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Distância espacial, distância social: relações entre distintas categorias sociais na sociedade brasileira em tempos de COVID-19

Resumo

Considerado como uma das formas de servidão atuais, o trabalho doméstico ganha destaque com a grande demanda por cuidados de crianças e idosos, reconhecido como serviço essencial durante a pandemia de COVID-19. Poucas categorias foram tão afetadas pela crise sanitária e social associada à COVID-19, devido à sua situação precária - trabalhista, salarial, exposição e vulnerabilidade - face à pandemia. A partir de dados etnográficos de pesquisa doutoral realizada em 2011 de uma rede de babás, que por vezes atuavam como trabalhadoras domésticas e em diálogo com a literatura da teoria do care, discute-se como as experiências de distância social foram amplificadas pela pandemia de COVID-19 e atualizam as dinâmicas que operam nas relações entre distintas categorias sociais na sociedade brasileira, antevendo o que poderá ser um novo elemento na sociabilidade existente. Como conclusão, discutimos as chamadas culturas de servidão, destacando que, nesses casos, a servidão não implica rigidez, mas sim plasticidade. O que faz com que o afeto se transforme numa commodity que valoriza as trabalhadoras domésticas oriundas da América Latina, diferenciadamente no mercado de trabalho, onde essa característica é uma vantagem comparativa que dinamiza o mercado de afetos.

Palavras-chave:
Desigualdades sociais; Trabalho feminino; Distância social; Covid-19; Servidão

Abstract

One of the current forms of servitude, domestic work is highlighted by the high demand for children and elderly care, recognized as an essential service during the COVID-19 pandemic. Few categories have been so affected by the health and social crisis associated with COVID-19 due to its insecurity - labor, wages, exposure, and vulnerability - in the face of the pandemic. Based on ethnographic data from doctoral research carried out in 2011 on a network of nannies, who sometimes acted as domestic workers, and in dialogue with the care theory literature, we discuss how the experiences of social distancing were expanded by the COVID-19 pandemic and update the dynamics that operate in the relationships between different social categories in Brazilian society, foreseeing what may be a new element in the existing social interaction. In conclusion, we discuss the so-called cultures of servitude, highlighting that, in these cases, servitude does not imply rigidity, but plasticity, which makes affection become a commodity that values Latin American domestic workers differently in the labor market, where this characteristic is a comparative advantage that boosts the affection market.

Key words:
Social inequalities; Female work; Social distancing; COVID-19; Servitude

Introdução

Teria ela a sensação de que vivia para nada? Nem posso saber, mas acho que não. Só uma vez se fez uma trágica pergunta: quem sou eu. Assustou-se tanto que parou completamente de pensar. (Clarice Lispector, A Hora da Estrela, p.32).

Trabalhar na casa de alguém é uma das ocupações mais antigas que se tem registro e sua origem apoia-se no trabalho escravo assim como nas inúmeras formas de servidão11 Gasda É. Tráfico de pessoas na sagrada escritura. REMHU 2013; 21(41):189-203., apoiando a tese que assim forjaram-se culturas da servidão22 Ray R, Qayum S. Cultures of servitude: modernity, domesticity, and class in India. Stanford, California: Stanford University Press; 2009., com traços específicos, segundo a história de cada região onde se observa a sua existência, assim como são também diversos os caminhos através dos quais chegaram ao mundo contemporâneo. Historicamente, o trabalho doméstico articula duas clivagens principais: raça/ etnia - que constituem o núcleo da servidão; e gênero, com a designação, tanto das tarefas domésticas quanto as de cuidado, predominantemente às mulheres. No caso da América Latina e Caribe, muitas das pessoas vinculadas ao setor do serviço doméstico são, em sua grande maioria, mulheres afrodescendentes e indígenas. Parte importante da desigualdade na região se sustenta com base nesse mercado de trabalho segmentado33 Trabalho Doméstico (OIT Brasília) [Internet]. [acessado 2020 set 30]. Disponível em: https://www.ilo.org/brasilia/temas/trabalho-domestico/lang--pt/index.htm.
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. Do ponto de vista quantitativo, os números são eloquentes: entre 11 e 18 milhões de pessoas se dedicam ao trabalho doméstico remunerado na América Latina e no Caribe, das quais 93% são mulheres44 Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL). Trabalhadoras domésticas remuneradas na América Latina e no Caribe frente à crise do COVID-19. Brasília: OIT; 2020.! Se por um lado, o trabalho doméstico responde por 10,5% a 14,3% dos empregos das mulheres na região, por outro, os rendimentos das trabalhadoras domésticas são iguais ou inferiores ao 50% da média de todas as pessoas ocupadas. Mais de 75% dessas trabalhadoras estão na informalidade55 Vieceli CP. Entre a perda do emprego e o risco de contaminação: trabalhadoras domésticas remuneradas e a pandemia de Covid-19 [Internet]. 2020 [acessado 2020 out 17]. Disponível em: http://abet-trabalho.org.br/entre-a-perda-do-emprego-e-o-risco-de-contaminacao-trabalhadoras-domesticas-remuneradas-e-a-pandemia-de-covid-19/.
http://abet-trabalho.org.br/entre-a-perd...
; 17,2% são migrantes, sendo que 73,4% do total de empregadas são mulheres. Segundo censo realizado na região em 2010, pela OIT, em oito países, 63% das pessoas que prestavam trabalho doméstico eram afrodescendentes33 Trabalho Doméstico (OIT Brasília) [Internet]. [acessado 2020 set 30]. Disponível em: https://www.ilo.org/brasilia/temas/trabalho-domestico/lang--pt/index.htm.
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. Existe ainda um outro aspecto importante, que não será desenvolvido no presente artigo, são as chamadas “cadeias globais de cuidado”66 Hochschild AR. As cadeias de assistência e a mais-valia emocional. In: Hutton W, Giddens A, organizadores. No limite da racionalidade: convivendo com o capitalismo global. Rio de Janeiro: Record; 2004. p. 187-210. que são movimentos de mulheres de zonas mais pobres, para cidades ou países, configurando verdadeiros corredores migratórios vinculados ao trabalho doméstico - no interior de regiões inteiras e países de determinadas regiões77 Hondagneu-Sotelo P, Avila E. "I'M HERE, BUT I'M THERE": The Meanings of Latina Transnational Motherhood. Gender Soc 1997; 11(5):548-571.

