espera produzir 100 milhões de doses [Internet]. Belo Horizonte: domTotal; 2021 [citado 25 Fev 2021]. Disponível em: https://domtotal.com/noticia/1494898/2021/01/cuba-avanca-em-estudos-de-vacina-e-espera-produzir-100-milhoes-de-doses/
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. Essa produção reflete um componente do Sistema de Saúde Cubano – comentado anteriormente em alguns de seus aspectos – que faz menção a uma estratégia de priorização, pelo Estado cubano, do desenvolvimento de tecnologias para a saúde. Gradativamente, desde os anos 1980, Cuba consolidou plataforma científico-tecnológica que resultou, entre outras, no desenvolvimento de um conjunto de vacinas para o seu programa de imunização44 Moya J. Uma perspectiva da OPAS sobre Covid-19 em Cuba [entrevista a Gail A. Reed]. MEDICC Rev. 2020; 22(4):20-3. Doi: https://doi.org/10.37757/MR2020.V22.N4.12.
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Essa plataforma se integra à rede de serviços de saúde, a universidades e centros de pesquisa e conta com mais de 32 empresas, oitenta linhas de produção, 21 unidades de ciência e tecnologia e mais de vinte mil trabalhadores, distribuídos em todas as províncias, o que constitui um fator de redução de desigualdades regionais. Evidenciando resultados desse projeto sanitário, econômico e social, mencionamos que o país possui mais de 2.500 patentes e responde, igualmente, por 60% da lista básica de medicamentos do Sistema Nacional de Saúde. Essa produção contribui para a qualificação da cooperação internacional com mais de cinquenta países.

No que se refere à Soberana 2, cujos estudos clínicos de fase 3 se iniciaram em março de 2021, pretende-se, como as demais vacinas, contribuir para o enfrentamento da pandemia em Cuba e em outros países, em especial aqueles que estejam fora do eixo de países que concentram a riqueza advinda da produção privada de produtos da saúde. É política oficial do país buscar fortalecer o sistema OPAS/OMS, sendo a vacina oferecida como bem público fortalecendo os instrumentos multilaterais da Saúde Global.

Nesse contexto, observa-se que Cuba é o primeiro país da América Latina a responder integralmente à Declaração Pública no Desenvolvimento da Vacina para Covid-1955 World Health Organization. Seventy-third world health assembly [Internet]. Geneva: WHO; 2020 [citado 25 Fev 2021]. Disponível em: https://www.who.int/about/governance/world-health-assembly/seventy-third-world-health-assembly
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. Ao não priorizar aspectos mercadológicos da produção das vacinas e oferecê-la como bem à humanidade, Cuba reafirma sua postura histórica de solidariedade, em consonância com aquilo que preconiza com outros países em fóruns internacionais e resoluções, como as Assembleias da OMS e da ONU66 Buss PM, Alcazar S, Galvão LA. Pandemia pela Covid-19 e multilateralismo: reflexões a meio do caminho. Estud Av. 2020; 34(99):45-64.,77 ONU News. Resolução da Assembleia Geral quer acesso global a material de combate à covid-19 [Internet]. Organização das Nações Unidas; 2020 [citado 25 Fev 2021]. Disponível em: https://news.un.org/pt/story/2020/04/1711112
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Cabe por último notar obstáculos advindos, entre outros, da fragilidade dos mecanismos de cooperação entre os países no continente americano no enfrentamento à pandemia. Situação essa que explica, em parte, o fato de que para a realização de estudos clínicos de fase 3, que exigem um número maior de pessoas a serem incluídas e uma situação epidemiológica de alta transmissão para encurtar os prazos de investigação, Cuba tenha tido que recorrer a países fora do continente para a realização dos testes. Chama aqui a atenção, nesse contexto, o completo distanciamento do Brasil desses esforços de cooperação científica e integração regional em uma postura que o diferencia não apenas de Cuba, mas também de países como México, Argentina e Costa Rica, que têm buscado coordenar um esforço conjunto visando ao desenvolvimento e à oferta de vacinas para a Covid-19.

Entendemos que o desenvolvimento e a provisão de vacinas por países latino-americanos, como a Soberana 2, merece ser acompanhada com atenção. Além de fortalecer mecanismos de consolidação de um sistema de Saúde Pública regional, em médio e longo prazos, poderá se constituir em alternativa aos países de baixa e média renda que apresentam dificuldade de acesso às ofertas das grandes farmacêuticas, ou insuficientemente cobertos pela iniciativa ‘COVAX facility’ da OMS.

Agradecimentos

Ao Ministério de Saúde Pública da República de Cuba e à Embaixada de Cuba no Brasil pelos contatos, estrutura para videoconferências e envio de dados

  • Carvalho SR, Padilha ARS, Oliveira CF, Paschoalotte LM, Cunha GT. Sistemas públicos universais de saúde e a experiência cubana em face da pandemia de Covid-19. Interface (Botucatu). 2021; 25: e210145 https://doi.org/10.1590/interface.210145

Referências

Editado por

Editor
Antonio Pithon Cyrino
Editor associado
Pedro Paulo Gomes Pereira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    12 Mar 2021
  • Aceito
    23 Mar 2021
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