ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo de Revisao - Ano 2021 - Volume 11 - Número 2

Análise epidemiológica e clínica da infecção pelo novo coronavírus na população pediátrica: uma revisão sistemática

Epidemiological and clinical analysis of infection with the new coronavirus in the pediatric population: a systematic review

RESUMO

OBJETIVO: O objetivo central deste estudo é revisar sistematicamente a literatura, a fim de analisar epidemiologicamente e clinicamente a infecção pelo novo coronavírus no público pediátrico.
MÉTODOS: Para realizar tal análise, foram selecionados artigos através de uma estratégia de busca estruturada nos bancos de dados do PubMed, Cochrane e SciELO. Os artigos foram selecionados de acordo com as recomendações do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-analysis Protocol (PRISMA-P). E o protocolo de revisão (Prospero) foi registrado na York University sob o seguinte número de identificação: CRD CRD42020197304.
RESULTADOS: A pesquisa bibliográfica identificou 985 artigos. Após a triagem metodológica, 6 estudos foram elegíveis para esta revisão sistemática. O número de participantes variou de 10 a 43 crianças com idades entre 1 mês e 16 anos com predomínio da população masculina. A apresentação clinica foi variável, e pode se mostrar desde formas assintomáticas, o que representa a grande maioria, até casos graves que resultam em óbito. Nos casos sintomáticos, a doença, geralmente, se manifesta através de sintomas leves do trato respiratório. Já, em quadros mais graves, os pacientes podem cursar com insuficiência respiratória e síndrome inflamatória multissistêmica.
CONCLUSÃO: Estudos tem demonstrado que crianças tem apresentações clínicas mais brandas quando comparadas com adultos, além de recuperação mais rápida e melhor prognóstico. A causa para a diferença na manifestação da doença não está completamente elucidada com várias hipóteses sendo estudadas. Em termos de tratamento, os cuidados oferecidos são apenas suportivos, visando conforto do paciente e manejo das comorbidades.

Palavras-chave: Infecções por Coronavírus, Síndrome Respiratória Aguda Grave, Síndrome de Resposta Inflamatória Sistêmica, Coronavírus, Criança, Revisão Sistemática.

ABSTRACT

OBJECTIVE: The main objective of this study is to collection review the literature in order to analyze epidemiologically and clinically the infection by the new Coronavirus in the pediatric public.
METHODS: To carry out such an analysis , articles were selected through a structured search strategy in the databases of Pubmed , Cochrane and Scielo. The articles were selected according to to the recommendations of the preferred reporting Items for Systematic Reviews and Meta- analysis Protocol (PRISMA-P). and the review protocol (Prospero) was registered at York University under the following identification number : CRD CRD42020197304.
RESULTS: The literature search identified 985 articles. After methodological screening , 6 studies were eligible for this systematic review. The number of participants ranged from 10 to 43 children aged between 1 month and 16 years old with a predominance of the male population. The clinical presentation was variable , and it can show from asymptomatic forms , which represent the vast majority , to severe cases that result in death. In symptomatic cases, the disease usually manifests itself through mild symptoms of the respiratory tract. In more severe cases, patients may have respiratory failure and multisystemic inflammatory syndrome.
CONCLUSIONS: Studies have shown that children have milder clinical presentations when compared to adults , in addition to faster recovery and better prognosis. The cause for the difference in the manifestation of the disease is not completely elucidated with several hypotheses being studied. In terms of treatment , the care offered is only supportive , aiming at patient comfort and management of comorbidities.

Keywords: Coronavirus Infections, Severe Acute, Respiratory Syndrome, Systemic Inflammatory, Response Syndrome, Coronavirus, Child, Systematic Review.


INTRODUÇÃO

A doença do coronavírus 2019 (COVID-19) é uma doença respiratória causada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2)¹. Em dezembro de 2019, os primeiros casos de COVID-19 foram relatados em Wuhan, China, desde então, os números têm crescido rapidamente, atingindo todos os continentes². Em relatório, a Organização Mundial de Saúde reportou mais de 122 milhões de casos pelo mundo e 2,7 milhões de mortes desde o início da pandemia até 21 de março de 2021³.