8 Hondagneu-Sotelo P. Doméstica: immigrant workers cleaning and caring in the shadows of affluence. Berkeley: University of California Press; 2007.

9 Le Petitcorps C. Le service domestique comme rapport social. Subjectivités au travail, emplois à domicile et migrations féminines en France. Recherches Féministes 2018; 31(2):197-214.
-1010 Dutra D. Migração internacional e trabalho doméstico: mulheres peruanas em Brasília. Brasília, Sorocaba: CSEM - OJM; 2013.. Considerado por alguns estudos e relatórios1111 Zarembka JM. America's Dirty Work: migrant maids and modern-day slavery. In: Ehrenreich B, Hochschild AR, organizadores. Global woman: nannies, maids, and sex workers in the new economy. New York: Holt Paperbacks; 2003.

12 Domestic Workers United. Home Is Where the Work Is: Inside New York's Domestic Work Industry [Internet]. New York; 2006 [acessado 2020 out 16]. Disponível em: http://www.datacenter.org/reports/homeiswheretheworkis.pdf.
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-1313 Asia Pacific Forum on Women Migrant Workers in Asia. The New Slave in the Kitchen: Debt Bondage and Women Migrant Domestic Workers in Asia [Internet]. Thailand: Asia Pacific Forum on Women, Law and Development (APWLD); 2011 [acessado 2020 out 17]. Disponível em: http://un-act.org/wp-content/uploads/2016/04/The-New-Slave-in-the-Kitchen.pdf.
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como uma das formas de escravidão contemporânea, o trabalho doméstico ganha peso específico por conta da grande demanda por cuidados tanto de crianças quanto de idosos, muito especialmente durante a pandemia de COVID-19.

No caso do Brasil, ao final de 2019 a categoria de trabalhadores domésticos, supera os 6 milhões - maior número desde 20121414 Avelino M. Brasil tem recorde de trabalhadores domésticos: seis milhões [Internet]. Doméstica Legal; 2020 [acessado 2020 set 29]. Disponível em: https://www.domesticalegal.com.br/brasil-tem-recorde-de-trabalhadores-domesticos-seis-milhoes/.
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- sendo formada, segundo estimativas, por 93% de mulheres, em sua maioria, afrodescendentes, sem carteira assinada e na maior parte das vezes as únicas provedoras de sua própria família. Desde 2016 o total de domésticas com carteira diminuiu 11,2% e as sem carteira subiu 7,3%1515 Elias J. Número de domésticas bate recorde, mas é o menor com carteira desde 2012 [Internet]. 2019 [acessado 2020 set 29]. Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2019/02/08/empregada-domestica-recorde-sem-carteira-assinada.htm.
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Levando em consideração o número de trabalhadoras domésticas no Brasil, relativamente ao da América Latina e Caribe, elas representam entre 54% e 33% do total da região. Sem dúvida um número expressivo, sob qualquer consideração, em especial quando sabemos das características de nossa desigualdade social1616 Medeiros M, Souza PHGF, Castro FÁ. The stability of income inequality in Brazil, 2006-2012: an estimate using income tax data and household surveys. Cien Saude Colet 2015; 20(4):971-986. e suas várias dimensões1717 Scalon C. Imagens da desigualdade. In: Starling H, organizador. Humanitas. Belo Horizonte, Rio de Janeiro: Editora UFMG/IUPERJ/FAPERJ; 2004., com segregações e clivagens de participação e vinculação no mercado de trabalho1818 Souza J. Ralé brasileira: quem é, como vive? Belo Horizonte: Editora UFMG; 2009.,1919 Souza J. Os batalhadores brasileiros: nova classe média ou nova classe trabalhadora? Belo Horizonte: Editora UFMG; 2012.; educacionais2020 Hasenbalg C, Silva NV. Raça e oportunidades educacionais no Brasil. In: Silva NV, Haselbalg C, organizadores. Relações raciais no Brasil. Rio de Janeiro: Rio Fundo Editora; 1992. p. 79-100.; de cor2121 Silva NV. Updating the cost of not being white in Brazil. In: Fontaine P-M, organizador. Race, class and power in Brazil. Los Angeles: Center for Afro-American Studies University of California; 1985. p. 43-55.; de gênero2222 Scalon C, Salata A. Desigualdades, estratificação e justiça social. Civitas 2016; 16(2):179.; e opção afetiva2323 Silveira LMB. "Inocência" e "amor ban(d)ido": histórias afetivo-sexuais entre jovens de camadas sociais distintas. In: Juventude contemporânea: cultura, gostos e carreiras. Rio de Janeiro: 7Letras, Museu Nacional, UFRJ, PPGAS; 2010. p. 139-152.,2424 Heilborn ML. Dois é par: gênero e identidade sexual em contexto igualitário. Lemos MAB, organizador. Sexualidade, gênero e sociedade, homosexualidade e cultura. Rio de Janeiro: Editora Garamond; 2004.; com processos sociais que contrapõe indivíduo e pessoa2525 DaMatta R. Brasil: Uma Nação em Mudança e uma Sociedade Imutável? Estud Hist 1988; 1(2):204-219.; com modernismos e arcaísmos que convivem e que estão em constante movimento relativo de confronto e complementação, a chamada coalizão societal brasileira permanece como uma esfinge que nos desafia com formulações que se atualizam2626 Velho G. O patrão e as empregadas domésticas. SPP 2012; 69:13-30.,2727 Fraga AB. O serviço doméstico sob os holofotes públicos: alterações na articulação entre trabalho produtivo e reprodutivo no Brasil (Estado, mercado e família) [tese]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2016..