O período de incubação do agente etiológico varia entre 1 e 14 dias. Nos casos sintomáticos a doença, geralmente, se manifesta através de sintomas de infecção respiratória como tosse, febre e fadiga. No entanto, a apresentação clinica é variável, e pode se mostrar desde formas assintomáticas até casos graves que resultam em óbito4. Na população pediátrica, a doença pode se manifestar também através de rinorreia, congestão nasal, mialgia e sintomas gastrointestinais como vômitos, náusea, diarreia e dor abdominal podendo evoluir para quadros graves com insuficiência respiratória e síndrome inflamatória multissistêmica5.

Estudos tem demonstrado que crianças tem apresentações clínicas mais brandas quando comparadas com adultos, além de recuperação mais rápida e melhor prognóstico, menos alterações laboratoriais e menos alterações radiológicas5-7. A causa para a diferença na manifestação da doença não está completamente elucidada com várias hipóteses sendo estudadas, como maior resposta imune inata, menor resposta de citocinas inflamatórias. Cerca de 83% das crianças que tiveram a doença apresentaram histórico positivo para contato com pessoas com COVID-19, sendo a maioria contato familiar7. Ainda é incerto se casos assintomáticos são transmissores da doença, no entanto, é conhecido que mesmo crianças assintomáticas podem ter alta carga viral no corpo8.

Em termos de tratamento, a doença ainda não possui medicação especifica, sendo os cuidados oferecidos de suporte com ventilação mecânica invasiva e não invasiva, visando conforto do paciente e manejo das comorbidades5. No entanto, dados em literatura com maiores evidências científicas a respeito do tópico são escassos e se torna necessário a realização de mais estudos para o esclarecimento do assunto. Assim, esse estudo buscou sistematizar as manifestações clínicas e epidemiológicas da COVID-19 presentes na população pediátrica.


MÉTODOS

Os artigos foram selecionados de acordo com as recomendações do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-analysis Protocol (PRISMA-P) responsáveis pela coordenação do processo de feitura de metanálises e revisões sistemáticas9,10. O protocolo de revisão (Prospero) foi registrado na York University sob o seguinte número de identificação: CRD CRD42020197304.

População, exposição e desfechos

Esta revisão sistemática incluiu estudos com pacientes pediátricos, que foram definidos como crianças com idade menor de 18 anos, com diagnóstico de COVID-19, que avaliaram manifestações clínicas, diagnóstico, desfechos prevalentes e resultados da infecção por COVID-19 em pacientes pediátricos.

Os artigos foram selecionados através de uma estratégia de busca estruturada nos bancos de dados: PubMed, Cochrane e SciELO. Foram usados os seguintes termos do Medical Subjects Heading (MeSH): “child”, “children”, “childhood”, “preschool”, “infant”, “babies”, “baby”, “neonates”, “paediatrics”, “paediatric”, “pediatrics”, “pediatric”, “coronavirus”, “COVID-19”, “COVID”, “severe acute respiratory syndrome”, “SARS”. Esses termos foram adaptados para uso em outros bancos de dados bibliográficos em combinação com filtros de banco de dados específicos para estudos clínicos, ensaio clínico, ensaio clínico controlado, estudos observacionais e ensaios clínicos randomizados. As pesquisas nesses bancos de dados foram feitas entre junho e julho de 2020, sem restrições de idioma.

Critérios de seleção

Os critérios de inclusão refletem aqueles observados acima para os participantes/populações, bem como os seguintes tipos de estudo: ensaios clínicos randomizados e estudos observacionais. Não houve restrição de etnia, idioma, país, sexo, idade (desde que menores de 18 anos) e ano de publicação. Não foram incluídas pesquisas com dados insuficientes ou que não podiam ser extraídos, que não houvesse texto disponível, com conjuntos de dados sobrepostos e com modelos de estudo in vitro ou animal.

Os critérios de exclusão foram: publicações duplicadas, faixa etária não condizente com a proposta da revisão sistemática (adultos e idosos), artigos que tratam de outros vírus ou apenas citam coronavírus, pacientes pediátricos oncológicos, estudos ainda em andamento e sem resultados definitivos, pesquisas inacessíveis, temas e desenhos de estudos não adequados para a proposta da revisão.

Análise e síntese dos dados

Os títulos de todos os artigos encontrados foram avaliados por dois revisores de forma independente, a fim de identificar e remover possíveis artigos duplicados ou estudos que não respondiam à questão central desta revisão. Aqueles potencialmente elegíveis para inclusão foram submetidos à leitura dos resumos e, posteriormente, leitura abrangente do texto completo. A decisão sobre a seleção final foi feita durante uma reunião de consenso. Os dados foram extraídos quanto ao título do artigo, nome do primeiro autor, desenho do estudo, país, periódico ao qual foi publicado, instituição realizadora, ano de publicação, nível de evidência, idade da amostra, gêneros, comorbidades, características clínicas (sinais, sintomas e duração), exames feitos para diagnóstico, exames laboratoriais principais, exames de imagem, tratamentos, classificação de gravidade, desfecho e conclusão estatisticamente significantes. A análise foi feita de acordo com a abordagem Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA).

O número de estudos analisados em cada nível de avaliação foi demonstrado no diagrama PRISMA incluído (Figura 1). Os artigos excluídos foram classificados da seguinte forma: grupo 1, duplicados; grupo 2, faixa etária não condizente com a proposta da revisão (adultos ou idosos); grupo 3, artigos que tratam de outros vírus ou apenas citam coronavírus; grupo 4, pacientes pediátricos oncológicos; grupo 5, estudos ainda em andamento (sem resultados definitivos); grupo 6, artigos inacessíveis; grupo 7, tema não adequado para o propósito desta revisão; grupo 8, desenhos de estudos não adequados à proposta da revisão. Os estudos foram avaliados quanto à avaliação da qualidade das evidências e para fornecer um resumo dos achados dos estudos incluídos com a abordagem da Oxford Centre for Evidence-based Medicine11 conforme recomendado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (CONITEC). Nessa abordagem, os estudos são classificados em níveis de evidências 1A, 1B, 1C, 2A, 2B, 2C, 3A, 3B, 4C e 5D, sendo C e D baixa qualidade e A, B e 1C estudos de alta qualidade. Limitações metodológicas, inconsistências, imprecisões, evidências indiretas e viés de publicação podem reduzir o nível de evidência, enquanto a magnitude do efeito, a resposta à dose e o controle de todos os fatores de confusão plausíveis podem aumentar a qualidade das evidências.


Figura 1. Etapas do processo de seleção para inclusão de artigos na revisão sistemática.



RESULTADOS

A pesquisa bibliográfica identificou 985 artigos. Após a triagem metodológica, 6 estudos foram elegíveis para esta revisão sistemática. A Figura 1 descreve as etapas de inclusão e exclusão do estudo.

Os 6 estudos incluídos foram publicados no ano de 2020. Entre os 6 estudos avaliados, 2 eram coortes retrospectiva, 2 coorte prospectiva e 2 caso-controle. Os países de realização foram: 4 estudos realizados na China, 1 na Itália e 1 na França. A Tabela 1 resume as características do estudo de todas as publicações incluídas.




Conforme observado na Tabela 1, o número de participantes variou de 10 a 43 crianças com idades entre 1 mês e 16 anos com predomínio da população masculina. Os sintomas mais comumente relatados pelos autores foram dispneia, febre, tosse e diarreia/vômitos12-15. Observados com menor frequência foram rinorreia e odinofagia, sendo que houve poucos casos com alterações neurológicas ou sinais de falência cardíaca, renal ou hepática. Os estudos de Toubiana et al. (2020)16 e Verdoni et al. (2020)17 perceberam um quadro de doença de Kawasaki em crianças com infecção atual ou anterior por coronavírus. Qiu et al. (2020)13 relataram que comparativamente aos casos em adultos da mesma cidade, as crianças apresentaram uma prevalência menor de febre, tosse, pneumonia, proteína C-reativa (PCR) e forma grave.

As comorbidades relatadas no estudo de Wang et al. (2020)12 foram leucemia linfoblástica aguda em remissão e obesidade primária. Em outro estudo, 5 eram obesos16. Já Zhang et al. (2020)15 relataram uma criança com asma, uma convulsão febril, uma com defeito do septo atrial, uma com nefroblastoma e infecção mista em 62% dos pacientes de 12 a 72 meses.

Dentre as alterações laboratoriais relatadas estiveram leucocitose/leucopenia, linfopenia, elevação de provas inflamatórias (PCR, velocidade de hemossedimentação (VHS), ferritina e procalcitonina), aumento de transaminases hepáticas e redução de albumina. Wang et al. (2020)12 encontraram maiores níveis de leucócitos, ácido úrico e marcadores inflamatórios nos quadros mais severos em comparação a quadros leves, enquanto pouca diferença foi encontrada nos níveis de contagem linfocitária. Xu et al. (2020)14 referiram que houve poucas alterações ou alterações em pequeno grau dos exames laboratoriais em 90% dos pacientes.