Dada sua importância regional e mundial, o Brasil tem despertado, em inúmeros intelectuais e pesquisadores, interpretações e tentativas de compreensão e apreensão do conjunto de sua dinâmica social, política e econômica que oferece riquíssimo material de reflexão2828 Leão SC. A morte e o morrer. J Bras Med 1999; 77(1):138-141., ainda mais considerando o período atual da pandemia de COVID-19. Objeto de estudos e reflexões de longa data2929 Souza JF-A. Paid Domestic Service in Brazil. Lat Am Perspectives 1980; 7(1):35-63., poucas categorias socioprofissionais têm o grau de relevância de seu trabalho como a das trabalhadoras domésticas, e poucas também estão sendo tão afetadas devido à crise sanitária e social associada à COVID-19, em especial devida à sua precária situação trabalhista, baixos salários, desproteção e grande vulnerabilidade face à pandemia44 Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL). Trabalhadoras domésticas remuneradas na América Latina e no Caribe frente à crise do COVID-19. Brasília: OIT; 2020.,55 Vieceli CP. Entre a perda do emprego e o risco de contaminação: trabalhadoras domésticas remuneradas e a pandemia de Covid-19 [Internet]. 2020 [acessado 2020 out 17]. Disponível em: http://abet-trabalho.org.br/entre-a-perda-do-emprego-e-o-risco-de-contaminacao-trabalhadoras-domesticas-remuneradas-e-a-pandemia-de-covid-19/.
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,3030 Pinheiro L, Tokarski C, Vasconcelos M. Vulnerabilidades das trabalhadoras domésticas no contexto da pandemia de COVID-19 no Brasil. Brasília: Ipea; 2020..

Por longas décadas, a chamada coalizão societal brasileira ocupou cientistas sociais de todos os credos3131 Oliven RG. Cultura brasileira e identidade nacional (o eterno retorno). In: O que ler na ciência social brasileira - 1970/2002, vol IV. São Paulo: Editora Sumaré; 2002. p. 15-43.. Na busca por uma explicação que desse sentido ao nosso arranjo social e as origens de sua disfuncionalidade, especialmente as de distribuição de renda3232 Cardoso A. A construção da sociedade do trabalho no Brasil: uma investigação sobre a persistência secular das desigualdades. Rio de Janeiro: FGV, FAPERJ; 2010. analisavam-se ora as origens luso-imperiais, tupis e africanas3333 Freyre G. Casa-grande & senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. 48ª ed. São Paulo: Global; 2003.

34 Freyre G. Sobrados e mucambos: decadência do patriarcado rural e desenvolvimento do urbano. 14a ed. revist. São Paulo: Global; 2003.

35 Holanda SB. Raízes do Brasil. 26ª ed. São Paulo: Companhia das Letras; 1995.
-3636 Ribeiro D. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. Estudos de Antropologia da Civilização. 2ª ed. São Paulo: Companhia das Letras; 1995., ora o conservadorismo das elites nacionais3737 Prado Júnior C. Formação do Brasil contemporâneo: colônia. 23ª ed. São Paulo: Brasiliense; 2007.,3838 Faoro R. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. 3ª ed. revist. São Paulo: Editora Globo; 2001., ora a (des)organização econômica e a inanição institucional3939 Furtado C. O mito do desenvolvimento econômico. 6ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1983.,4040 Furtado C. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras; 2007., ora como o resultado de um fenômeno de modernização seletiva4141 Souza J. A gramática social da desigualdade brasileira. Rev Br Cien Soc 2004; 19(54):79-96..

Quais seriam as características marcantes dessa coalizão societal? Uma nação em eterna crise que preserva os fundamentos de uma sociedade com características duplas e quase imutáveis?2525 DaMatta R. Brasil: Uma Nação em Mudança e uma Sociedade Imutável? Estud Hist 1988; 1(2):204-219.,4242 Florestan F. A Revolução Burguesa no Brasil: Ensaios de Interpretação Sociológica. 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora Guanabara; 1987.

43 Botelho A. Passages to the Nation-state: The Costa Pinto's thesis. Lua Nova 2009; 77:147-177.
-4444 Ribeiro CAC. Mobilidade e Estrutura de Classes no Brasil Contemporâneo. Sociologias 2014; 16(37):178-217.. Qual o papel da religiosidade, em especial, a católica e evangélica e da fé?4545 Arenari B. América Latina, pentecostalismo e capitalismo periférico. Civitas 2015; 15(3):514-527.

46 Giumbelli E. A presença do religioso no espaço público: modalidades no Brasil. Relig Soc 2008; 28(2):80-101.

47 Duarte LFD, Heilborn ML, Barros ML, Peixoto C. Família e religião. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria; 2006.
-4848 Heilborn ML, Duarte LFD, Peixoto C, Barros ML. Sexualidade, família e ethos religioso. Rio de Janeiro: Garamond; 2005.. Dessa perspectiva tentaremos oferecer uma reflexão sobre como as experiências de distância física, exigidas pela pandemia da COVID-19, e a distância social atualizam as dinâmicas de invisibilidade social que operam nas relações entre camadas sociais distintas no Brasil, antevendo o que poderá ser um novo elemento na sociabilidade existente. E ainda, dada a importância particular das trabalhadoras domésticas e seu papel marcante no país, especula-se como esse suposto novo elemento se expressaria na sociabilidade contemporânea do Brasil, em especial nas relações entre trabalhadoras domésticas e patrões das famílias brasileiras, analisando alguns pontos de trocas entre esses dois universos sociais.

Método

Revisitando a etnografia “Como se fosse da família”: a relação (in)tensa entre mães e babás

A partir de dados etnográficos de pesquisa doutoral realizada entre os anos de 2007 e 2011 de uma rede de babás, que por vezes também atuavam como trabalhadoras domésticas, em diálogo com a literatura que aborda a temática articulada à teoria do care discutimos a reverberação dos constrangimentos impostos pela pandemia de COVID-19 nas vidas dessas trabalhadoras. Referimo-nos, portanto, a um itinerário de análise crítica do tema que busca relacionar três fontes de dados: a) revisita e reinterpretação de dados etnográficos sobre as representações e práticas de relações constituídas entre mães, crianças, babás e outros atores/trabalhadores domésticos, reunidos numa etnografia dos afetos; b) argumentos teóricos do care; e c) expressões do distanciamento social traduzidas no contexto atual da pandemia de COVID-19. Partimos de uma etnografia concluída em 2011, cujo trabalho de campo aconteceu em dois momentos. No primeiro momento, considerado uma entrada em trabalho de campo, realizou-se uma breve pesquisa no acervo iconográfico de Militão Augusto de Azevedo e Carlos Eugênio Marcondes de Moura no Museu Paulista, transformando-o em um primeiro encontro histórico com as babás do passado - as amas-de-leite escravas. Tratava-se de uma primeira abordagem do tema através do acervo em suas diferentes dimensões: como produtor de conhecimento e no que se refere à interpretação das fotos propriamente ditas. No segundo momento, ao longo de dezessete meses, a observação etnográfica, aliada a outras técnicas como entrevistas em profundidade e conversas informais, teve como principal sítio uma praça situada na Zona Sul do Rio de Janeiro, frequentada por famílias de camadas médias e elites cariocas.

Nove anos se passaram desta etnografia, mas o “tempo compartilhado” nos termos de Fabian4949 Fabian J. A prática etnográfica como compartilhamento do tempo e como objetivação. Mana 2006; 12(2):503-520. nos lembra que pesquisa empírica é feita de observação, de coleta de dados e, acima de tudo, de interação com base na intersubjetividade. Tudo isto é realizado com o tempo compartilhado entre o que vemos e o que escrevemos. Assim, na praça era movida por esse “milagre do olhar” de que fala Simmel5050 Simmel G. The sociology of the senses. In: Frisby DMF, organizador. Simmel on Culture Selected writings. Londres: Sage Publications; 1997.. Olhava quem estava olhando, observava quem estava observando; e era afetada de alguma maneira por algo que também afeta àqueles que estudamos. “Ser afetado”5151 Favret-Saada J. Ser afetado. Cad Campo 2005; 13:155-161., portanto, leva-nos - os pesquisadores - a atravessar longos anos de estudo, de interesse intelectual e de observação empírica de diversas expressões do nosso objeto de estudo no cotidiano, transformando-se (ou permanecendo o mesmo?) culturalmente e historicamente. Defendemos que nem só de transformação ou permanência são constituídas as experiências societais; mas, sim, compreendemos como Sahlins5252 Sahlins M. Cultura na prática. Coleção Et. Rio de Janeiro: Editora UFRJ; 2007. nos ensina das relações entre história e cultura, afirmando que em toda mudança existe continuidade [...] tanto em relação à biografia quanto à própria cultura. Assim, tal itinerário de pesquisa atualiza-nos acerca dos novos arranjos que surgem em função de alguns marcos sociológicos relevantes, tais como foi com a aprovação no Congresso Nacional da “PEC das domésticas” em 2013 e, agora, as possíveis traduções que podem ser feitas das interações entre trabalhadores domésticos e famílias brasileiras no contexto da pandemia de COVID-19, cotejando aqui e acolá com breves comentários de experiências internacionais. Compreendendo que entre os aspectos da vida mais afetado, em poucos meses que transformou a COVID-19 em pandemia global, será como organizamos a prática do cuidado5353 Fine M, Tronto J. Care goes viral: care theory and research confront the global COVID-19 pandemic. Int J Care Caring 2020; 4(3):301-309..

Resultados e discussão

COVID-19: o retorno de “como se fosse da família”?

Poucas categorias profissionais têm as características sintéticas que traduzem a nossa complexidade cultural como a das trabalhadoras domésticas. Talvez no Brasil nenhuma represente tão bem nossos dilemas societais. Poucas carreiam sobre si nosso passado de escravidão e nossa tão singular e ubíqua mentalidade escravocrata, ao ponto de ter causado uma transformação marcante na própria arquitetura dos apartamentos, com os seus quartos de empregada ou os atuais quartos reversíveis. Curioso que nesse símbolo do urbano moderno, tenhamos essa permanência arquitetônica do conceito proximidade espacial e distância social e para uma discussão sobre o moderno e o arcaico na família brasileira, vale consultar Figueira5454 Figueira SA. Uma nova família? O moderno e o arcaico na família de classe média brasileira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor Ltda; 1987.. Situadas entre um arcaico que não terminou e um devir moderno que ainda resiste a se implantar - será que se implantará? -, a categoria de trabalhadoras domésticas aparece como um elo perdido entre a pessoa e o indivíduo que explicita todo o dilema do país: uma alternância desastrosa entre de um lado um arcabouço nacional de leis universais cujo sujeito é o indivíduo e, de outro, situações onde cada qual deve se virar, dançar conforme a música, utilizando para isso o seu sistema de relações pessoais5555 DaMatta R. O que faz o brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Editora Rocco; 1984..