Qiu et al. (2020)13 descreveram variáveis significativamente diferentes entre os casos leves e moderados sendo menor contagem linfocitária, maiores temperaturas corporais, maior nível de procalcitonina, D-dímero e creatinoquinase-MB (CKMB) associado aos casos de maior gravidade. Além disso, crianças mais velhas apresentaram menor contagem de linfócitos, elevação de procalcitonina e menor creatinoquinase (CK) que os mais jovens.

No estudo realizado por Zhang et al. (2020)15, 50% das crianças apresentaram elevação de linfócitos, 59% elevação de PCR, 82% elevação de lactato desidrogenase (LDH), 78% redução de pré-albumina e 85% redução de proteína amiloide A sérica e nenhum apresentou alteração de CK ou CKMB.

Em um estudo foram encontradas alterações de imagem em todos os casos graves em contraste com cerca de metade dos quadros leves. As alterações de imagem radiológica mais comuns foram opacidade em vidro fosco na tomografia computadorizada (TC), marcações pulmonares grosseiras e consolidações e houve predileção (75%) pelo lobo inferior esquerdo do pulmão12. Já Qiu et al. (2020)13 referiram que metade das crianças apresentaram opacidade em vidro fosco na TC. Já Xu et al. (2020)14 relata que os pacientes apresentaram apenas marcações pulmonares grosseiras sem sinais de pneumonia (PNM) à radiografia (RX) e opacidade em vidro fosco na TC de metade das crianças. Zhang et al. (2020)15 relataram consolidações pulmonares em 82% dos pacientes na admissão, apenas 3% de opacidade em vidro fosco e 6% sem alterações radiológicas.

Analisando-se complicações, hospitalizações em unidade de terapia intensiva (UTI) e/ou casos graves e críticos houve apenas 1 óbito relatado por Wang et al. (2020)12. O estudo apontou elevação das células natural killer (NK), bilirrubina total e comprometimento de mais de 3 segmentos pulmonares como fatores associados a quadros de maior gravidade. O mesmo autor descreve como PNM grave se no mínimo 1 critério estiver presente: frequência respiratória (FR): ≥70 vezes/min (<1 ano), ≥50 vezes/min (≥1 ano); saturação de oxigênio capilar (SatO2) <92%, sofrimento respiratório, cianose, apneia intermitente, alteração de consciência, sonolência, coma ou convulsão, recusa alimentar com sinais de desidratação. Além disso, Qiu et al. (2020)13 e Wang et al. (2020)12 relataram maior tempo de permanência hospitalar e maior duração de sintomas e maior tempo para negativação da reação em cadeia da polimerase em tempo real (RT-PCR) nos casos graves quando comparado aos casos não graves.

No estudo de Wang et al. (2020)12 foi oferecido apenas suporte ventilatório e oxigenoterapia. Em outros três estudos13-15 foi utilizado também interferon-α em 100% das crianças. Não houve nenhum estudo que incluiu o uso de antimaláricos. Além disso, Zhang et al. (2020)15 e Qiu et al. (2020)13 utilizaram também antivirais como lopinavir/ritonavir e ribavirina. Ainda houve autores que ofereceram tratamento antibiótico com azitromicina ou cefalexina e corticosteroides aos pacientes. E, nos dois estudos que os pacientes apresentaram doença de Kawasaki ou Kawasaki-like, receberam imunoglobulina intravenosa (IGIV), aspirina e corticoide conforme necessário pela comorbidade16,17.


DISCUSSÃO

A pandemia da COVID-19 trouxe à tona a necessidade de pesquisas relacionadas ao assunto para reconhecimento precoce dos sinais e sintomas, tratamento adequado e isolamento social dos infectados ou suspeitos. A velocidade de publicação e quantidade de informações disponíveis é tanta que se tornou necessário uma revisão deste conteúdo disponível, facilitando o acesso e a compreensão da doença na população pediátrica.