A crise sanitária e social, desencadeada pela pandemia de COVID-19, atualiza o conceito de proximidade espacial e distância social, traduzindo de maneira dramática e desigual como as medidas sanitárias de isolamento físico e de quarentena são adotadas pelas diferentes camadas sociais. Se parecia estar em declínio o hábito de empregadas domésticas dormirem nas casas onde trabalham2626 Velho G. O patrão e as empregadas domésticas. SPP 2012; 69:13-30., tal como algumas interlocutoras da pesquisa já anunciavam, pouco tempo depois do início da pandemia, surgiram matérias jornalísticas5656 Mena F. Sem diaristas, famílias assumem tarefas domésticas e abolem ferro de passar [Internet]. Folha de São Paulo; 2020 [acessado 2020 out 19]. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/04/sem-diaristas-familias-assumem-tarefas-domesticas-e-abolem-ferro-de-passar.shtml.
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,5757 Trindade E. Opinião - Rede Social: "Casa-Grande & Senzala" em versão Covid-19 tem luta de classes virtual [Internet]. Folha de São Paulo; 2020 [acessado 2020 out 19]. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/redesocial/2020/05/casa-grande-senzala-em-versao-covid-19-tem-luta-de-classes-virtual.shtml.
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que revelavam que as famílias propuseram a seus trabalhadores domésticos uma quarentena compartilhada. Famílias de classe média e elite isoladas, mas reunidas com empregadas domésticas e babás, “vivendo mais a vida dos patrões”5858 Silveira LMB. Como se fosse da família: a relação (in)tensa entre mães e babás. Rio de Janeiro: FAPERJ; 2014., numa aparente intimidade. O reconhecimento do trabalho doméstico como essencial durante a pandemia, em deferência ao trabalho do médico que priorizaria o seu ofício, em detrimento de suas tarefas domésticas “não é um avanço para o reconhecimento do trabalho doméstico como fundamental à organização social brasileira mas, mostra, mais uma vez, que ela está fundada na manutenção dos privilégios”5959 Redondo MF. O Covid-19 e o reconhecimento do trabalho doméstico como essencial. Boletim n. 71 - Ciências Sociais e coronavírus pandemia [Internet]. 2020 [acessado 2020 out 19]. Disponível em: http://anpocs.com/images/stories/boletim/boletim_CS/Boletim_n71.pdf.
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Aqui deve-se ponderar as tensões existentes entre transformação e superação; crescimento e desenvolvimento; forma e conteúdo e tantas outras aparentes dicotomias que operam como motores da dinâmica social. Nessa perspectiva é que podemos considerar as observações de Figueira6060 Figueira SA. O "moderno" e o "arcaico" na nova família brasileira: notas sobre a dimensão invisível da mudança social. In: Figueira SA, organizador. Uma nova família? O moderno e o arcaico na família de classe média brasileira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor Ltda; 1987. p. 11-30. sobre o processo de transformação da família brasileira a partir dos anos 1950 - quando predominava o modelo de família hierárquica onde a autoridade era posicional -, para o modelo a partir dos anos 1980, quando passa a prevalecer o modelo igualitário. Esses dois modelos constituem as identidades familiares no Brasil. O modelo hierárquico está apoiado no modelo patriarcal descrito por Freyre3333 Freyre G. Casa-grande & senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. 48ª ed. São Paulo: Global; 2003.. A convivência e interrelação entre os dois modelos - um antigo e um moderno - justifica-se “pela própria velocidade do processo no Brasil, o que se tem é a aquisição de novas identidades (articuladas de modo complementar e variável aos novos ideais), que se sobrepõem às antigas identidades posicionais, sem, contudo, alterá-las substancialmente”6060 Figueira SA. O "moderno" e o "arcaico" na nova família brasileira: notas sobre a dimensão invisível da mudança social. In: Figueira SA, organizador. Uma nova família? O moderno e o arcaico na família de classe média brasileira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor Ltda; 1987. p. 11-30.. Velho2626 Velho G. O patrão e as empregadas domésticas. SPP 2012; 69:13-30. comenta a ideia de polaridade concomitante como um movimento ininterrupto, e defende que a interação entre patrões e empregados domésticos acontece nos dois sentidos, com importante troca cultural. Destaca que as empregadas domésticas longe de serem meras sobrevivências de um passado arcaico, são ativas construtoras de novos mundos, em que hierarquia e individualismos, tradição e modernidade são transformados em instigantes metamorfoses2626 Velho G. O patrão e as empregadas domésticas. SPP 2012; 69:13-30..

Existem algumas dimensões a serem consideradas acerca das trabalhadoras domésticas. Vamos a algumas delas. A primeira: em sua maioria formada por mulheres negras, pobres e arrimos de família, integram, sob um ponto de vista mais abrangente, e em expansão na economia global, juntamente com as cuidadoras e com as trabalhadoras do sexo6161 Ehrenreich B, Hochschild AR. Global Woman: nannies, maids, and sex workers in the new economy. New York: A Holt Paperback-Metropolitan Books/Henry Holt and Company; 2004., uma categoria que opera num limite silencioso, pouco, ou quase nada, declarado que é o da monetização do afeto ou o da comercialização da vida íntima6262 Hochschild AR. The Commercialization of Intimate Life: notes from home and work. Berkeley, Los Angeles, London: University of California Press; 2003.. Um trabalho com duas características principais, que aparecem tanto nas sociedades em desenvolvimento ou semitradicionais como nas desenvolvidas, quais sejam: devem fazer, de maneira discreta1111 Zarembka JM. America's Dirty Work: migrant maids and modern-day slavery. In: Ehrenreich B, Hochschild AR, organizadores. Global woman: nannies, maids, and sex workers in the new economy. New York: Holt Paperbacks; 2003., o trabalho de limpar o sujo, que ninguém quer fazer. Isso nos leva à segunda dimensão, talvez a mais importante, que é a invisibilidade social. Dentre os diversos componentes que a configuram, a invisibilidade é constituída pelas características próprias ao trabalho doméstico, que acontece no ambiente privado e como uma atividade considerada “naturalmente” feminina. Desse modo, apagando todos os aspectos implicados na sua execução e consequentemente desqualificando o trabalho desta categoria, que aliás, no caso brasileiro, é mais uma instituição, por suas interfaces políticas, ideológicas e estéticas que se traduzem na complexidade cultural brasileira6363 Gouveia P. Uma trama em família: Profissão doméstica e sentimento de desfiliação. Cad Antropol Imagem 2006; 22(1):149-164.. Um trabalho interminável marcado por uma constante atualização da necessidade de recomeçar2727 Fraga AB. O serviço doméstico sob os holofotes públicos: alterações na articulação entre trabalho produtivo e reprodutivo no Brasil (Estado, mercado e família) [tese]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2016.. Tal característica, que poderia servir para agregar valor, somada às demais características descritas por Fraga2727 Fraga AB. O serviço doméstico sob os holofotes públicos: alterações na articulação entre trabalho produtivo e reprodutivo no Brasil (Estado, mercado e família) [tese]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2016., a saber: os rastros persistentes da escravidão e de uma legislação que a excluí e a desqualifica em relação a outros trabalhadores, vemos aprofundar as desigualdades interseccionais.