A alta transmissibilidade da COVID-19 se mostrou semelhante à encontrada na síndrome respiratória aguda grave (SARS) e influenza A (H1N1). Comparando a presença de pneumonia por COVID-19, SARS e H1N1, observa-se que os dois primeiros se assemelham em relação à prevalência, 53% e 65%, respectivamente. Já H1N1, foi de apenas 11%13.

O coronavírus possui um tempo médio estimado de incubação de 5,2 dias14 e dentre todos os sintomas que pode causar, destacam-se como os principais que acometem o público infantil, a febre e tosse seca13-15. Sintomas gastrointestinais como vômitos e diarreia foram observados por Zhang et al. (2020)15 como os primeiros sintomas, ao contrário do que foi visto por Xu et al. (2020)14 que não observou letargia, dispneia, mialgia, cefaleia, náuseas, vômitos e desorientação, comumente encontrados em adultos.

A maioria das crianças infectadas foram assintomáticas (94%)13,15 e dentre a pequena parcela sintomática a maioria foi de casos leves12, com tempo de recuperação do quadro em torno de 3 a 4 dias15. A prevalência de febre, tosse, pneumonia, PCR elevada e doença grave foi significativamente menor em comparação aos adultos13,20,21. A forma mais branda da COVID-19 nas crianças traz como pressuposto uma resposta inflamatória reduzida nessa população, já que seu sistema imunológico ainda não está completamente formado se comparado aos adultos13,15.

Dois estudos analisados são discordantes quanto à hipótese. O estudo de Qiu et al. (2020)13 coloca que as crianças apresentaram uma RT-PCR menor do que os adultos, no qual sugere menor resposta imunológica no grupo pediátrico. Por outro lado, o estudo de Zhang et al. (2020)15 observou que a positivação da RT-PCR foi semelhante a encontrada em adultos, sugerindo resposta imunológica parecida entre adultos e crianças. Aventou-se também a hipótese da exposição repetitiva das crianças mais jovens a diversos vírus ser um fortalecedor de seu sistema imunológico, fazendo assim, com que estas tenham cursos mais brandos15.

Foi observado que as células T ativadas e elevação de interleucina-6 (IL-6) estão relacionadas a doença mais grave em crianças, diferentemente dos adultos, em que a neutropenia e linfopenia estão associados12. Por outro lado, as células NK, IL-6 e IL-10 se encontram em menor expressão em casos leves12, o que sugere que citocinas são importantes fatores preditores da doença grave17.

Os fatores que podem estar relacionados à gravidade da doença são disfunção orgânica, hepatobiliária e coagulação intravascular, sendo vistos pela alteração de bilirrubinas, ácido úrico, tempo de atividade da protrombina e D-dímero. Variáveis clínico-demográficas como idade, sexo, índice de massa corporal (IMC) elevado e sinais e sintomas clínicos não apresentaram associação estatisticamente significante para COVID-19 grave em crianças12,16.

Quanto ao RT-PCR, o estudo de Wang et al. (2020)12 relata que o teste permaneceu por mais tempo positivo em crianças graves se comparado as não graves. Já, em contrapartida, os estudos de Qiu et al. (2020)13 e Zhang et al. (2020)15 demonstram que o tempo necessário para a negativação não sofre influência da gravidade da doença. Desta forma, é aconselhável utilizar o RT-PCR exame padrão-ouro apenas para diagnóstico e não para seguimento da doença18.

Coinfecções por vírus respiratórios e bactérias não foram relatadas no estudo de Xu et al. (2020)14, contrapondo o estudo de Zhang et al. (2020)15 que encontrou em 47% dos casos, sendo mais comum em crianças entre 12 e 72 meses de idade. Logo, não há indícios de proteção contra a COVID-19 em casos de coinfecção15.

Após o início da pandemia de SARS-CoV-2 em Bergamo – Itália, houve aumento de 30 vezes na incidência mensal de doença de Kawasaki em comparação aos últimos 5 anos (p<0,0001). Neste grupo de pacientes, em sua maioria, há evidencias de infecção atual ou prévia, o que sugere associação entre o coronavírus e a doença de Kawasaki16,17. A resposta imunológica à infecção pelo coronavírus sugeriu maior gravidade no desenvolvimento da síndrome Kawasaki-like em relação a forma clássica da doença de Kawasaki. No entanto, é importante ressaltar, que a síndrome Kawasaki-like ainda se encontra como condição rara, não afetando mais do que 1 criança a cada 1.000 expostas ao vírus17.