Na pesquisa realizada no acervo iconográfico de Militão Augusto de Azevedo e Carlos Eugênio Marcondes de Moura no Museu Paulista, percebeu-se uma transição histórica no padrão das fotos, as quais, inicialmente, contavam com a presença da ama-de-leite ao lado das crianças, e posterior e paulatinamente sofrem um processo de supressão e de retalhamento da figura da ama, que assinala o seu novo lugar no conjunto das novas relações sociais do período. Nelas, somente há “indícios” da sua presença, mormente através das mãos, que servem tanto de suporte como de apaziguamento para os bebês fotografados, uma vez que, assim, “diminuía-se o risco de que os bebês ficassem inquietos durante a feitura do retrato”6464 Deiab RA. A memória afetiva da escravidão. Rev Hist Bibliot Nacional 2005; 4:36-40..

Uma das expressões de apagamento social e sociológico, considerando sua “ausência de inscrição no texto acadêmico”6565 Segato RL. O édipo brasileiro: a dupla negação de gênero e raça. Série Antropologia. Brasília: UnB; 2006.. A formulação “como se fosse da família”, trabalhada na etnografia aqui referida, pretende domesticar e naturalizar tal relação. Mas, quando falamos “como se fosse”, já estamos querendo dizer que algo “não é”, mas é “como se fosse” A análise etnográfica dessas relações entre patrões e trabalhadoras domésticas nos evidenciou os conflitos, as ambiguidades, os paradoxos dessas relações marcadas, a um só tempo, pela intimidade e distância social. Se por um lado aprender a ser empregada doméstica implica em uma pedagogia relacional com os patrões; por outro lado a criança aprende com os adultos, desde a tenra infância, a tornar o visível invisível6161 Ehrenreich B, Hochschild AR. Global Woman: nannies, maids, and sex workers in the new economy. New York: A Holt Paperback-Metropolitan Books/Henry Holt and Company; 2004.,6666 Rivas L. Invisible Labors: Caring for the independent person. In: Ehrenreich B, Hochschild AR, organizadores. Global Woman: nannies, maids, and sex workers in the new economy. New York: A Holt Paperback-Metropolitan Books/Henry Holt and Company; 2004.. A babá quase perfeita era aquela que conseguia se tornar invisível, como se não existisse. Uma “não pessoa”6767 Goffman E. A representação do eu na vida cotidiana. Antropologia. Rio de Janeiro: Editora Vozes; 1975., que realiza um “não trabalho”6363 Gouveia P. Uma trama em família: Profissão doméstica e sentimento de desfiliação. Cad Antropol Imagem 2006; 22(1):149-164..

Durante a pandemia de COVID-19, as trabalhadoras domésticas correm sério risco de perderem o emprego e consequentemente as garantias trabalhistas. No caso do Brasil, país com maior número absoluto de trabalhadoras domésticas no mundo55 Vieceli CP. Entre a perda do emprego e o risco de contaminação: trabalhadoras domésticas remuneradas e a pandemia de Covid-19 [Internet]. 2020 [acessado 2020 out 17]. Disponível em: http://abet-trabalho.org.br/entre-a-perda-do-emprego-e-o-risco-de-contaminacao-trabalhadoras-domesticas-remuneradas-e-a-pandemia-de-covid-19/.
http://abet-trabalho.org.br/entre-a-perd...
, a situação é dramática. Para as que não perderam/perderem o emprego, além da contaminação pelo vírus, há o risco do isolamento social, do afastamento da família e da dramática restrição da rede social5757 Trindade E. Opinião - Rede Social: "Casa-Grande & Senzala" em versão Covid-19 tem luta de classes virtual [Internet]. Folha de São Paulo; 2020 [acessado 2020 out 19]. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/redesocial/2020/05/casa-grande-senzala-em-versao-covid-19-tem-luta-de-classes-virtual.shtml.
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/re...
. E ainda riscos de sofrer violências nas casas, cujos patrões exigiram a sua permanência, o confinamento “em família”. Basta ler alguns títulos de manchetes de jornais: “Casos de abusos à trabalhadora doméstica aumenta durante a epidemia de COVID-196868 Martins E. Casos de abusos a trabalhadoras domésticas crescem durante pandemia da Covid-19 [Internet]. Jornal O Globo; 2020 [acessado 2020 out 18]. Disponível em: https://oglobo.globo.com/sociedade/casos-de-abusos-trabalhadoras-domesticas-crescem-durante-pandemia-da-covid-19-24529311.
https://oglobo.globo.com/sociedade/casos...
; “A difícil realidade das domésticas em meio à crise da COVID-196969 BBC News Brasil. A difícil realidade das domésticas em meio à crise da covid-19 [Internet]. BBC News Brasil; 2020 [acessado 2020 out 18]. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53829848.
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53...
; “Coronavírus: como a pandemia afetou as empregadas domésticas na América Latina7070 UOL. Como o coronavírus afetou as empregadas domésticas na América Latina [Internet]. [acessado 2020 out 18]. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/afp/2020/06/29/empregadas-domesticas-vitimas-da-pandemia-na-america-latina.htm.
https://noticias.uol.com.br/ultimas-noti...
; “Travailleuses domestiques: les travailleuses de première ligne font face aux défis du COVID-197171 Women in Informal Employment: Globalizing and Organizing (WIEGO). TRAVAILLEUSES DOMESTIQUES: Les travailleuses de première ligne font face aux défis du COVID-19 | WIEGO [Internet]. 2020 [acessado 2020 out 18]. Disponível em: https://www.wiego.org/travailleuses-domestiques-les-travailleuses-de-premiere-ligne-font-face-aux-defis-du-covid-19.
https://www.wiego.org/travailleuses-dome...
. Um panorama internacional encontramos nos artigos de Cave7272 Cave D. A Stimulus Backlash Delivers a Global Warning: Value Female Workers [Internet]. The New York Times; 2020 [acessado 2020 out 18]; Disponível em: https://www.nytimes.com/2020/06/14/world/australia/coronavirus-stimulus-childcare-women.html.
https://www.nytimes.com/2020/06/14/world...
e Hamilton7373 Hamilton M. Carers need respite from care. COVID-19's limiting the options & pushing many to breaking point [Internet]. Women's Agenda; 2020 [acessado 2020 out 18]. Disponível em: https://womensagenda.com.au/latest/soapbox/carers-need-respite-from-care-covid-19s-limiting-the-options-pushing-many-to-breaking-point/.
https://womensagenda.com.au/latest/soapb...
. No Rio de Janeiro, a manchete “Primeira vítima do RJ era doméstica e pegou coronavírus da patroa no Leblon” anunciava o caso emblemático da primeira vítima de coronavírus - Cleonice Gonçalves -, trabalhadora doméstica que fazia parte do grupo de risco. Seus patrões, possíveis transmissores do vírus, estavam na Itália no início da epidemia e não a liberaram de seus serviços5959 Redondo MF. O Covid-19 e o reconhecimento do trabalho doméstico como essencial. Boletim n. 71 - Ciências Sociais e coronavírus pandemia [Internet]. 2020 [acessado 2020 out 19]. Disponível em: http://anpocs.com/images/stories/boletim/boletim_CS/Boletim_n71.pdf.
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,7474 Melo ML. Primeira vítima do RJ era doméstica e pegou coronavírus da patroa no Leblon [Internet]. 2020 [acessado 2020 out 18]. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2020/03/19/primeira-vitima-do-rj-era-domestica-e-pegou-coronavirus-da-patroa.htm.
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A OIT33 Trabalho Doméstico (OIT Brasília) [Internet]. [acessado 2020 set 30]. Disponível em: https://www.ilo.org/brasilia/temas/trabalho-domestico/lang--pt/index.htm.
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estimou - com base nas medidas tomadas pelos países relacionadas ao distanciamento físico e nas características da ocupação doméstica - que 72,3% das empregadas domésticas no mundo está sendo severamente impactada pela crise. No conjunto, as trabalhadoras domésticas, são, portanto, uma das principais categorias afetadas pela pandemia5353 Fine M, Tronto J. Care goes viral: care theory and research confront the global COVID-19 pandemic. Int J Care Caring 2020; 4(3):301-309.. Isso acontece, em parte, por conta das características do vírus: altamente contagioso, impondo o distanciamento e fechamento das escolas, restaurantes e diversos serviços ligados aos cuidados, e em parte também por conta das características de seu trabalho: o exercício das atividades exige o contato direto com pessoas idosas, crianças e pessoas doentes. Tudo isso reforçado pela aglomeração em transporte público - muitas trabalhadoras exercem a atividade em mais de um domicílio, o que aumenta a probabilidade de contágio e de disseminação55 Vieceli CP. Entre a perda do emprego e o risco de contaminação: trabalhadoras domésticas remuneradas e a pandemia de Covid-19 [Internet]. 2020 [acessado 2020 out 17]. Disponível em: http://abet-trabalho.org.br/entre-a-perda-do-emprego-e-o-risco-de-contaminacao-trabalhadoras-domesticas-remuneradas-e-a-pandemia-de-covid-19/.
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O caso da sociabilidade brasileira apresenta ainda uma terceira dimensão, que coloca em destaque a “Casa”, tal como descrita na obra de Freyre3434 Freyre G. Sobrados e mucambos: decadência do patriarcado rural e desenvolvimento do urbano. 14a ed. revist. São Paulo: Global; 2003., prefaciada por DaMatta7676 DaMatta R. O Brasil como morada. In: Sobrados e mucambos: decadência do patriarcado rural e desenvolvimento do urbano. 14ª ed. revist. São Paulo: Global; 2003., como um “fato social total”7777 Mauss M. Ensaio sobre a dádiva: forma e razão nas sociedades arcaicas. In: Mauss M. Sociologia e antropologia. São Paulo: Cosac & Naify; 2003. p. 185-314.. Com a pandemia de COVID-19, dificilmente se poderia exagerar na importância desse aspecto. A casa tornou-se por excelência o espaço em que trabalhadores domésticos e patrões vivem de forma desigual a quarentena. Impossível, para situar uma das grandes complexidades nacionais, não citar a famosa, e não menos importante, passagem de Freyre sobre o papel da ama negra que fez com as palavras o mesmo que com a comida, […] tirou-lhes as espinhas, os ossos, as durezas, só deixando para a boca do menino branco as sílabas moles3333 Freyre G. Casa-grande & senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. 48ª ed. São Paulo: Global; 2003.. Aqui intervém, formando um amplo mosaico analítico, a nosso ver com grande potencial para compreensão da dinâmica social contemporânea no Brasil, duas questões. A primeira designada como culturas de servidão22 Ray R, Qayum S. Cultures of servitude: modernity, domesticity, and class in India. Stanford, California: Stanford University Press; 2009.; e a segunda o rastreamento de questões de intimidade para investigar questões da própria sociabilidade brasileira2626 Velho G. O patrão e as empregadas domésticas. SPP 2012; 69:13-30.,7878 Stoler AL. Carnal knowledge and imperial power: race and intimate in colonial rule. 2ª ed. Los Angeles, London: University of California Press; 2010.. Desenvolveremos um pouco a primeira questão, deixando a segunda para uma outra oportunidade.

Ray e Qayum2, em seu livro sobre a Índia, Cultures of Servitude, elaboram sobre três temáticas que também são cruciais para o Brasil: a concomitância de valores tradicionais e modernos; a domesticidade; e a questão das classes sociais. Resumem, ao longo de alguns parágrafos, o que seria, segundo eles, uma cultura de servidão: é aquela em que as relações sociais de dominação/subordinação, dependência e desigualdade são (1) legitimadas culturalmente de tal forma que a dominação, dependência e desigualdades, daí derivadas, não são apenas toleradas, mas aceitas plenamente; (2) são reproduzidas no cotidiano das interações sociais; (3) permeiam tanto a esfera pública quanto a privada; e (4) forma uma espécie de estrutura de sentimentos/afetos associados à instituição e às relações de servidão doméstica produzida pela confluência de condições materiais históricas e organização social prevalecente.