O estado pró-inflamatório juntamente com a disfunção orgânica, denominada de síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica associada à infecção pelo SARS-CoV-2, traz em voga a reação imunológica forte que este vírus, em particular, pode causar ao hospedeiro se comparado aos demais vírus16. Logo, uma monitorização do quadro, mesmo após alta hospitalar, é sugerida pelos estudos13,15.

As formas de transmissão do vírus encontradas foram predominantemente por contato com infectados e história de exposição em áreas endêmicas13. Ademais, Xu et al. (2020)14 sugere a existência de uma transmissão fecal-oral pela persistência da positivação dos esfregaços retais mesmo após a negativação do swab nasofaríngeo. É possível avaliar a possibilidade da negativação do esfregaço retal como um parâmetro da determinação do momento para o término do isolamento14. No entanto, a realização de swab retal é uma prática incomum para diagnóstico de coronavírus e não foi abordado em nenhum outro artigo selecionado nesta revisão sistemática, além da infectividade do coronavírus por excreção fecal não ser comprovada14.

Nas alterações laboratoriais de pacientes pediátricos, observou-se, no estudo de Zhang et al. (2020)15 que os níveis de proteína amiloide A sérica (SAA) esteve presente na maioria dos pacientes (85%) e juntamente ao RT-PCR normalizaram de forma drástica após 7 dias de doença. Citado por Zhang et al. (2020)15, Yip et al. (2005)22 encontrou uma relação estatisticamente significativa entre a elevação da SAA e a extensão de pneumonia por SARS-CoV-1, esta informação torna necessário mais estudos acerca da correlação entre a SAA elevada e extensão de pneumonia por SARS-CoV-2. Porém, seu uso rotineiro deve ser avaliado, visto que é pouco difundido e aplicado no Brasil, como também, pela limitação do estudo em apresentar um baixo nível de evidência científica (4C)11.

Quanto aos achados radiográficos, quase metade dos pacientes pediátricos não apresentaram alterações sugestivas de infecção por COVID-1913. Por não haver correlação entre o curso da doença e a imagem nos casos leves a moderados, não é indicado o uso da radiografia como predição de prognóstico15. Já os pacientes graves apresentavam TC com achados positivos no primeiro dia de internação, sendo o acometimento de mais de três segmentos pulmonares associados à maior gravidade da pneumonia (p=0,006)12. Desta forma, recomenda-se que o monitoramento com exames de imagem seja realizado nos casos graves, pois, além de haver chance de rápida progressão das lesões e padrão de início tardio, há correlação entre a melhoria do padrão tomográfico e melhora clínica do paciente12,15.

Mesmo após a coleta e análise criteriosa desses estudos, é grande a dúvida em torno do porquê as crianças ainda são um público menos propício a desenvolver quadros graves pelo coronavírus. Vários estudos sugerem motivos e levantam hipóteses, como visto ao longo do artigo, porém estudos com fortes evidências e boas metodologias precisam de tempo para serem realizados de forma adequada aos padrões científicos.

A presente pesquisa proporcionou a reunião e análise de estudos presentes no meio científico com intenção de facilitar o acesso aos profissionais da saúde brasileiros sobre o tema. Houve também, ausência de viés de seleção pela metodologia PRISMA-P aplicada, sendo selecionados, ao final, estudos de vários países que tivessem um bom nível de evidência. Ressalta-se que o tamanho amostral obtido pelos estudos é pequeno e, portanto, há maior probabilidade de ocorrência de erro aleatório do tipo 2 ou β. No momento da seleção dos artigos houve estudos brasileiros em estágio de pré-publicação o que contribuiu para que não fossem incluídos. Nossa pesquisa deve servir de estímulo para a realização de novos trabalhos sobre o tema, aprimorando os conhecimentos sobre esse assunto.


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1. Universidade Positivo, Medicina - Curitiba - PR - Brasil
2. Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte, Medicina - Belo Horizonte - Minas Gerais - Brasil

Endereço para correspondência:

Larissa Nicolini de Santa
Universidade Positivo
Rua Prof. Pedro Viriato Parigot de Souza, nº 5300, Cidade Industrial de Curitiba
Curitiba - PR. Brasil. CEP: 81280-330
E-mail: laridesanta@hotmail.com

Data de Submissão: 24/03/2021
Data de Aprovação: 30/05/2021