Aqueles que vivem em uma cultura de servidão a aceitam como a ordem dada das coisas, o modus operandi tanto da esfera pública quanto da doméstica. Podemos pensar o trabalho doméstico a partir dessa perspectiva, mas também podemos pensar a cultura de servidão dando direção, sentido e magnitude a uma mentalidade, como a prevalecente no Brasil, mas não exclusivamente7979 Cattani AD, Savicki M. Classes abastadas: distinção e apreço pela servidão: o caso das trabalhadoras domésticas filipinas - Fenatrad [Internet]. [acessado 2020 out 19]. Disponível em: https://fenatrad.org.br/2018/07/18/classes-abastadas-distincao-e-apreco-pela-servidao-o-caso-das-trabalhadoras-domesticas-filipinas/.
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, através da qual poderíamos entender, não apenas, a nossa quase infinita tolerância com as desigualdades sociais em todas as suas manifestações, com a exclusão específica dos afrodescendentes, assim como a condenação das mulheres, em especial as de baixa renda, àquilo que já foi chamado de “escravidão vitalícia”1212 Domestic Workers United. Home Is Where the Work Is: Inside New York's Domestic Work Industry [Internet]. New York; 2006 [acessado 2020 out 16]. Disponível em: http://www.datacenter.org/reports/homeiswheretheworkis.pdf.
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. É preciso registrar que a servidão não implica rigidez, ao contrário, ela opera com plasticidade, o que faz com que o afeto se transforme num valor demandado e que qualifica, por exemplo, babás e trabalhadoras domésticas oriundas da América Latina como afetuosas, amorosas e prestativas77 Hondagneu-Sotelo P, Avila E. "I'M HERE, BUT I'M THERE": The Meanings of Latina Transnational Motherhood. Gender Soc 1997; 11(5):548-571.,6262 Hochschild AR. The Commercialization of Intimate Life: notes from home and work. Berkeley, Los Angeles, London: University of California Press; 2003.,8080 Cheever S. The Nanny Dilemma. In: Hochschild AR, Ehrenreich B, organizadores. Global Woman: nannies, maids, and sex workers in the new economy. New York: A Holt Paperback-Metropolitan Books/Henry Holt and Company; 2004.,8181 Anderson B. Just another job? The Commodification of domestic labor. In: Ehrenreich B, Hochschild AR, organizadores. Global Woman: nannies, maids, and sex workers in the new economy. New York: A Holt Paperback-Metropolitan Books/Henry Holt and Company; 2004., atributos que as diferenciam para os postos de trabalho, sendo uma verdadeira vantagem comparativa no mercado de afetos8282 Hochschild AR. Love and Gold. In: Ehrenreich B, Hochschild AR, organizadores. Global Woman: nannies, maids, and sex workers in the new economy. New York: A Holt Paperback-Metropolitan Books/Henry Holt and Company; 2004. que demanda especificamente um estoque de maternidade66 Hochschild AR. As cadeias de assistência e a mais-valia emocional. In: Hutton W, Giddens A, organizadores. No limite da racionalidade: convivendo com o capitalismo global. Rio de Janeiro: Record; 2004. p. 187-210..

Conclusão

Ao longo do artigo apresentamos elementos de um equilíbrio instável e dinâmico entre o arcaico e o moderno, as culturas de servidão e as posturas e iniciativas de trabalhadoras domésticas, que não estão passivas ou fantasmagorizadas por um passado marcado pela escravidão. Esse complexo de emoções é marcado por desigualdades interseccionais intensificadas pelos aspectos de gênero, geração, origem regional, cor e classe social. O cruzamento entre trabalho e família; dinheiro e afeto; hierarquia social e intimidade são pares analíticos antagônicos e complementares e sintetizam, portanto, um dos grandes dilemas do país. Mas, vale frisar que a heterogeneidade cultural observada nessas relações é um fator importante para a viabilidade de uma negociação entre esses atores. Da etnografia, aqui reinterpretada, podemos comentar alguns perfis de trabalhadoras, que sintetizam esse equilíbrio instável entre o passado e o contemporâneo. Se havia aquela que se considerava “como se fosse da família”, também havia aquela que negava essa posição sublime e defendia que não era uma “babá tentáculos”, cujos patrões esperavam dela total abarcamento da família para qual trabalhavam. Existe, portanto, grande antagonismo nessas relações e que geram frequentemente dramas sociais, como os que temos vistos na pandemia da COVID-19, nos quais estão em jogo grandes custos emocionais e afetivos. Há alianças, como podemos constatar nos casos em que patrões dispensaram as trabalhadoras domésticas, garantindo os seus salários. Mas não sem conflitos de valores e de interesses. O eixo hierarquia e individualismo configura-se como uma das bases de diferenciação de escala de valores com consequências no mundo dos cuidados domésticos realizados pelas trabalhadoras domésticas. Embora não se possa estabelecer uma divisão rígida e esquemática, há uma tendência de predomínio dos valores hierarquizantes entre as trabalhadoras domésticas, enquanto, no universo das famílias, identifica-se uma maior presença de perspectivas individualistas. Mas isto não significa que estas não apareçam, e por vezes de modo intenso.

Seja em confinamento com a família dos patrões, seja em confinamento com a sua própria família, o isolamento compulsório e o léxico constituído pela pandemia de COVID-19 tiveram expressões dramáticas nas vidas dessas trabalhadoras.

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Editado por

Editores-chefes:

Romeu Gomes, Antônio Augusto Moura da Silva

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Out 2021
  • Data do Fascículo
    Out 2021

Histórico

  • Recebido
    20 Nov 2020
  • Aceito
    22 Maio 2021
  • Publicado
    24 Maio 2021
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